BADARÓ, Wilson Oliveira.
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Ø Obra
onde consta o texto selecionado:
BARICKMAN, B. J. Um
contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.[1]
Ø Capítulo
trabalhado:
BARICKMAN, B. J. A farinha de Mandioca – o pão da terra –
e seu mercado. In: BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no
recôncavo, 1780-1860. pp. 89-127.[2]
A economia interna do Brasil na Bahia durante o período colonial.
O autor Bert Barickman apresenta um
forte viés para a análise social e econômica no texto aqui abordado, contudo,
deixa transparecer elementos políticos – relações de poder –, e antropológicos à
medida que faz uma leitura destes alcances da relação de poder estabelecida
entre senhores e escravos na obtenção, uso e disponibilização da ração.
Elementos estes que permeiam o seu objeto e a relação dele com o contexto
histórico em questão, partindo dos fenômenos observados em uma escala menor,
mas que está conectada a uma realidade maior que é a de todo o país no período
colonial, claro, considerando a diversidade cultural aí presente.
Assim, Barickman inicia a sua
abordagem ao tema proposto a partir de uma leitura das deficiências alimentares
do período colonial, ou seja, tratando da dieta que sustentava o mecanismo
agroexportador e o mantinha ativo, contudo, Barickman apontará para a
problemática da historiografia brasileira clássica que não enxergava o que foi apontado
em Fragoso[3]
como mecanismo permissionário do funcionamento do sistema agroexportador – o
mercado interno e sua significante produção. Assim, Barickman tratará de
apresentar alguns produtos que tinham esta função como o café e o açúcar que
visavam suprir as demandas por produtos de primeira necessidade pois, “todos
precisavam comer” (BARICKMAN, 2003, p. 89), mas, aqui, em nosso caso, o produto
é a farinha de mandioca.
Assim sendo, o principal ponto de
construção deste capítulo se deterá sobre os conflitos e o caráter complementar
entre o mercado interno – de subsistência – e o mercado tido como dominante –
agroexportador. O autor ainda deixa evidente que o seu foco será a investigação
das facetas destas relações conflituosas a partir do “mercado regional da
farinha de mandioca [pois] (...) sobre nenhum outro gênero alimentício, exceto
talvez a carne verde, há tanta documentação” (BARICKMAN, 2003, p. 89) deixando
claro que o que viabilizou em definitivo o seu objeto de pesquisa foi a
abundante quantidade de fontes acerca de seu objeto.
Dito isto, o autor começa a expor a
relevância da mandioca para a manutenção da vida, economia, manutenção das
forças produtivas e modos de produção que garantem a subsistência local e
também a reprodução da economia agroexportadora no interior do recôncavo e
capital baiana - Salvador. Afirmamos isto baseados na assertória do autor que
diz que a farinha era de fato o elemento mais presente na dieta baiana e sobretudo,
o gênero agrícola com fins alimentícios mais cultivado nesta região. O autor
reconhece e expõe que havia, guardadas as devidas proporções, uma variedade
gastronômica considerável. Contudo, a farinha se constituía como a base mais
sólida e aclamada da nutrição da população baiana, uma vez que o autor
considera que “a maior parte das calorias vem de um alimento principal e rico
em amido; na Bahia, esse alimento era sem dúvida a farinha de mandioca.”
(BARICKMAN, 2003, p. 91).
Como um dos vieses de análise deste
capítulo se debruça sobre as incidências econômicas, nota-se que o autor,
baseado em fontes que lhe permitem quantificar (registros do Celeiro Público de
Salvador) irá demonstrar o quão soberana era a farinha de mandioca nos
depósitos da cidade, refletindo aí, a sua importância para a sociedade em
questão.
Partindo desta predominância e
predileção regional no uso popular e generalizado da farinha de mandioca no
recôncavo, o autor aborda as diversas formas, alcances e instâncias de seu uso
nas diferentes esferas da população baiana. Ele apresenta a farinha de mandioca
como sendo a base da ração diária de presidiários, escravos, soldados em
Salvador, já na área rural, servia de ração para escravos de fazendas e
engenhos e aqui, ele revela como a farinha, usada como ração, poderia
determinar através das quantidades e qualidades de sua concessão, o padrão e
expectativa de vida de um escravo e ainda as relações de poder entre senhores e
seus respectivos escravos.
