domingo, 23 de dezembro de 2012

Uma abordagem sugestiva da "Pedagogia da autonomia" e Paulo Freire.


De uma docência impositiva à uma docência compreensiva: o ato reflexivo na arte de ensinar.

BADARÓ, Wilson Oliveira


Resenha com crítica aberta.

Em princípio é importante frisar que criticar uma obra como a "Pedagogia da Autonomia" a partir de uma perspectiva construtiva – no caso de uma resenha – no intuito de trazer a luz a grandiosidade do conhecimento contido nesta obra, até mesmo porque o autor deste magnânimo livro faz um misto entre abordagem empírico-teórica ao seu objeto de estudo, a saber, a prática pedagógica e suas implicações no contexto histórico-social dado. Segundo tenho visto até aqui, ele se alija de fato de outros autores por sua paixão e intenção regidas por uma motivação diferenciada e sua visão de mundo aparece claramente na obra, visão esta que se propõe transformadora da realidade social enquanto a parte empírica de sua atuação, pois, pode ser experimentada na prática social. Nota-se ainda que esta mesma abordagem teórica está em perfeita consonância com as práticas observadas e propostas para intervenção e, sobremodo, muito bem fundada em preceitos filosóficos consolidados, trazendo a carga teórica para sua obra.
A "pedagogia da autonomia" implica num tema absurdamente abrangente e necessário, em minha particular opinião, para todo o corpo docente mundial. Valorizando e defendendo a liberdade ou autonomia, como queiram, do discente no processo de aprendizagem, que para o progressivismo de Freire, deixa de ser um processo passivo, do ponto de vista discente, para ser reflexivo, ou seja, de duas vias. Do ponto de vista mais geral, o tema induz o seu leitor a se indagar acerca da funcionalidade perceptiva do ser enquanto indivíduo social, e partindo desta perspectiva reflexiva que é o contexto social humano, faz saber a todos, a validade das relações dialéticas entre indivíduos como um todo, como uma realidade dada, que sempre esteve presente, mas, durante muito tempo velada pelas propostas de ensino anteriores no âmbito pedagógico.
Como naturalmente teria de ser, a postura declarada do autor enquanto um progressista torna claro também seu posicionamento teórico-metodológico que, em minha ótica, segue uma tendência marxista como sua principal via e corrente de pensamento e suas ferramentas histórico filosóficas reforçam sua interpretação de mundo estratificado através dos tempos. Sua visão política amplamente ligada aos anseios socialistas declara seu ideal, como ele mesmo reconhece, utópico e muito bem definido, no tocante as possibilidades de transformação, seguindo as tendências humanas através da educação como real agente de transformação.  Em seu escopo, a obra deste autor traz uma grande gama de recortes da realidade político-social, cultural e econômica que retratam com fidelidade as diferentes realidades sociais dispostas em todo o território nacional e, obviamente, estão vinculadas as políticas educacionais ministradas no país.
A "Pedagogia da autonomia" pretende apontar os problemas que levam a educação, a partir da prática pedagógica, ser tão evidentemente enfraquecida no país, tais quais o descaso governamental com a estrutura física das escolas, com a condição financeira dos docentes, dos elementos constitutivos da base educacional et cetera. Apontando estes problemas, Freire, em sua obra, irá propor que as soluções não imediatas e definitivas, mas, paliativas podem e devem seguramente estar ao lado dos docentes. Isto fica claro no primeiro capítulo de sua obra – Primeira reflexão. Dentro desta análise capitular Freire tratará de problemas – vícios e conturbações - conhecidos e corriqueiros no contexto pedagógico e, aponta também, pontos positivos que devem servir de modelo para a obtenção de bons resultados como a necessidade do docente ser mais flexível, compreender a realidade do contexto histórico de seus discentes, respeitar o conhecimento prévio dos educandos, fazer valer a aplicação de uma crítica salutar e séria como forma de estimular o crescimento intelectual do aluno etc.
