De uma docência impositiva à uma docência compreensiva: o ato reflexivo na arte de ensinar.
BADARÓ, Wilson Oliveira
Resenha
com crítica aberta.
Em princípio é importante frisar
que criticar uma obra como a "Pedagogia da Autonomia" a partir de uma
perspectiva construtiva – no caso de uma resenha – no intuito de trazer a luz a
grandiosidade do conhecimento contido nesta obra, até mesmo porque o autor
deste magnânimo livro faz um misto entre abordagem empírico-teórica ao seu
objeto de estudo, a saber, a prática pedagógica e suas implicações no contexto
histórico-social dado. Segundo tenho visto até aqui, ele se alija de fato de
outros autores por sua paixão e intenção regidas por uma motivação diferenciada
e sua visão de mundo aparece claramente na obra, visão esta que se propõe
transformadora da realidade social enquanto a parte empírica de sua atuação,
pois, pode ser experimentada na prática social. Nota-se ainda que esta mesma
abordagem teórica está em perfeita consonância com as práticas observadas e
propostas para intervenção e, sobremodo, muito bem fundada em preceitos
filosóficos consolidados, trazendo a carga teórica para sua obra.
A "pedagogia da autonomia"
implica num tema absurdamente abrangente e necessário, em minha particular
opinião, para todo o corpo docente mundial. Valorizando e defendendo a
liberdade ou autonomia, como queiram, do discente no processo de aprendizagem,
que para o progressivismo de Freire, deixa de ser um processo passivo, do ponto
de vista discente, para ser reflexivo, ou seja, de duas vias. Do ponto de vista
mais geral, o tema induz o seu leitor a se indagar acerca da funcionalidade
perceptiva do ser enquanto indivíduo social, e partindo desta perspectiva
reflexiva que é o contexto social humano, faz saber a todos, a validade das
relações dialéticas entre indivíduos como um todo, como uma realidade dada, que
sempre esteve presente, mas, durante muito tempo velada pelas propostas de
ensino anteriores no âmbito pedagógico.
Como naturalmente teria de ser, a
postura declarada do autor enquanto um progressista torna claro também seu
posicionamento teórico-metodológico que, em minha ótica, segue uma tendência
marxista como sua principal via e corrente de pensamento e suas ferramentas
histórico filosóficas reforçam sua interpretação de mundo estratificado através
dos tempos. Sua visão política amplamente ligada aos anseios socialistas
declara seu ideal, como ele mesmo reconhece, utópico e muito bem definido, no
tocante as possibilidades de transformação, seguindo as tendências humanas
através da educação como real agente de transformação. Em seu escopo, a obra deste autor traz uma
grande gama de recortes da realidade político-social, cultural e econômica que
retratam com fidelidade as diferentes realidades sociais dispostas em todo o
território nacional e, obviamente, estão vinculadas as políticas educacionais
ministradas no país.
A "Pedagogia da
autonomia" pretende apontar os problemas que levam a educação, a partir da
prática pedagógica, ser tão evidentemente enfraquecida no país, tais quais o
descaso governamental com a estrutura física das escolas, com a condição
financeira dos docentes, dos elementos constitutivos da base educacional et cetera.
Apontando estes problemas, Freire, em sua obra, irá propor que as soluções não imediatas
e definitivas, mas, paliativas podem e devem seguramente estar ao lado dos
docentes. Isto fica claro no primeiro capítulo de sua obra – Primeira reflexão.
Dentro desta análise capitular Freire tratará de problemas – vícios e
conturbações - conhecidos e corriqueiros no contexto pedagógico e, aponta
também, pontos positivos que devem servir de modelo para a obtenção de bons
resultados como a necessidade do docente ser mais flexível, compreender a
realidade do contexto histórico de seus discentes, respeitar o conhecimento
prévio dos educandos, fazer valer a aplicação de uma crítica salutar e séria como
forma de estimular o crescimento intelectual do aluno etc.
