Como o Judaísmo é inserido no campo da diversidade do espaço pedagógico: um exemplo de aplicação das práticas e técnicas de ensino lidando com a diversidade religiosa.
BADARÓ, Wilson Oliveira, et All.
Segundo
tradição bíblica, se convém começar a contar a história da formação da
consciência de unidade religiosa do judaísmo a partir de fatos historicamente
apresentados dentro das bíblias - judaica e
cristã - que seguem uma lógica consuetudinária de retorno às escrituras
para se fundamentar a ideia de uma formação social religiosamente orientada.
Partindo de Abraão e Moisés como
principais projetores da religião no mundo antigo, o judaísmo data sua fundação
entre os séculos XXII e XVIII[1].
Neste sentido, Abraão deixará as práticas politeístas e passará a seguir um
único deus, que por sua vez, lhe promete uma terra e a liderança do "povo
de deus", sendo este povo, dotado de predileção e proteção por parte deste
mesmo e único deus[2]. Após a morte de Abraão dá-se início a uma
transmissão genealógica de responsabilidades religiosas que é seguida até Jacó
e seus doze filhos que teoricamente geraram as doze tribos de Judá, - das quais
apenas duas foram identificadas e as outras dez estão perdidas.
Ainda seguindo a descrição de
Feltrin, os hebreus, diante das promessas divinas, "prosperaram tanto e se
tornaram tão ricos e tão numerosos que assustaram o reino egípcio", o que
levou a sua condição de escravizados por um largo período de tempo e a quase
erradicação de sua descendência devido as perseguições e morte das crianças do
sexo masculino, visando assim impedir a procriação.
É neste contexto de dificuldades e
perseguições que os hebreus terão o seu próximo líder anunciado - Moisés. Este,
criado entre os egípcios, se responsabilizará pela profecia das dez pragas
enviadas ao Egito por deus e também pelo
"pessach" (páscoa ou passagem) do povo hebreu pelo mar vermelho
atravessando em seguida o deserto em direção à terra prometida e à liberdade da
escravidão imposta pelos egípcios.
É nestas bases bíblicas que se
sustentam toda a história de fé, a priori,
propostas pela religião judaica para explicar o fenômeno da fundação da
religião que a partir destes pressupostos terá como verdadeiro marco fundante
"as leis a serem seguidas por seu "povo eleito"[3]
que irão regimentar toda a vida e conduta do povo hebreu e, em específico, no
nosso caso, o povo judeu.
Assim, segundo exposição de Feltrin
é que:
os
dez mandamentos, o conjunto de leis sociais e penais, as regras dos alimentos,
os direitos sobre propriedades... Enfim, tudo foi transmitido por Deus a
Moisés, que retransmitia cada palavra ao povo que o seguia. Era o nascimento do
Judaísmo.[4]
Naturalmente,
a própria bíblia tratará de apresentar passagens de falta de fé, insubmissão e
rebeldia do "povo eleito ou povo de deus" em relação ao líder Moisés,
que por sua vez, representava e transmitia a palavra de deus ao seu povo,
contudo, face às demandas de Moisés em defesa de seu povo, deus fora tolerante
com eles e após a morte deste líder, Moisés, os hebreus adotaram o Toráh como
seu mais legítimo mandamento e exemplo de vida a se seguir. Assim sendo, temos
aqui, a principal ruptura entre judaísmo e cristianismo. O judaísmo não irá
reconhecer mais nenhum profeta após Moisés e ainda esperam pelo seu messias,
"não se levantou mais em Israel profeta comparável a Moisés, com quem o
Senhor conversava face a face." (Deut, 34, 10) enquanto que os cristãos
terão o reconhecimento de toda as implicações e intervenções divinas do deus
único desde Abraão, no entanto terão como messias e representante principal de
deus o cristo. Por isto faremos a
posteriori, através do plano de aula, uma abordagem mais incisiva do
judaísmo e as realidades face as sociedades ditas cristãs através dos tempos e
suas implicações sociológicas.
Proposta de atuação
Pretendemos
alcançar uma compreensão e comparação dos efeitos desta ruptura nos processos
históricos que se deram através dos tempos entre os judeus, as outras religiões
como no caso das ditas politeístas do Egito antigo. Também, compreender como os cristãos romanos se alijaram do cristianismo puramente judaico e quais
as consequências destas diferenças nas práticas religiosas para os
relacionamentos sociais em seus vários níveis dentro da história da humanidade.
Avaliaremos tais relações sociais como no caso dos fenômenos do criptojudaísmo,
da criação/formação dos grupos de cristãos-novos, da escravização pelos
egípcios, do holocausto e como estes fatos históricos influenciaram
dialeticamente nas transformações das práticas religiosas e sociais dos povos
envolvidos nestas tramas históricas. Tais abordagens se justificam para se dar uma ideia de como as dimensões das análises históricas estão ligadas as nossas atualidades e como tais estudos se fazem pertinentes hoje para uma melhor compreensão de problemáticas de nosso contexto.
Sendo
assim, fica evidente que o principal propósito desta abordagem é dimensionar o
quão relevante é o conhecimento da grande gama de opções de escolha religiosa e
suas condicionantes, e como esta opção influi na vida de quem escolhe, deixando
claro que tal escolha não implica, necessariamente, em uma escolha de caráter
irrevogável. Frisamos ainda que tal abordagem religiosa da história pretende
apresentar as razões que levaram as sociedades, através dos tempos, a entrarem
em conflito por questões que são muito particulares de cada cultura e que
acabam por tomar proporções ideológicas no campo político, gerando, por
consequência, atritos culturais.
