Educação, multiculturalismo e pluralidade no ensino: uma análise das abordagens a partir de uma perspectiva histórica.
BADARÓ, Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus
Resenha com crítica aberta.
Neste
texto, a autora Lucíola Santos complementa e expande, em parte, as idéias e
pressupostos anteriormente apresentados por Olga Damis no texto Didática: Suas
relações, seus pressupostos. Esta assertória visa iniciar uma resenha com
crítica aberta onde pretendo além de sintetizar - se é que tal tarefa é
possível, em se tratando de uma discussão tão rica e profícua - o conteúdo da
obra, aliar, quando possível as discussões às primeiras impressões e
proposições vistas outrora no texto supramencionado da Olga Damis e,
naturalmente, considerar todos os temas abordados pela Lucíola Santos. Dito
isto...
O
texto trás uma abordagem que evidencia a relevância do tratamento crítico às
questões que concernem os currículos e suas relações com as múltiplas formas de
conhecimentos e saberes que emanam de diversos campos do saber e suas
consequentes faces e vertentes. Trata-se de relacionar conhecimentos que, em
virtude de uma hierarquização e "oficialização" de um saber dito
"politicamente correto e científico", estiveram alijados dos campos
de debates acadêmicos e dos currículos tidos como "oficiais" e que
atualmente estão reconquistando seu devido espaço. Isto lembra ainda o debate
historiográfico que Damis fará para lembrar-nos do efeito da escola
Durkheimiana - a escola metódica, dita positivista - que se faz sentir até os
dias atuais, decretando o que era ou não passível de cientificização. A
hierarquização do saber aparece em três distintos formatos: o erudito, o
popular e o de massa.
Daqui
por diante, a autora nos introduzirá no seu objetivo definitivo ao afirmar a
busca pelos "processos educativos
escolares, este trabalho busca mapeá-los, analisando as condições históricas e
culturais que os tornaram visíveis e objeto de estudo do campo
pedagógico."[1]
É justamente estes saberes que foram historicamente e propositalmente
invisibilizados que "o currículo e as instituições escolares levam hoje à
valorização de saberes da experiência social e cultural".[2]
Assim
os saberes produzidos são de fato produto de uma série de elementos internos e
externos ao ser que atuam como agentes cumulativos nestes processos, ou seja,
aqui retornamos ao materialismo histórico marxista, onde, os homens irão
transformar a natureza que lhes rodeia em prol de melhorias em suas condições
de vida. Os conhecimentos alcançados são resultado de transformações que visam
"desenvolver no homem sua essência ideal de forma a atender as
necessidades que as justificavam"[3]
como o desenvolvimento permanente de atributos e habilidades técnicas e
instrumentais para tanto. É neste momento que temos a chamada convergência para
a autora, onde conhecimentos teóricos, práticos, populares e do senso comum
irão se fundir em apenas um para resultar no conhecimento definitivo que é o
passível de reprodução e transmissão no meio escolar. Obviamente, tais
inovações, partidas de novas inserções metodológicas que tem como base além da
interdisciplinaridade e a consensualidade educacional que considera todas as formas
de saber, requerem ainda uma nova forma e novos instrumentos para ensinar e
transmitir estes novos objetos. E a partir deste turbilhão de contribuições
enfatizar prioritariamente o currículo que se ocupa dos saberes escolares.
A
autora faz a partir deste momento uma discussão da real significação
morfológica, léxica e sobretudo utilitarista do conceito de currículo para
relatar como é que teóricos da ciência da educação, a partir deste conceito,
vão construir o que de fato será considerado útil para o ensino escolar. Fará
ainda um levantamento histórico das transformações do alcance e significação do
termo através dos tempos trazendo abordagens que nos fazem entender como o
processo se deu historicamente. Nesta tomada do texto da Lucíola Santos, recordo-me
claramente do levantamento histórico tão pertinente de Olga Damis que tratará
de nos recordar da construção histórica que não nos deixa "esquecer do
papel exercido pela Companhia de Jesus, fundada em 1540, com a finalidade de
lutar contra a difusão de idéias
luteranas, através do ensino do catolicismo."[4]
Assim, sabemos que a luta por uma forma ou outra de ensinar, o que deve ou não
ser ensinado, não é recente, é tão remoto quanto a própria humanidade...
Eventualmente,
dentro desta perspectiva desenvolvimentista da educação a autora expõe que
"a preocupação com o desenvolvimento curricular surge juntamente com a
fragmentação do conhecimento, que ocorre com a introdução das disciplinas
escolares"[5]
e que a escolha por uma disciplina, área do conhecimento ou tema a ser abordado
e transmitido fora uma constante dentro da construção curricular. Dentro deste
histórico vale ressaltar a proposta, que eu particularmente chamei de
"compartimentar" de Charles Eliot em 1893, compartimentalizando os
conhecimentos de forma "organizada" gerando um currículo pronto. Não
é preciso dizer que, em se tratando da ideia de Eliot, tivemos algumas
dissidências que, por sua vez, geraram novos horizontes.