Ou seja, assim, ele não se preocupa
apenas em apontar problemas, mas, sobretudo trazer soluções possíveis, como o
fez uma destacada e proeminente professora de instituição de ensino superior
pública, a professora doutora Rita Dias, tratando de explicitar que a
problemática da violência nas escolas pode ser contornado por uma mudança de
perspectiva e expectativa previamente construídas a partir de noções meramente
pragmáticas por parte dos docentes que, em geral, já vão para o contexto
pedagógico com leituras pessimistas da condução das relações nos espaços
pedagógicos. Segundo Rita Dias, as expectativas devem ser como as científicas, onde
"devemos afastar as pré-noções e deixar que as coisas ocorram
naturalmente, tentando, o mais possível, tornar nossa prática pedagógica
agradável para nós mesmos e, consequentemente, para os educandos."
Como tese central me parece que ela
gira em torno de apresentar a possibilidade humana, historicamente notada, de aprender
enquanto ensina e de ensinar enquanto aprende o que Freire chamará de dodiscência. Tendo a
"dodiscência" como meta constante, e sendo a prática pedagógica não
uma transfusão de conteúdo de um receptáculo para outro, mas, um processo
contínuo e reflexivo, dialético, próprio das sociedades humanas.
Firmar esta máxima
histórico-filosófica de ensino/aprendizagem, considerando as noções da
observância ontológica, do ponto de vista heideggeriano, é o trabalho desta
obra que, apoiado nesta premissa analítica que é a tese central, irá trazer para
o primeiro plano essas inquietações da atualidade educacional nacional. Os
argumentos apontados por Paulo Freire, em minha opinião, mais que sustentam sua
tese, eles consolidam uma emergência na prática docente atual e uma necessidade
de análise mais abrangente das implicações político-econômica na realidade
operacional da educação. Digo isto pois, as evidências destes problemas tratados
por Freire, e que dispomos tão nitidamente não somente hoje, – mas, com mais substância no atual contexto – de provas, veiculados por meio midiático,
tornam notória a necessidade de uma total revisão conceitual na prática
docente, política, econômica e sociocultural para que ocorram modificações
realmente significativas na quadro geral das relações sociais dentro dos
espaços pedagógicos, e como por consequencia, em toda a nação. Eventualmente,
espera-se que, por sua vez, estas mudanças possíveis, mas, continuamente
barradas por decisões politicamente ideológicas, e historicamente tendenciosas
possam vir, futuramente tornar-se concretas e constantes na realidade social
desta nação e venham a apoiar substancialmente os vários segmentos da
sociedade. E é justamente aqui, que a intenção, posicionamento e visão política
de Freire, nesta obra, se corporifica.
Freire se mostrará altamente
contrário e indisposto com as tendências "ditas" inevitáveis do
fatalismo neoliberal, da imutabilidade das condições de estratificação social,
dos discursos pragmáticos que prevêem apenas a manutenção desta
"dita" ordem social estabelecida. Freire, como eu jamais vi nenhum
outro pedagogo fazer, abre mão em determinados momentos da conhecida postura
cientificista para ser, como assim desejo eu ser um dia, um cientista da
esperança, dos sonhos humanos, da utopia possível apenas impedida pela
mesquinhez e ganância humanas.
Uma obra onde seus argumentos
sólidos e psicossomáticos relatam e denunciam a malvadeza e estupidez humanas
historicamente edificadas e, por interesses materialmente notórios mantidos.
Mas, também, com suas belas palavras nos enche de esperança que nos remete a
tangibilidade do conceito de dasein e
sua carga de compreensão do ser, e de suas possibilidades dispostas para o bem
e para o mal. Desta ótica, lembramos de tudo o que é o ser humano, como
filosófica e historicamente fomos orientados para produzir conhecimento e como
estas possibilidades devem ser tidas como prioritárias. Freire nos lembra da
incompletude do ser e de sua constante busca pelo seu complemento, e esta
consciência de incompletude nos leva também a perceber que os determinismos não
são tão determinantes e por fim devem ser traduzidos por condicionamentos que
podem sempre ser transpostos.