Ou seja, assim, ele não se preocupa apenas em apontar problemas, mas, sobretudo trazer soluções possíveis, como o fez uma destacada e proeminente professora de instituição de ensino superior pública, a professora doutora Rita Dias, tratando de explicitar que a problemática da violência nas escolas pode ser contornado por uma mudança de perspectiva e expectativa previamente construídas a partir de noções meramente pragmáticas por parte dos docentes que, em geral, já vão para o contexto pedagógico com leituras pessimistas da condução das relações nos espaços pedagógicos. Segundo Rita Dias, as expectativas devem ser como as científicas, onde "devemos afastar as pré-noções e deixar que as coisas ocorram naturalmente, tentando, o mais possível, tornar nossa prática pedagógica agradável para nós mesmos e, consequentemente, para os educandos."
Como tese central me parece que ela gira em torno de apresentar a possibilidade humana, historicamente notada, de aprender enquanto ensina e de ensinar enquanto aprende o que Freire chamará de dodiscência. Tendo a "dodiscência" como meta constante, e sendo a prática pedagógica não uma transfusão de conteúdo de um receptáculo para outro, mas, um processo contínuo e reflexivo, dialético, próprio das sociedades humanas.
Firmar esta máxima histórico-filosófica de ensino/aprendizagem, considerando as noções da observância ontológica, do ponto de vista heideggeriano, é o trabalho desta obra que, apoiado nesta premissa analítica que é a tese central, irá trazer para o primeiro plano essas inquietações da atualidade educacional nacional. Os argumentos apontados por Paulo Freire, em minha opinião, mais que sustentam sua tese, eles consolidam uma emergência na prática docente atual e uma necessidade de análise mais abrangente das implicações político-econômica na realidade operacional da educação. Digo isto pois, as evidências destes problemas tratados por Freire, e que dispomos tão nitidamente não somente hoje, –   mas, com mais substância no atual contexto –  de provas, veiculados por meio midiático, tornam notória a necessidade de uma total revisão conceitual na prática docente, política, econômica e sociocultural para que ocorram modificações realmente significativas na quadro geral das relações sociais dentro dos espaços pedagógicos, e como por consequencia, em toda a nação. Eventualmente, espera-se que, por sua vez, estas mudanças possíveis, mas, continuamente barradas por decisões politicamente ideológicas, e historicamente tendenciosas possam vir, futuramente tornar-se concretas e constantes na realidade social desta nação e venham a apoiar substancialmente os vários segmentos da sociedade. E é justamente aqui, que a intenção, posicionamento e visão política de Freire, nesta obra, se corporifica.
Freire se mostrará altamente contrário e indisposto com as tendências "ditas" inevitáveis do fatalismo neoliberal, da imutabilidade das condições de estratificação social, dos discursos pragmáticos que prevêem apenas a manutenção desta "dita" ordem social estabelecida. Freire, como eu jamais vi nenhum outro pedagogo fazer, abre mão em determinados momentos da conhecida postura cientificista para ser, como assim desejo eu ser um dia, um cientista da esperança, dos sonhos humanos, da utopia possível apenas impedida pela mesquinhez e ganância humanas.
Uma obra onde seus argumentos sólidos e psicossomáticos relatam e denunciam a malvadeza e estupidez humanas historicamente edificadas e, por interesses materialmente notórios mantidos. Mas, também, com suas belas palavras nos enche de esperança que nos remete a tangibilidade do conceito de dasein e sua carga de compreensão do ser, e de suas possibilidades dispostas para o bem e para o mal. Desta ótica, lembramos de tudo o que é o ser humano, como filosófica e historicamente fomos orientados para produzir conhecimento e como estas possibilidades devem ser tidas como prioritárias. Freire nos lembra da incompletude do ser e de sua constante busca pelo seu complemento, e esta consciência de incompletude nos leva também a perceber que os determinismos não são tão determinantes e por fim devem ser traduzidos por condicionamentos que podem sempre ser transpostos.