Em
1860, a autora nos apresenta Herbart Spencer como um crítico ferrenho da
ideologia Eliotiana propondo que "se deveria contar às crianças o mínimo
possível e induzi-las a descobrir o máximo possível,"[6] ao
que eu concordo plenamente, pois, acredito que quem aprende mais não é aquele
que mais é exposto ao conhecimento, contudo, aquele que mais o busca. Temos
Machado de Assis como um sólido exemplo disto. Ainda nesta sequência de
desenvolvimento, ela apresentará o Taylorismo e sua tendência
"Fordiana", a educação como "uma linha de montagem através do
qual cidadãos economicamente e socialmente úteis seriam produzidos"[7] traduzindo
uma forte tendência economicista da época. E também lembrando-nos da discussão
da Olga Damis onde atenta para as "novas teorias sobre educação e ensino
foram elaboradas para atender aos diferentes momentos do avanço
capitalista"[8],
deixando claro o porque desta colocação. Seu opositor - ao economicismo
fordiano - o progressivismo de John Dewey que vai criticar duramente a produção
em série do formato vigente e propondo que o foco real do currículo deveria ser
fixado a partir dos interesses da própria criança.
Chega-se
a seguinte ótica acerca de todos estes processos transformacionais no seio do
currículo aqui discutido: é justo após todas estas mudanças que se pôde hoje
alcançar o estagio em que hoje se encontra a elaboração curricular escolar;
"ressignificando" essas tradições, ora oscilando para cada uma delas, ora
procurando conciliá-las" e destes consensos e contradições tirando
exemplos porvir. A autora nos mostrará que é devido a tais embates, e as novas
tendências metodológicas de várias correntes do pensamento, que a "reconceitualização" americana e
adaptação dos currículos às necessidades de cada momento histórico será
possível, assim bem como o movimento inglês Nova
Sociologia da Educação. Ambos conceitos tratarão de redirecionar o foco
excessivo ao currículo per se, para ao invés disto, compreendê-lo
intrinsecamente, contextualizando-o e sobretudo adaptando-o as novas realidades
sociais, econômicas e culturais.
Ao
retomar algumas discussões da história da educação recente, a autora irá
apresentar algo que, para mim ao menos, apresentou-se como uma divisão social
da educação. Muito parecido com a divisão social do trabalho, a divisão feita
entre capazes e não capazes de retenção de determinados conteúdos, acadêmicos e
não-acadêmicos, você terá aí, ao menos em tese, como apresentou Goodson no ato
de 1944, a descrição causal e sobretudo pulsional das adequações vocacionais de
cada pessoa... Bom, esta proposição realmente se apresenta completamente
problemática e aproxima-se muito das discussões que tivemos em sala de aula com
a professora Marta Lícia quando falamos da meritocracia do ingresso em
universidades públicas e as consequentes disputas entre pobres egressos do
ensino médio público e os ricos das particulares... Assim sendo, sou inclinado
a concordar fundamentalmente com a assertória de Damis quando ela diz que:
(...)
a sociedade capitalista produz teorias pedagógicas que visam desenvolver, na
criança, a aptidão e o interesse individuais, necessários à sua manutenção, em
detrimento do Ideal de perfeição humana desenvolvido pelas relações sociais
anteriores[9]
já que a classe social deste ultimo
grupo - a classe operária - já fora preestabelecida mesmo antes dele entrar na
escola por uma norma curricular inglesa que prezou, àquela altura, pela
imobilidade social em detrimento da condição econômica e financeira
consuetudinária a priori... É muito
compreensível que se fale neste texto em constantes tensões entre o
academicismo curricular e o currículo técnico, pois, como abri este tema da
divisão social da educação, percebe-se que, entrando no mérito das relações de
poder e interesses políticos histórica e economicamente construídos, os
trabalhadores braçais e os intelectuais das sociedades já estavam postos. E
fica mais nítido ainda a interpretação da educação de Damis quando diz que:
"deslocar a ênfase em uma finalidade social mais ampla para uma finalidade
mais específica de desenvolvimento individual"[10],
ou seja, os interesses que pululam nos bastidores das políticas educacionais
mundiais...
Como
sempre, de um ponto de vista revolucionário, os franceses saem na frente de
novo! É como se estivéssemos em pleno déjà vu das revoluções francoanglônicas do
século XVIII, os inglêses estabelecem parametros de controle social a partir de
suas tecnologias e os franceses criam os escapes ideológicos e até certo ponto
utópicos! Aqui, sigamos com Pierre Bourdieu e suas 7 sugestões reestruturantes
para o postergar do conhecimento escolar considerando elementos oriundos
"tanto da pesquisa, como das mudanças econômicas, sociais e
técnicas."[11] Em
várias passagens se vê a amplidão do propósito e das intenções da construção de
Bourdieu, mas, chama-me a atenção o quesito cinco onde ele enfatizará a
necessidade de "diversificação dos métodos de ensino"[12]
o seis que reforçará a necessidade da interdiscilpinaridade e a superação das
barreiras entre as áreas do conhecimento e acima de todos, não minimizando aqui
os outros, o quesito sete que vai destacar a relevância do ensino "das
ciências históricas, refletindo a pluralidade de estilos de vida e de tradições
culturais."[13]
A
proposta de Bourdieu se choca exatamente com os objetivos de percepção da
autora, onde ela desejava mapear e perceber quando a visibilidade destes outros
agentes transformacionais, da realidade pedagógica fora possibilitada Será que
é este o ponto que serve de divisor de águas para evitar e/ou analisar o
crescimento assustador dos processos crescentes de exclusão educacional? Segundo a autora é " valorizada nesta
abordagem, a experiência de alunos e professores, suas vidas e inserção
cultural."[14] Contudo, diante de idéias que se oponham aos
determinismos socioeducacionais sempre veremos debates que irão desenvolver
explicações que veladamente instiguem a pseudoeducação meritocrática em lugar
de uma educação fundamentada e pautada nas realidades sociais.
