domingo, 23 de dezembro de 2012

Leituras sobre a cultura escolar e suas amplas discussões.


Educação, multiculturalismo e pluralidade no ensino: uma análise das abordagens a partir de uma perspectiva histórica.


BADARÓ, Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus

Resenha com crítica aberta.

            Neste texto, a autora Lucíola Santos complementa e expande, em parte, as idéias e pressupostos anteriormente apresentados por Olga Damis no texto Didática: Suas relações, seus pressupostos. Esta assertória visa iniciar uma resenha com crítica aberta onde pretendo além de sintetizar - se é que tal tarefa é possível, em se tratando de uma discussão tão rica e profícua - o conteúdo da obra, aliar, quando possível as discussões às primeiras impressões e proposições vistas outrora no texto supramencionado da Olga Damis e, naturalmente, considerar todos os temas abordados pela Lucíola Santos. Dito isto...
            O texto trás uma abordagem que evidencia a relevância do tratamento crítico às questões que concernem os currículos e suas relações com as múltiplas formas de conhecimentos e saberes que emanam de diversos campos do saber e suas consequentes faces e vertentes. Trata-se de relacionar conhecimentos que, em virtude de uma hierarquização e "oficialização" de um saber dito "politicamente correto e científico", estiveram alijados dos campos de debates acadêmicos e dos currículos tidos como "oficiais" e que atualmente estão reconquistando seu devido espaço. Isto lembra ainda o debate historiográfico que Damis fará para lembrar-nos do efeito da escola Durkheimiana - a escola metódica, dita positivista - que se faz sentir até os dias atuais, decretando o que era ou não passível de cientificização. A hierarquização do saber aparece em três distintos formatos: o erudito, o popular e o de massa.
            Daqui por diante, a autora nos introduzirá no seu objetivo definitivo ao afirmar a busca  pelos "processos educativos escolares, este trabalho busca mapeá-los, analisando as condições históricas e culturais que os tornaram visíveis e objeto de estudo do campo pedagógico."[1] É justamente estes saberes que foram historicamente e propositalmente invisibilizados que "o currículo e as instituições escolares levam hoje à valorização de saberes da experiência social e cultural".[2]
            Assim os saberes produzidos são de fato produto de uma série de elementos internos e externos ao ser que atuam como agentes cumulativos nestes processos, ou seja, aqui retornamos ao materialismo histórico marxista, onde, os homens irão transformar a natureza que lhes rodeia em prol de melhorias em suas condições de vida. Os conhecimentos alcançados são resultado de transformações que visam "desenvolver no homem sua essência ideal de forma a atender as necessidades que as justificavam"[3] como o desenvolvimento permanente de atributos e habilidades técnicas e instrumentais para tanto. É neste momento que temos a chamada convergência para a autora, onde conhecimentos teóricos, práticos, populares e do senso comum irão se fundir em apenas um para resultar no conhecimento definitivo que é o passível de reprodução e transmissão no meio escolar. Obviamente, tais inovações, partidas de novas inserções metodológicas que tem como base além da interdisciplinaridade e a consensualidade educacional que considera todas as formas de saber, requerem ainda uma nova forma e novos instrumentos para ensinar e transmitir estes novos objetos. E a partir deste turbilhão de contribuições enfatizar prioritariamente o currículo que se ocupa dos saberes escolares.
            A autora faz a partir deste momento uma discussão da real significação morfológica, léxica e sobretudo utilitarista do conceito de currículo para relatar como é que teóricos da ciência da educação, a partir deste conceito, vão construir o que de fato será considerado útil para o ensino escolar. Fará ainda um levantamento histórico das transformações do alcance e significação do termo através dos tempos trazendo abordagens que nos fazem entender como o processo se deu historicamente. Nesta tomada do texto da Lucíola Santos, recordo-me claramente do levantamento histórico tão pertinente de Olga Damis que tratará de nos recordar da construção histórica que não nos deixa "esquecer do papel exercido pela Companhia de Jesus, fundada em 1540, com a finalidade de lutar contra a difusão de  idéias luteranas, através do ensino do catolicismo."[4] Assim, sabemos que a luta por uma forma ou outra de ensinar, o que deve ou não ser ensinado, não é recente, é tão remoto quanto a própria humanidade...
            Eventualmente, dentro desta perspectiva desenvolvimentista da educação a autora expõe que "a preocupação com o desenvolvimento curricular surge juntamente com a fragmentação do conhecimento, que ocorre com a introdução das disciplinas escolares"[5] e que a escolha por uma disciplina, área do conhecimento ou tema a ser abordado e transmitido fora uma constante dentro da construção curricular. Dentro deste histórico vale ressaltar a proposta, que eu particularmente chamei de "compartimentar" de Charles Eliot em 1893, compartimentalizando os conhecimentos de forma "organizada" gerando um currículo pronto. Não é preciso dizer que, em se tratando da ideia de Eliot, tivemos algumas dissidências que, por sua vez, geraram novos horizontes.