O
foco de demonstração histórica da diversidade religiosa tende, sobretudo, a
enfatizar a multiplicidade e heterogeneidade das cosmovisões, em todo lugar que
se vá, acerca do que é ou não religião, e como o processo legitimador destas
religiões ocorrem e se firmam em diferentes sociedades. Sendo que a
relatividade dos fatores legitimadores que variarão de cultura para cultura,
farão o papel de elementos geradores de reflexão por parte dos alunos, que por
sua vez, deverão ver ideia da necessidade de se perceber o alcance da
respeitabilidade religiosa e da tolerância cada vez mais tangível a medida que
nos aprofundarmos na questões da diversidade em relação a sua cultura e
fundamentação religiosa.
Um
exemplo mais claro de como é que trabalharemos o nosso tema gerador de
discussões pode ser extraído de uma passagem de José Mattoso:
O
grupo de judeus, ou parte mais visível dele, não era antes estimado. Com a
conversão muito mais grave isso se tornou, na medida em que agora cristãos
(novos) deixaram de estar legalmente protegidos. A conversão violenta não tem o
efeito de mudar de imediato a crença do povo eleito. Pior. Não poucos desde
logo se mostraram dispostos a misturar-se na sociedade, abandonando as antigas
judiarias. E encetam um percurso que os pode levar à nobreza, às ordens
militares, à universidade, às prebendas eclesiásticas, aos governos municipais
(Tavares, 1987, pp. 49-50). Em especial será na universidade e nos cabidos que
se instalarão bastantes filhos e netos de conversos.[5]
Mostrando
nesta passagem que, a prática da intolerância religiosa sempre esteve presente
nas sociedades mas, que por traz dela sempre esteve presente também os jogos de
interesses políticos e que após o fato supramencionado, as práticas
criptojudáicas se fundam e tomam corpo, sendo as ações religiosas impostas,
tomadas como verdadeiramente as realizadas por estes judeus afetados por tais
imposições em seu contexto histórico, contudo, as que de fato existiam e eram,
sobretudo, válidas para os mesmos, era o judaísmo que, agora velado, passa a
ser visto, ao menos pelas análises históricas, como veladas do corpo social
coercitivo.
Aqui,
a prática do Ensino de História visa fundamentar a historicidade da religião
judaica e relacioná-la com um mundo mais amplo, que transcende a vida de seu
seguidor, mas que ao contrário, se relaciona primariamente com o mundo ao seu
redor e como por consequência dialoga com o seu fiel, trazendo-lhe assim, uma
compreensão mais abrangente do papel da religião como reguladora social e
individual no plano das ações políticas.
Fomentar
a religião como parte constitutiva da formação humana, como parte elementar da
compreensão das relações sociais dentro da história é, além de tudo, orientar
os olhares para uma necessidade de estar envolvido com as discussões mais
críticas acerca de sua participação social como membro de sua sociedade e não
apenas como membro, mas, como agente transformador de sua realidade política,
econômica e cultural. Esta afirmativa está em acordo com o que disse George
Steiner ao se referir ao uso da bíblia e suas diversas interpretações através
do globo:
(...) entre as pessoas não letradas ou
pré-letradas, que a referência bíblica funcionava como auto-referência, como
passaporte para a viagem interior em direção ao nosso âmago. As escrituras
foram (e para muitos ainda são) uma presença atuante tanto no que é universal quanto no singular[6];
são culturalmente compartilhadas e, no mesmo tempo, da mais extrema
privacidade. Não há outro livro como este (...)
Sabendo
a história do valor cultural, educacional e político que contém os livros
sagrados como o corão, a bíblia, a torá, e tantos outros existentes e não
existentes que apenas nos chegam as transmissões orais como as religiões de
matriz africana. Vale aos professores de história como nós, utilizarmos
sabiamente tal conteúdo em nosso proveito, cuidando sempre de aplicar no ato da
prática didática no espaço pedagógico, o que tanto pregamos e prezamos – o
respeito à diversidade e à diferença humanas.
Bibliografia
MATTOSO,
José. História de Portugal.
(Direcção) Vol. 3. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.
STEINER,
George. Nenhuma paixão desperdiçada. Rio de Janeiro. Record, 2001.
FELTRIN,
Ricardo. Conheça um pouco da história do judaísmo. Folha Online. Disponível em:
< http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/2001-religiao-judaismo.shtml
> Acesso em: 06/05/2012.
AVIGDOR,
Renée. Judeus, sinagogas e rabinos:
O judaísmo em São Paulo em mudança. Tese (Doutorado em Sociologia) São Paulo,
Universidade de São Paulo, 2010.
[1]
As fontes são imprecisas quanto a datação do surgimento embrionário da
religião, contudo, elas convergem e apontam na direção dos fundadores primários
da fé judaica - Abraão e Moisés.
[2]
FELTRIN, Ricardo. Conheça um pouco da história do judaísmo. Folha Online. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/2001-religiao-judaismo.shtml
> Acesso em: 06/05/2012
[3]
FELTRIN, Ricardo. Conheça um pouco da história do judaísmo. Folha Online. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/2001-religiao-judaismo.shtml
> Acesso em: 06/05/2012
[4]
Id. Ibid.
[5] MATTOSO,
José. História de Portugal. (Direcção) Vol. 3. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.
pp. 404.
[6]
Grifo nosso.
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