Comentários
e anotações sobre os processos de conquista da América Espanhola.
BADARÓ,
Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus
Analisando cronologicamente os processos de conquista espanhola na América, podemos dizer que estas se deram de forma muito uniforme no tocante as práticas efetuadas pelos conquistadores. O acúmulo de informações das experiências passadas pelos primeiros aventureiros, disponibilizadas para a posteridade a partir do relato de cronistas, não está disponível apenas para nós, historiadores de hoje, mas, foram divulgadas as proezas em sua contemporaneidade. Assim, muito do que fora feito por um, foi, também, feito por outro conquistador, haja vista que tal procedimento, – repetir o que já fora feito levaria a um resultado satisfatório em relação ao objetivo desejado ou quiçá, usado como experiência para justamente evitar um erro indesejado.
Seguindo esta linha de raciocínio,
perceberemos aqui, as continuidades de um determinado conquistador, latentes em
outro como as práticas do repartimiento,
das encomiendas a subjugação dos
indígenas e sua consequente dizimação, e ainda a ínfima, mas existente
escravidão africana.
A
dizimação das comunidades indígenas
Foram
várias as razões que levaram à drástica e dramática redução do contingente
indígena nas Américas. É interessante lembrar que de acordo com o texto “Às
portas da América”, ainda houve a compreensão negligenciada da razão indígena
em relação a valoração de objetos, pois, acreditou-se que, eles tinham tais
objetos alheios aos seus conhecimentos como sagrados. E naturalmente, isto
também está ligado à mitificação deste povo[1],
com estórias lúdicas e pouco verazes fazendo com que o trato descuidado e pouca
estima por estes povos sejam uma constante.
Aliada
a todas estas premissas supramencionadas estão as razões factuais e empíricas
que conduziram o dizimar destas populações: epidemias como sífilis, varíola,
bicho de pé etc.; troca de lado dos indígenas que temendo represálias pós
guerra, passavam para o lado dos conquistadores e contribuíam em muito com
informações e para a melhor organização estratégica dos invasores. Tais estratégias
se resumiam às repressões ás revoltas após serem conquistados; caça aos indígenas
escravizados que fugiam; a diáspora indígena deflagrada pelos conquistadores
que movem um determinado contingente indígena para outro ponto a fim de melhor
aproveitar suas forças produtivas nesta nova área (práticas de repartimientos);
maus tratos generalizados. Alguns outros fatores, além das estratégias dos
espanhois para reprimir as resistências indígenas resultaram também em seu drástica
redução populacional tais quais: a pouca familiaridade dos conquistadores no
uso de técnicas escravagistas, exaurindo as forças dos indígenas escravizados
até o limite da fadiga em prol de uma rápida obtenção do lucro, causando-lhes,
como por conseqüência, sua morte; o suicídio – enforcamento, ou envenenamento –
que era uma prática comum daqueles
índios que não queriam ser escravizados; a fome, pois agora a divisão de
víveres é maior com a chegada dos espanhóis e também considerando um fator
extra que é o da inserção de uma cultura nova, a criação de suínos que
devastava toda a flora local e obviamente, prejudicava também o desenvolvimento
da fauna que, ao dividir seus recursos naturais com os porcos espanhóis entram
em situação parecida com a dos indígenas em termos de falta de víveres. Tais práticas
atestam o lado mais evidente da lógica colonizadora.
A morte
em larga escala dos indígenas, em partes, não é algo planejado, e seguramente,
tampouco pretendido, no que tange as epidemias, que foram ainda mais eficazes no
quesito mórbido do genocídio, mais que os próprios espanhóis, e pior, “não
obedece a nenhum plano pensado”[2]
pois é válido pensar que os colonizadores não iriam querer matar seus escravos,
a sua fonte de lucro e ferramenta facilitadora da remoção de sua pilhagem,
exploração e butim.
Como já mencionado anteriormente,
estas características de espalhar a mortandade entre os índios é algo muito
pertinente entre os conquistadores em geral, seguindo o exemplo colonizador e
conquistador deixado por Colombo, eles se sucedem. Assim o foi com Cortés que
mesmo ao perceber que os mexicas não se deixariam massacrar tão facilmente,
buscou em estratégias mais elaboradas as soluções para os seus problemas como:
obter, através do uso da comunicação[3],
auxílio de tribos opositoras ao senhor tlatoani,
como os Tlaxcaltecas, para, a partir daí, mais facilmente dominá-los com o
conceito usado pelos autores de “dupla linguagem” que foi, por sua vez, usado
por Cortés.
No entanto, estas manobras não
impediram que os embates “dizimadores” ocorressem, como confirmado nesta assertiva:
Eles juraram muitas vezes por Deus que nunca tinham
visto guerras tão furiosas nem entre cristãos, nem contra a artilharia do rei
de França, nem contra o Grão-turco; nunca eles tinham visto gente que, como
aqueles índios, cerrassem com tanta coragem as fileiras de seus esquadrões.[4]
Mesmo apesar da crença de Cortés na
possibilidade de uma conquista pacífica, as carnificinas foram inevitáveis. O
exemplo final veio com a sua ausência momentânea do Cortés na noche triste, daí, as mortes foram
inegáveis e notórias. No entanto, deve-se fugir um pouco à proposição dos
autores do capítulo aqui abordado e enaltecer no relato acima evidenciado a
grande resistência e bravura indígena na tentativa de manter e continuar a luta
por sua soberania.