Toda esta profusão de idéias contidas em sua obra, claro, não é a proposta desta resenha, expor todas as idéias discutidas na obra neste presente resumo, levam o leitor a inferir que a forma magistral com a qual a escrita do autor nos apresenta os conteúdos é assaz eficaz. Sua escrita clara e objetiva traduz em imagens e símbolos claros todas as idéias expostas pelo autor, não ficando dúvidas acerca do pensado ou proposto por ele. A sua organização capitular revela uma intenção progressiva de explorar a autocrítica dos leitores, docentes ou não, e de como organizar as idéias de forma linear e produtiva, pois, esta linearidade é lógica e objetiva, já que trata de fazer uma hermenêutica dos indivíduos como seres atuantes em seus contextos. Deixando claro ao final sua obra, a intencionalidade objetiva definitiva que almejou o autor, ao longo de todo o livro, alcançar, a meu ver, a conscientização social e, principalmente, a docente quanto a sua parcela de participação na transformação mais ampla da sociedade. Sua produção e organização do livro em formato capitular é, em minha opinião, bastante bem sucedida no sentido de precisar os diferentes níveis de observação das práticas e aplicabilidades da pedagogia enquanto instrumento de transformação material humana.
Um fato muito interessante nesta formidável obra é para mim a constante rememoração de obras anteriores do próprio autor nas quais, ele explicita discussões prévias que apresentam conceitos outrora usados por ele para a compreensão mais ampla dos conceitos atualmente usados, facilitando assim ao leitor e absorção e acesso de ideias externas a obra, mas, intrinsecamente ligadas ao assunto abordado e discutido.
E, em se falando de conceitos, para quem gosta de obras conceituais, esta obra de Freire é um must to see, uma obra plena e com conceitos bem formulados e discutidos no âmago da filosofia pedagógica que agregam e muito na compreensão das realidades discutidas e tratadas neste campo do conhecimento. Sem sombra de dúvidas, é necessário reafirmar a relevância das contribuições desta obra e deste autor para a disciplina da pedagogia e seus conhecimentos subjacentes, e, de várias formas, outros campos do saber como em meu caso específico, a História. Naturalmente, haverá uma crítica ou outra a sua postura apaixonada e franca de abordar os problemas, por outro lado, saber-se-á que de outra forma, seria impossível que uma produção deste nível, sem a verve incansável e constante deste formidável pedagogo, se materializasse de forma realmente satisfatória. Acredito, verdadeiramente, que é justamente esta sua entrega as suas emoções mais latentes e momentâneas que sua abordagem alcança tais níveis de descrição de nossa atual conjuntura educacional e suas implicações com os contextos político, econômico e social.
Por fim, "pedagogia da Autonomia" é uma obra indispensável para todo e qualquer futuro professor e qualquer pessoa que deseje conhecer os bastidores da prática docente e suas especificidades de forma clara, objetiva, sincera e direta, com reais requintes de paixão ao que se faz como profissão e não por pura demagogia acadêmica. Paulo Freire reforçou em mim um desejo já latente: o de ser um professor pelos alunos, para os alunos. Um professor que busque incansavelmente a renovação e compreensão de si mesmo para poder então atuar dignamente como um professor mais apto. Ser uma professor transformador e atuante, não um professor pela ocupação ou pela titulação, porém, um professor que deve entender antes de tudo que seu saber é incompleto e em constante agregação intelectual. E, por ser assim consciente da necessidade do “ato reflexo” no espaço pedagógico, perceber, neste processo, que os alunos são a principal razão de ser do saber pois, compreendi com mais propriedade o que a célebre frase "não há docência sem discência" quer de fato dizer...

Bibliografia

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª Edição. São Paulo, Paz e Terra, 2011.

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