Toda esta profusão de idéias
contidas em sua obra, claro, não é a proposta desta resenha, expor todas as
idéias discutidas na obra neste presente resumo, levam o leitor a inferir que a
forma magistral com a qual a escrita do autor nos apresenta os conteúdos é
assaz eficaz. Sua escrita clara e objetiva traduz em imagens e símbolos claros
todas as idéias expostas pelo autor, não ficando dúvidas acerca do pensado ou
proposto por ele. A sua organização capitular revela uma intenção progressiva
de explorar a autocrítica dos leitores, docentes ou não, e de como organizar as
idéias de forma linear e produtiva, pois, esta linearidade é lógica e objetiva,
já que trata de fazer uma hermenêutica dos indivíduos como seres atuantes em
seus contextos. Deixando claro ao final sua obra, a intencionalidade objetiva
definitiva que almejou o autor, ao longo de todo o livro, alcançar, a meu ver,
a conscientização social e, principalmente, a docente quanto a sua parcela de
participação na transformação mais ampla da sociedade. Sua produção e
organização do livro em formato capitular é, em minha opinião, bastante bem
sucedida no sentido de precisar os diferentes níveis de observação das práticas
e aplicabilidades da pedagogia enquanto instrumento de transformação material
humana.
Um fato muito interessante nesta
formidável obra é para mim a constante rememoração de obras anteriores do
próprio autor nas quais, ele explicita discussões prévias que apresentam
conceitos outrora usados por ele para a compreensão mais ampla dos conceitos
atualmente usados, facilitando assim ao leitor e absorção e acesso de ideias externas
a obra, mas, intrinsecamente ligadas ao assunto abordado e discutido.
E, em se falando de conceitos, para
quem gosta de obras conceituais, esta obra de Freire é um must to see, uma obra plena e com conceitos bem formulados e
discutidos no âmago da filosofia pedagógica que agregam e muito na compreensão
das realidades discutidas e tratadas neste campo do conhecimento. Sem sombra de
dúvidas, é necessário reafirmar a relevância das contribuições desta obra e
deste autor para a disciplina da pedagogia e seus conhecimentos subjacentes, e,
de várias formas, outros campos do saber como em meu caso específico, a
História. Naturalmente, haverá uma crítica ou outra a sua postura apaixonada e
franca de abordar os problemas, por outro lado, saber-se-á que de outra forma,
seria impossível que uma produção deste nível, sem a verve incansável e
constante deste formidável pedagogo, se materializasse de forma realmente
satisfatória. Acredito, verdadeiramente, que é justamente esta sua entrega as
suas emoções mais latentes e momentâneas que sua abordagem alcança tais níveis
de descrição de nossa atual conjuntura educacional e suas implicações com os
contextos político, econômico e social.
Por fim, "pedagogia da
Autonomia" é uma obra indispensável para todo e qualquer futuro professor
e qualquer pessoa que deseje conhecer os bastidores da prática docente e suas
especificidades de forma clara, objetiva, sincera e direta, com reais requintes
de paixão ao que se faz como profissão e não por pura demagogia acadêmica.
Paulo Freire reforçou em mim um desejo já latente: o de ser um professor pelos
alunos, para os alunos. Um professor que busque incansavelmente a renovação e
compreensão de si mesmo para poder então atuar dignamente como um professor
mais apto. Ser uma professor transformador e atuante, não um professor pela
ocupação ou pela titulação, porém, um professor que deve entender antes de tudo
que seu saber é incompleto e em constante agregação intelectual. E, por ser
assim consciente da necessidade do “ato reflexo” no espaço pedagógico,
perceber, neste processo, que os alunos são a principal razão de ser do saber
pois, compreendi com mais propriedade o que a célebre frase "não há
docência sem discência" quer de fato dizer...
Bibliografia
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª Edição. São Paulo, Paz e Terra, 2011.
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