A
autora apresenta ainda um quadro desfavorável as formas de transmissão do
conhecimento tradicional e altamente favorável ao sistema de
"aquisição" do conhecimento realçando o senso comum e
experiências mais cotidianas e triviais
do imaginário e ideário popular como formas de aproximação dos sujeitos
cognitivos e de seus objetos. Assim, ao negar parcialmente as formas lineares
de ensino e considerar a prática e aplicação constante e significativa dos
meios plurilateriais de ensino, o professor e, consequentemente também o
currículo, muito seguramente terão melhores resultados. Não se deve, creio eu,
de forma alguma descartar os conceitos, em sua forma pura, do Bernstein[15]
como um modelo passível de crítica e reflexão, pois, apesar de ideológico, ele
traz uma carga utilitarista que deve em alguma medida funcionar. Assim creio quanto
ao modelo de Bernstein, pois, parto do princípio que, nas primeiras etapas da
vida escolar a criança deve ter o contato com o conhecimento de forma gradual e
constante e sempre ligada ao seu contexto social a medida que vai descobrindo a
melhor forma de absorção das informações. Após este período, ela - a criança -
já estará acostumada com o processamento e retenção de informações e assim
poderá ser exposta a conteúdos intensivos de informações e as processará forma
mais natural.
Enfim,
a autora tratará neste momento de seu texto da docência e das problemáticas
ligadas ao ato de ensinar, problemáticas estas que, são deflagrada sem virtude
da deficiência dos docentes, o que gera mais objetos de estudo para os estudos
voltados para a elaboração curricular relacionados a atuação do docente. Porém,
daqui por diante ficará claro como as implicações das experiências de vida são
extremamente importantes para a configuração e prática bem sucedida do
currículo escolar como um todo. A atuação do professor e suas habilidades extra
acadêmicas, do ponto de vista ontológico, devem ser também reveladas como um
processo constante de aprendizado, como um laboratório natural. Por isto
"multiplicam-se os estudos sobre subjetividade, identidade, carreira,
processos de formação e constituição dos saberes docentes,"[16]
uma vez que, é justamente esta experiência de vida que estabelecerá a posteriori, uma hermenêutica mais
sensível por parte do docente para aplicar a sociologia das diferenças sociais
de forma inteligível até para ele mesmo. O valor da sociologia neste ponto é
irrevogável, atraindo as atenções, aos tópicos de pertencimento, identidades
etc, não só dos discentes, mas também, e por que não dos docentes? Através
destas apresentações de problemas vistos isoladamente, a autora vai trazer uma
última inquietação que jaz na idéia do quão complexo e orgânico é a instituição
escolar "onde problemas politicos, soicais e culturais são redesenhados
pela suas rotinas, rituais e tradições.[17]
Lucíola
Santos concluirá que a pluralidade dos saberes constituem um grande desafio à
esquematização curricular, ao passo que devem ser estes também objetos de
persistente estudo contínuo e que as várias vias de considerações temáticas do
conhecimento não são só possíveis, mas, sobretudo necessárias. Reafirmando a
escola como agente difusor da cultura e levanta alguns problemas e inquietações
que seguramente serão tratados por ela posteriormente.
Bibliografia
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 47-59.
DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas relações,
seus pressupostos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
[1]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 46.
[2]
Id. Ibidem.
[3]
DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas
relações, seus pressupostos. In: CANDAU,
Vera Maria. (ORG) A Didática em
questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 14
[4]
DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas
relações, seus pressupostos. In: CANDAU,
Vera Maria. (ORG) A Didática em
questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 18
[5]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 48.
[6]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 49
[7]
Id. Ibidem.
[8]
DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas
relações, seus pressupostos. In: CANDAU,
Vera Maria. (ORG) A Didática em
questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 18.
[9]
DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas
relações, seus pressupostos. In: CANDAU,
Vera Maria. (ORG) A Didática em
questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 19
[10]
Id. Ibidem.
[11]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 52.
[12]
Id. Ibidem.
[13]
Id. Ibidem.
[14]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 53
[15]
Conceitos de educação Visível e Invisível que são trabalhados por ele de forma
para mim bastante pertinente.
[16]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 55.
[17]
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de
saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A
Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 57.
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