Neste ponto, o autor aproxima a
farinha de mandioca ao seu principal parceiro na alimentação geral popular, a
carne seca, que com seu potencial protéico, complementa o efeito nutricional da
farinha de mandioca. Barickman aproveita o momento e aborda a pouca variação em
quesito de carnes e baixa propensão dos senhores em propiciar uma maior gama de
opções de carnes para seus escravos. Estes, por sua vez, só disporiam de tal
variação se eles próprios se empenhassem nesta tarefa através de criação –
frangos e afins – ou coleta – no caso do apanhar de mariscos, enfatizando por
fim que, o garantido mesmo na dieta dos escravos era a farinha de mandioca.
Daqui para frente o autor tratará
das variações nas quantidades de farinha disponibilizadas em diferentes lugares
e situações, acordando com as realidades sociais, econômicas e políticas dos
contextos tratados e suas respectivas estratificações sociais relacionadas. O
interessante é como ele aponta uma disparidade nas rações, em termos de
quantidade e variedade, ofertadas entre sudeste – fazendas de café – e nas
rações percebidas no nordeste agroexportador – em geral engenhos de cana de açúcar.
Aliás, Barickman deter-se-á no tópico da monotonia desta ração aqui na Bahia
que se baseia quase que exclusivamente na farinha.
A partir destas discussões, o autor
analisará economicamente como que as flutuações do açúcar no mercado
influenciaram a entrada, consumo e difusão do trigo e, consequentemente, de seu
derivado – o pão – na sociedade baiana, e como que este fator aumentou
consideravelmente o consumo de pão e trigo nesta sociedade que outrora
reservava aos mais abastados e favorecidos o seu consumo. Contudo, mesmo
considerando o papel promissor do pão de trigo e o trigo per se na dieta baiana, “era da farinha, acompanhada de carne ou
peixe seco ou, para os menos afortunados, apenas temperada com eles, que se
valiam para encher seus estômagos ao meio dia.” (BARICKMAN, 2003, p. 95).
Retornando a uma análise econômica
e os efeitos desta economia vigente na sociedade, Barickman percebe que as
oscilações na produção da farinha afligiam e afetavam duramente a população,
pois, a sua falta, em virtude de uma baixa produção, incidia diretamente no
aumento substancial do preço do produto. Apontando aí para uma maior absorção
mercadológica da farinha em relação ao pão. Daí o título apontar a farinha como
“o pão da terra”. (BARICKMAN, 2003, p. 96).
Já na abordagem do mercado local,
Barickman retorna à nossa proposição inicial onde, apontamos como estopim as
provocações de Fragoso acerca da dinâmica e dimensões de um mercado interno
como sendo importante e dotado de grande relevância histórica para a
compreensão da realidade social do Brasil colônia, mas, infelizmente,
tangenciado pela historiografia clássica apenas voltada para as macro análises.
Desta forma, o autor se propõe a problematizar a magnitude, relevância e
pertinência deste mercado focado na disponibilidade, produção e consumo da
farinha.
Ao iniciar a análise por quem
comprava a farinha em lugar de quem produzia, o autor pretende tornar visível
uma parcela do consumo deste gênero de primeira necessidade e, eventualmente, ele
irá relativizar a outra parcela da população, a parcela produtora, que visava
emancipar-se da oferta contingente do mercado. Obviamente, esta parcela não
compradora, influencia na apreensão final da realidade de consumo da farinha
pois, esta produção privada e independente, não entrava nas contabilidades
governamentais e, assim sendo, não era e não pode ser hoje, quantificada com
grande precisão. Por isto, ele aponta para a grande dificuldade de inferir as
possibilidades de compreender a real proporção de consumo através de uma análise
empírica e material da população, pois, nem toda a população adquiria farinha
por meios formais e presente nas fontes passíveis de quantificação. Além, é claro,
da imprecisão do próprio censo deste período que também é bastante problemático.
Para realizar tal empresa o autor
lançará mão de fontes censitárias para acessar estas informações. Nesta
abordagem de percepção do consumo, produção e aquisição da farinha, o autor
apresenta dados geográficos sobre a cidade de Salvador distinguindo três
diferentes áreas e suas convergências e características suas rupturas e
continuidades produtivas, sendo elas: a urbana, a rural e a suburbana. Trazendo
esta divisão, ele relativiza o potencial de cada uma para comprar ou produzir
farinha. É aqui que o censo demonstrará para Barickman o seu valor em termos de
análise das demandas por farinha de cada área apontada e devidamente
problematizada, ou seja, através de um estudo demográfico.