Igualmente mortal foi a empresa dos
Pizarro, que diferente de Cortés, foi menos dada às diplomacias, mas, que por
força da ocasião e da inferioridade numérica, os componentes desta empresa
foram forçados a se utilizar de uma estratégia mui parecida. Digo, em relação
ao uso da estratégia de pender para um determinado lado – entre duas vertentes
do poder deixado pelo Huayna Capác – em prol da apropriação de informações
valiosas que lhes permitisse manter o objetivo maior – a conquista do tawantinsuyu[5];
também no uso da escusa de combater as represálias atrozes do Atahualpa contra
os Kuragas, por exemplo; uso da
comunicabilidade gestual e ritual; o uso de um interprete etc.
Portanto, os métodos de dominação
acabaram sendo idênticos, com mínimas variações, o que de fato fora muito
idêntico em todos os aspectos foram as consequências desta dominação – a
mortandade desencadeada por esta. Estupros, pilhagem, assassinatos, crueldade,
epidemias etc., estes são apenas alguns pequenos detalhes das práticas
européias após a captura de Atahualpa. Aqui o que mais pesou foi a contribuição
de comunidades de indígenas opositoras ao tawantinsuyu
de Atahualpa, e etnias abertas a insurreição contra o sistema dominante. Daí
para frente apenas teremos o dizimar indígena, pois, após o ato de “desencantamento” da mística indígena que girava
em torno de seu regente, o Inca, no centro organizacional, eles não mais se
propõem a subjugar-se facilmente, gerando as conseqüentes insubmissões dos mitmaes (trabalhadores) que ainda com fé em suas huacas (divindades, templos) acreditam
poder resistir aos invasores que seguramente estariam afetados pelo soroche[6].
Por fim, as investidas são todas
coroadas de grande mortandade entre os índios que são sem dúvida os vitimados
deste intercâmbio de culturas não muito bem sucedido para ambas as partes, mas,
com maior efeito negativo para o nativos das americas...
Os
requerimientos e as encomiendas
Separei
o comentário acerca destas práticas por serem de cunho conceitual e não de
tratamento causal e narrativo. E sem dúvida, por constituírem uma grande
importância dentro dos mecanismos de dominação e execução das relações de
poder, merecem um destacado lugar nesta anotação e discussão.
Os repartimientos e encomiendas são práticas que envolvem a necessidade de organização
dos conquistadores em certos pontos de sua conquista/invasão e também a “justa”
prestação de contas com quem era de direito, neste caso, todos os envolvidos nos
tramites de conquista e manutenção destas como: navegantes, marinheiros,
soldados, administradores, Rei etc. Tais conceitos contemplavam todas as
práticas e efeitos supramencionados, passando a estar presente em todos os atos
de conquista, de todos os invasores espanhóis. Sem eles, a conquista não teria
sido a mesma, ou talvez, mesmo possível.
O
que são cada um deles?
Repartimientos: Como
a própria palavra, de origem castelhana, já diz, consiste em repartir, dividir,
distribuir entre os participantes de determinada empreitada o butin (butim) obtido. Tal prática fora
instituída pelo próprio Colombo, e um exemplo dele é como vemos nesta passagem
esclarecedora: “para acalmar os
espíritos, o Almirante organiza a primeira distribuição (repartimiento) de índios, antes de perder, no ano seguinte, a maior
parte de seus poderes.”[7]
Encomiendas:
Já a, encomienda, também de origem castelhana,
tem uma origem nas guerras contra os mouros e “consistia em distribuir as
terras mouras aos conquistadores cristãos.”[8]
Sendo que na “encomienda antilhesa” a
terra é entregue “à coroa ou aos colonos insulares, para que obriguem os índios
– repartimientos – a trabalhar nos
campos, nas minas e nas casas.”[9]
Como
vimos, estas instituições que detém, talvez, a mais importante concentração de
carga motivadora para a continuidade das atividades e para a chegada de novos
colonizadores às terras americanas, uma
vez que sem elas teríamos um baixo interesse, por parte dos castelhanos, em
migrarem para uma terra onde as possibilidades estariam podadas e fadadas a se
reduzirem ao primeiro grupo de colonizadores – caso do Brasil – mesmo que as
terras fossem promissoras em termos de recursos naturais, riquezas e
possibilidades como o eram. Por isto, ambos os conceitos são tão constantes e
persistem em grande parte das obras que tratam de referir-se à America colonial
espanhola.