            Em 1860, a autora nos apresenta Herbart Spencer como um crítico ferrenho da ideologia Eliotiana propondo que "se deveria contar às crianças o mínimo possível e induzi-las a descobrir o máximo possível,"[6] ao que eu concordo plenamente, pois, acredito que quem aprende mais não é aquele que mais é exposto ao conhecimento, contudo, aquele que mais o busca. Temos Machado de Assis como um sólido exemplo disto. Ainda nesta sequência de desenvolvimento, ela apresentará o Taylorismo e sua tendência "Fordiana", a educação como "uma linha de montagem através do qual cidadãos economicamente e socialmente úteis seriam produzidos"[7] traduzindo uma forte tendência economicista da época. E também lembrando-nos da discussão da Olga Damis onde atenta para as "novas teorias sobre educação e ensino foram elaboradas para atender aos diferentes momentos do avanço capitalista"[8], deixando claro o porque desta colocação. Seu opositor - ao economicismo fordiano - o progressivismo de John Dewey que vai criticar duramente a produção em série do formato vigente e propondo que o foco real do currículo deveria ser fixado a partir dos interesses da própria criança.
            Chega-se a seguinte ótica acerca de todos estes processos transformacionais no seio do currículo aqui discutido: é justo após todas estas mudanças que se pôde hoje alcançar o estagio em que hoje se encontra a elaboração curricular escolar; "ressignificando" essas tradições, ora oscilando para cada uma delas, ora procurando conciliá-las" e destes consensos e contradições tirando exemplos porvir. A autora nos mostrará que é devido a tais embates, e as novas tendências metodológicas de várias correntes do pensamento, que a "reconceitualização" americana e adaptação dos currículos às necessidades de cada momento histórico será possível, assim bem como o movimento inglês Nova Sociologia da Educação. Ambos conceitos tratarão de redirecionar o foco excessivo ao currículo per se, para ao invés disto, compreendê-lo intrinsecamente, contextualizando-o e sobretudo adaptando-o as novas realidades sociais, econômicas e culturais.
            Ao retomar algumas discussões da história da educação recente, a autora irá apresentar algo que, para mim ao menos, apresentou-se como uma divisão social da educação. Muito parecido com a divisão social do trabalho, a divisão feita entre capazes e não capazes de retenção de determinados conteúdos, acadêmicos e não-acadêmicos, você terá aí, ao menos em tese, como apresentou Goodson no ato de 1944, a descrição causal e sobretudo pulsional das adequações vocacionais de cada pessoa... Bom, esta proposição realmente se apresenta completamente problemática e aproxima-se muito das discussões que tivemos em sala de aula com a professora Marta Lícia quando falamos da meritocracia do ingresso em universidades públicas e as consequentes disputas entre pobres egressos do ensino médio público e os ricos das particulares... Assim sendo, sou inclinado a concordar fundamentalmente com a assertória de Damis quando ela diz que:
(...) a sociedade capitalista produz teorias pedagógicas que visam desenvolver, na criança, a aptidão e o interesse individuais, necessários à sua manutenção, em detrimento do Ideal de perfeição humana desenvolvido pelas relações sociais anteriores[9]
já que a classe social deste ultimo grupo - a classe operária - já fora preestabelecida mesmo antes dele entrar na escola por uma norma curricular inglesa que prezou, àquela altura, pela imobilidade social em detrimento da condição econômica e financeira consuetudinária a priori... É muito compreensível que se fale neste texto em constantes tensões entre o academicismo curricular e o currículo técnico, pois, como abri este tema da divisão social da educação, percebe-se que, entrando no mérito das relações de poder e interesses políticos histórica e economicamente construídos, os trabalhadores braçais e os intelectuais das sociedades já estavam postos. E fica mais nítido ainda a interpretação da educação de Damis quando diz que: "deslocar a ênfase em uma finalidade social mais ampla para uma finalidade mais específica de desenvolvimento individual"[10], ou seja, os interesses que pululam nos bastidores das políticas educacionais mundiais...
            Como sempre, de um ponto de vista revolucionário, os franceses saem na frente de novo! É como se estivéssemos em pleno déjà vu das revoluções francoanglônicas do século XVIII, os inglêses estabelecem parametros de controle social a partir de suas tecnologias e os franceses criam os escapes ideológicos e até certo ponto utópicos! Aqui, sigamos com Pierre Bourdieu e suas 7 sugestões reestruturantes para o postergar do conhecimento escolar considerando elementos oriundos "tanto da pesquisa, como das mudanças econômicas, sociais e técnicas."[11] Em várias passagens se vê a amplidão do propósito e das intenções da construção de Bourdieu, mas, chama-me a atenção o quesito cinco onde ele enfatizará a necessidade de "diversificação dos métodos de ensino"[12] o seis que reforçará a necessidade da interdiscilpinaridade e a superação das barreiras entre as áreas do conhecimento e acima de todos, não minimizando aqui os outros, o quesito sete que vai destacar a relevância do ensino "das ciências históricas, refletindo a pluralidade de estilos de vida e de tradições culturais."[13]