Barickman aponta para a explosão
demográfica entre os anos de 1780 e 1870. Trata da população fixa e população
flutuante e seus respectivos impactos nas demandas de farinha na cidade e como
estas demandas poderiam afetar o mercado interno, ou causando a escassez, ou em
caso de escassez da produção desta mercadoria, neste último caso, agravando o
quadro. É neste ponto que se tem a demanda itinerante (variável) – caso dos
exportadores e consumidores externos não residentes fixos da cidade – da
demanda fixa (estável) – que seriam os residentes de da região e que,
naturalmente, consumiam regularmente o produto.
Com estas exposições o autor mostra
o quão amplo era o mercado de farinha na Bahia, e por assim ser, também o era a dinâmica do
mercado interno.
Com mais uma problematização acerca
do que ocorria em caso de escassez da farinha ele vai relativizar a quantidade
da população economicamente privilegiada em detrimento da população
economicamente desfavorecida. Como ele começa expondo a esmagadora maioria
negra escrava e pobre, que aparecem em relatos de viajantes, dependendo excessivamente dos
gêneros alimentícios mais baratos tidos como de primeira necessidades –
farinha, carne seca e bacalhau. Assim sendo, a alta da farinha era uma martírio
para todas as esferas do grosso da população que não dispunham de substitutos
imediatos destes últimos. Suas hipóteses para responder o problema aqui
levantado são que muito possivelmente “comprava-se menos carne; pedia-se dinheiro
emprestado; mas só se comprava menos farinha em último caso, pois significaria
fome” (BARICKMAN, 2003, p. 102). Desta forma, toda região baiana funcionava
como um mercado potencial para aumentar as demandas deste produto, tanto para a
sua compra como para a sua venda e produção, com exceção de Salvador em sua
área urbana.
Daqui para adiante Barickman trará
exposições problematizadas das formas de produção face às necessidades de cada
área consumidora e produtora da farinha. A princípio, se propõe a verificar a
consistência das afirmações sobre a autossuficiência dos engenhos e percebe
que, de fato, a realidade é mais complexa e detecta três formatos possíveis
para o abastecimento dos engenhos que funcionaram como estratégias: sendo a
primeira estratégia a de se valer dos escravos para que estes produzissem a
própria farinha, a segunda como no sistema de meeiro onde os escravos deteriam uma parcela de terra e tempo
livres onde poderiam produzir o próprio alimento ou como na terceira forma,
absorveriam os excedentes disponíveis no mercado para comercialização. Tais
apresentações puras poderiam aparecer mescladas, independente ou a partir das
exigências de cada momento específico nos engenhos. Naturalmente, não me
deterei nos pormenores das especificidades de cada tipo puro apresentado pelo
autor pois, não é o real foco desta atividade uma vez que seus enunciados já
são por demais evidentes. Mas um breve comentário de cada uma delas, naturalmente,
nós não nos furtaremos aqui de fazer.
A primeira denominada cultivo de mandioca por conta do proprietário chegou a ser
sancionada como lei, mas caiu em desuso e se tornou lei morta por razões de sua
inviabilidade – na leitura dos senhores de engenho – se tornado relativamente
comum nos engenhos mais novos (BARICKMAN, 2003, p. 106). Também acreditavam os
senhores que o plantio deste gênero em solo favorável a cana era um desperdício
já que a mandioca requeria outro tipo de solo. Os conflitos e resistências
foram comuns entre os “obrigados” a seguir tal lei, pois, seu objetivo não era
compatível com ela, haja vista que havia outros dispositivos disponíveis como a
aquisição externa e a roça dos escravos. O autor conclui neste ponto que muitos engenhos não fabricavam sua própria farinha.
Já nas roças de escravos, acreditavam os senhores que era uma atividade
interessante dispor de terras e tempo para que seus escravos produzissem seu
próprio alimento em suas “roças” que se apresentavam bastante vantajosas
(BARICKMAN, 2003, p. 108) aos senhores. E a despeito do que apontara Jacob
Gorender, relatos e fontes afirmam completamente o contrário do que havia ele
afirmado ao dizer que eram raras as práticas de roças nos engenhos, ou seja,
elas, ao contrário, abundaram. Neste ponto, além de relatos de cronistas e
viajantes, Barickman utiliza-se também de inventários post mortem para consolidar suas afirmações e em sequência faz uma
discussão de direito sobre a terra por parte dos escravos e como ele, o
direito, se desenvolveu por diferentes vertentes e perspectivas. Conclui que os
“escravos dos distritos açucareiros da Bahia cultivavam roças e que, pelo menos
ocasionalmente, colhiam delas uma produção excedente comercializável”
(BARICKMAN, 2003, p. 115). Contudo, o autor pondera a significância desta
produção escrava baiana se comparada com a produção escrava em outras
localidades da América que se fazia notória em feiras e mercados destas outras
localidades. (BARICKMAN, 2003, p. 116) E por fim, suas atividades de produção eram mais
de caráter complementar e que não eram suficientes para suprir todas as
necessidades de consumo dos engenhos.