Um
último exemplo que demonstra o quão importante foi a presença destas
instituições pode-se perceber quando se trata de falar dos naborias (empregados domésticos) que “estavam, ligados aos
espanhóis como o tinham sido aos seus senhores indígenas antes da Conquista; os
outros submetidos ao sistema de repartimiento
– ou encomienda –, devem dedicar uma
parte de seu tempo e de liberdade, a caçar e pescar”[10], ou
seja, para poder devidamente sustentar o seu proprietário segundo as normas das
encomiendas e repartimientos. Se por
um lado esta prática possibilitava
aos espanhóis explorar melhor as terras, por outro lado, ela era o estopim da
sangria dos índios, que dentro deste processo de redistribuição das forças e
recursos produtivos entre os colonizadores, servia de ferramenta que era
constantemente explorada até a morte ou expirar de suas forças vitais. Esta é a
característica principal destas facas de dois gumes chamadas de repartimiento e encomienda.
Escravidão
negra
Em
se falando de escravidão, não que os negros estejam ligados exclusivamente a
este quesito, mas, o período é exatamente propicio para esta prática pois, na
Costa do Marfim (Còte d’ivoire), na Guiné, por exemplo, a venda destas pessoas
escravizadas corria livre. Portanto, os negros tiveram nesta página da história
das Américas, – na colonização espanhola – sua atuação relativamente reduzida,
mas não inexistente. Não que não houvesse tal demanda, espaço ou ambiente
propício, muito pelo contrário, houveram vozes que se levantaram contra a
escravidão dos indígenas nas Américas espanholas também, como o Abade Pedro de
la Rentería ou o dominicano Antonio de Montesinos, abrindo assim um precedente
para tal demanda.
Esta demanda foi de fato edificada
com os hieronimitas governantes de Hispaniola, las Casas e Zuazo (1517-1518)
que indicam como solução para a preservação da vida indígena e otimização da
mão de obra exploratória através do uso dos bozales
(negros d’Africa). Contudo, as
“santas intenções dos hieronimitas” acabam não vingando em virtude das disputas
de poder e interesses políticos. Não aconteceu exatamente como eles queriam
talvez, pois mesmo com a chegada dos negros, os índios continuaram escravizados,
maltratados e penalizados por um objetivo que não era o deles.
Os detalhes sobre a participação
negra são raros, mas, perceptíveis, – ao menos no que se refere a este período – são relegados a
importância marginal como em retratações de adaptabilidade ou resistência como
nesta passagem: “De outro lado, os escravos negros, porque são sujos, não tomam
banho e porque sua epiderme é propícia, são devorados pelos bichos-de-pé.”[11] Embora
as referências não sejam das melhores, os cronistas deixaram os traços das
condições, clima, e situação na qual o negro escravizado estava inserido. Também,
nesta outra passagem temos alusões à tradição posteriormente existente do uso
de escravos como no trecho que trata dos perigos encarados pelos espanhóis para
a obtenção do negro e as dificuldade de “(...) os caminhos arriscados do
contrabando nas terras da África (pois os portugueses não brincavam com as
tripulações que conseguiam capturar), o tráfico suspeito.”[12]
Por fim, o que se quer dizer é que,
durante a colonização das Américas, diante de uma evidente abundância de mão de
obra local com os autóctones, por que os espanhóis deveriam preocupar-se em
importar africanos? Por isto sua participação nesta página da história colonial
se vê secundarizada. E como naturalmente estes índios já se encontravam em
processo de servidão – no caso do tawantinsuyu
–, supõe-se que a adaptação não tenha sido tão penosa como no caso do Brasil,
os nativos locais acabaram por não dispor desta transposição, pois, não havia
um sistema organizado de servidão difundido e politizado entre estes. E como
percebe-se, esta colonização inicia como disse Chaunu, “A conquista não visa a
terra, visa unicamente os homens.”[13]
esta dominação aconteceu no caso espanhol, com uma grande vantagem: a de ter os
dominados altamente propensos ao trabalho compulsório em virtude de sua
organização política posterior, secundando assim, como já disse, a participação
africana.
Bibliografia
BERNAND Carmen e
GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia, 1492-1550. As portas da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2001. Capítulo II. pp. 271-312.
CARMEN, Bernand
e GRUZINSKI, Serge História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia, 1492-1550. A Conquista do México – 2. Ed. – São Paulo:
Editado da Universidade São Paulo, 2001. Capítulo II. pp. 313-354.
[1]
Como no caso das cabeças diferentes e tão resistentes que podiam quebrar as
espadas dos conquistadores. BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo
Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas
da América. 2ª ed. - São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2001. p.
277.
[2]
BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à
conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed.
- São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2001. p. 281.
[3]
Aqui Cortés vai se valer da índia Marina, sua interprete e amante que fará as
vezes de interprete para o conquistador aproximando-o assim, mais concretamente
da cultura indígena e seus valores consuetudinários.
[4]
BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à
conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed.
- São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2001. p. 349.
[5]
Império Inca
[6]
Mal de la montaña.
[7]
BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à
conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed.
- São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2001. p. 275.
[8]
Id. Ibidem.
[9]
Id. Ibidem.
[10]
BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. Op. cit. p. 279.
[11]
BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à
conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed.
- São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2001. p. 289.
[12]
Id. Ibidem. pp. 292.
[13]
CARMEN, Bernand e GRUZINSKI,
Serge História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia,
1492-1550. – 2. Ed. – São Paulo: Editado da Universidade São Paulo, 2001. p.
325.
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