            A proposta de Bourdieu se choca exatamente com os objetivos de percepção da autora, onde ela desejava mapear e perceber quando a visibilidade destes outros agentes transformacionais, da realidade pedagógica fora possibilitada  Será que é este o ponto que serve de divisor de águas para evitar e/ou analisar o crescimento assustador dos processos crescentes de exclusão educacional?  Segundo a autora é " valorizada nesta abordagem, a experiência de alunos e professores, suas vidas e inserção cultural."[14]  Contudo, diante de idéias que se oponham aos determinismos socioeducacionais sempre veremos debates que irão desenvolver explicações que veladamente instiguem a pseudoeducação meritocrática em lugar de uma educação fundamentada e pautada nas realidades sociais.
            A autora apresenta ainda um quadro desfavorável as formas de transmissão do conhecimento tradicional e altamente favorável ao sistema de "aquisição" do conhecimento realçando o senso comum e experiências  mais cotidianas e triviais do imaginário e ideário popular como formas de aproximação dos sujeitos cognitivos e de seus objetos. Assim, ao negar parcialmente as formas lineares de ensino e considerar a prática e aplicação constante e significativa dos meios plurilateriais de ensino, o professor e, consequentemente também o currículo, muito seguramente terão melhores resultados. Não se deve, creio eu, de forma alguma descartar os conceitos, em sua forma pura, do Bernstein[15] como um modelo passível de crítica e reflexão, pois, apesar de ideológico, ele traz uma carga utilitarista que deve em alguma medida funcionar. Assim creio quanto ao modelo de Bernstein, pois, parto do princípio que, nas primeiras etapas da vida escolar a criança deve ter o contato com o conhecimento de forma gradual e constante e sempre ligada ao seu contexto social a medida que vai descobrindo a melhor forma de absorção das informações. Após este período, ela - a criança - já estará acostumada com o processamento e retenção de informações e assim poderá ser exposta a conteúdos intensivos de informações e as processará forma mais natural.
            Enfim, a autora tratará neste momento de seu texto da docência e das problemáticas ligadas ao ato de ensinar, problemáticas estas que, são deflagrada sem virtude da deficiência dos docentes, o que gera mais objetos de estudo para os estudos voltados para a elaboração curricular relacionados a atuação do docente. Porém, daqui por diante ficará claro como as implicações das experiências de vida são extremamente importantes para a configuração e prática bem sucedida do currículo escolar como um todo. A atuação do professor e suas habilidades extra acadêmicas, do ponto de vista ontológico, devem ser também reveladas como um processo constante de aprendizado, como um laboratório natural. Por isto "multiplicam-se os estudos sobre subjetividade, identidade, carreira, processos de formação e constituição dos saberes docentes,"[16] uma vez que, é justamente esta experiência de vida que estabelecerá a posteriori, uma hermenêutica mais sensível por parte do docente para aplicar a sociologia das diferenças sociais de forma inteligível até para ele mesmo. O valor da sociologia neste ponto é irrevogável, atraindo as atenções, aos tópicos de pertencimento, identidades etc, não só dos discentes, mas também, e por que não dos docentes? Através destas apresentações de problemas vistos isoladamente, a autora vai trazer uma última inquietação que jaz na idéia do quão complexo e orgânico é a instituição escolar "onde problemas politicos, soicais e culturais são redesenhados pela suas rotinas, rituais e tradições.[17]  
            Lucíola Santos concluirá que a pluralidade dos saberes constituem um grande desafio à esquematização curricular, ao passo que devem ser estes também objetos de persistente estudo contínuo e que as várias vias de considerações temáticas do conhecimento não são só possíveis, mas, sobretudo necessárias. Reafirmando a escola como agente difusor da cultura e levanta alguns problemas e inquietações que seguramente serão tratados por ela posteriormente.


Bibliografia
SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 47-59.
DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas relações, seus pressupostos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.



[1] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 46.
[2] Id. Ibidem.
[3] DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas relações, seus pressupostos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 14
[4] DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas relações, seus pressupostos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 18
[5] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 48.
[6] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 49
[7] Id. Ibidem.
[8] DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas relações, seus pressupostos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 18.
[9] DAMIS, Olga Teixeira, Didática: Suas relações, seus pressupostos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 19
[10] Id. Ibidem.
[11] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 52.
[12] Id. Ibidem.
[13] Id. Ibidem.
[14] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 53
[15] Conceitos de educação Visível e Invisível que são trabalhados por ele de forma para mim bastante pertinente.
[16] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 55.
[17] SANTOS, Lucíola L. C. P. Pluralidade de saberes em processos educativos. In: CANDAU, Vera Maria. (ORG) A Didática em questão. 23ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 57.

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