Por último, veremos como ficava o
engenho que se mantinha na linha da dependência
do mercado local. Esta opção se resume em comprar o que não se produz ou
que falta para o bom funcionamento do sistema agroexportador. Segundo as fontes
disponíveis apresentadas pelo autor as compras de farinha eram abundantes.
Neste segmento vigorava a ideia de que deixar de investir em cana de açúcar
para investir em mandioca era como contrair prejuízo conscientemente, considerando que,
com a venda de uma porção de açúcar se comprava em média duas três porções de farinha. Por
isto se tornou uma prática tão difundida entre os senhores de engenho a compra
em lugar da produção própria, mas, evidentemente, todas as estratégias aqui
listadas poderiam aparecer conjunturalmente e o fator solo era um fator
determinante na escolha desta dita estratégia. A tentativa de adaptação às diferentes realidades
mercadológicas oriundas das flutuações da oferta, e, consequentemente, dos
valores de aquisição do produto, se apresentavam como onerosas em vários
aspectos, afastando a adesão mais massiva por parte dos senhores da ideia de uma
produção interna mais consolidada.
Passada esta micro exposição dos
três tipos puros apresentados por Barickman para entender a realidade material
da aquisição da farinha de mandioca, vejamos como ele conclui este texto numa
análise da agroexportação escravista e que se apoiava majoritariamente neste
mercado interno que lhe era indispensável. O autor enfatiza que a dependência
da farinha de mandioca, não só em Salvador mas, sobretudo, nas áreas adjacentes
– recôncavo e áreas rurais por excelência – dependiam deste gênero.
Com a inserção do conceito de hinterland, aqui entendo como as áreas –
recôncavo e adjacências – que, conectadas a Salvador como escoadouro de sua
produção, tem com ela uma relação de parceria e cooperação pelo fato desta
considerar as terras produtoras sua base de sustento econômico a partir das
taxas portuárias e absorção de seus produtos essenciais – escravos, manufaturas
ocidentais, importados em geral oriundos de outro ponto da colônia etc.
Contudo, neste cenário econômico de investidores – contratadores, senhores de
engenho, atravessadores e comerciantes coloniais (internos) – temos o
“consumidor urbano” que necessitava do mesmo produto, a farinha de mandioca, em
igual intensidade (BARICKMAN, 2003, p. 123).
Tal recorrência de disputas faz com
que a capital assumisse uma postura senhorial sobre seus hinterlands quase que, por vezes, com o apoio da coroa, impondo que
estes últimos produzam, ainda que forçosamente, a farinha de que todos
necessitavam. Obviamente, tal imposição não funcionou como esperado, pois, como
já exposto aqui, ninguém queria deixar de lucrar com o açúcar em favor da
mandioca.
Por fim, o autor sustenta que, o
consequente crescimento de engenhos dinamizou uma expansão de atividades
manufatureiras e dentre elas, a indústria da farinha de mandioca, e sua
recíproca é verdadeira, ou seja, sem tal expansão, é natural afirmar que o
crescimento dos engenhos seria impossível, assim sendo, há um processo
reflexivo no crescimento analisado pelo autor. E neste processo, o mercado
agroexportador não inviabilizou a expansão do mercado interno por atrair todas
as atenções e esforços e muito pelo contrário estimulou, pois sem este, a
reprodução deste mercado agroexportador torna-se impensável. Enfim, nota-se que
se desenvolveu a partir da cana um forte mercado interno, mas, que, apenas
focado para suportar esta atividade canavieira, viu-se por fim como economia
limitada e invariável em virtude das próprias demandas internas que eram
meramente para a reprodução do primeiro.
[1]
Fonte para a referência, pois, no conteúdo programático não estava completa,
foi o site da universidade onde o professor Bert Barickman leciona que segue
aqui: Disponível em: http://history.arizona.edu/bjb
Acessado em: 05 de Dezembro de 2012.
[2]
Idem.
[3]
Cf. FRAGOSO, J. L. R O império escravista e a república dos plantadores.
Economia brasileira no século XIX: Mais que uma plantation escravista-exportadora. In: LINHARES, Maria Yedda Leite
(organizadora). História geral do Brasil. – 9 ed. – Rio de Janeiro: Elsevier,
1990. 5º Capítulo, pp. 144-187.
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