sábado, 15 de dezembro de 2012

História da conquista espanhola na América

Comentários e anotações sobre os processos de conquista da América Espanhola.



BADARÓ, Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus


Analisando cronologicamente os processos de conquista espanhola na América, podemos dizer que estas se deram de forma muito uniforme no tocante as práticas efetuadas pelos conquistadores. O acúmulo de informações das experiências passadas pelos primeiros aventureiros, disponibilizadas para a posteridade a partir do relato de cronistas, não está disponível apenas para nós, historiadores de hoje, mas, foram divulgadas as proezas em sua contemporaneidade. Assim, muito do que fora feito por um, foi, também, feito por outro conquistador, haja vista que tal procedimento, – repetir o que já fora feito levaria a um resultado satisfatório em relação ao objetivo desejado ou quiçá, usado como experiência para justamente evitar um erro indesejado.
Seguindo esta linha de raciocínio, perceberemos aqui, as continuidades de um determinado conquistador, latentes em outro como as práticas do repartimiento, das encomiendas a subjugação dos indígenas e sua consequente dizimação, e ainda a ínfima, mas existente escravidão africana.

A dizimação das comunidades indígenas
            Foram várias as razões que levaram à drástica e dramática redução do contingente indígena nas Américas. É interessante lembrar que de acordo com o texto “Às portas da América”, ainda houve a compreensão negligenciada da razão indígena em relação a valoração de objetos, pois, acreditou-se que, eles tinham tais objetos alheios aos seus conhecimentos como sagrados. E naturalmente, isto também está ligado à mitificação deste povo[1], com estórias lúdicas e pouco verazes fazendo com que o trato descuidado e pouca estima por estes povos sejam uma constante.
            Aliada a todas estas premissas supramencionadas estão as razões factuais e empíricas que conduziram o dizimar destas populações: epidemias como sífilis, varíola, bicho de pé etc.; troca de lado dos indígenas que temendo represálias pós guerra, passavam para o lado dos conquistadores e contribuíam em muito com informações e para a melhor organização estratégica dos invasores. Tais estratégias se resumiam às repressões ás revoltas após serem conquistados; caça aos indígenas escravizados que fugiam; a diáspora indígena deflagrada pelos conquistadores que movem um determinado contingente indígena para outro ponto a fim de melhor aproveitar suas forças produtivas nesta nova área (práticas de repartimientos); maus tratos generalizados. Alguns outros fatores, além das estratégias dos espanhois para reprimir as resistências indígenas resultaram também em seu drástica redução populacional tais quais: a pouca familiaridade dos conquistadores no uso de técnicas escravagistas, exaurindo as forças dos indígenas escravizados até o limite da fadiga em prol de uma rápida obtenção do lucro, causando-lhes, como por conseqüência, sua morte; o suicídio – enforcamento, ou envenenamento – que era uma  prática comum daqueles índios que não queriam ser escravizados; a fome, pois agora a divisão de víveres é maior com a chegada dos espanhóis e também considerando um fator extra que é o da inserção de uma cultura nova, a criação de suínos que devastava toda a flora local e obviamente, prejudicava também o desenvolvimento da fauna que, ao dividir seus recursos naturais com os porcos espanhóis entram em situação parecida com a dos indígenas em termos de falta de víveres. Tais práticas atestam o lado mais evidente da lógica colonizadora.
            A morte em larga escala dos indígenas, em partes, não é algo planejado, e seguramente, tampouco pretendido, no que tange as epidemias, que foram ainda mais eficazes no quesito mórbido do genocídio, mais que os próprios espanhóis, e pior, “não obedece a nenhum plano pensado”[2] pois é válido pensar que os colonizadores não iriam querer matar seus escravos, a sua fonte de lucro e ferramenta facilitadora da remoção de sua pilhagem, exploração e butim.
Como já mencionado anteriormente, estas características de espalhar a mortandade entre os índios é algo muito pertinente entre os conquistadores em geral, seguindo o exemplo colonizador e conquistador deixado por Colombo, eles se sucedem. Assim o foi com Cortés que mesmo ao perceber que os mexicas não se deixariam massacrar tão facilmente, buscou em estratégias mais elaboradas as soluções para os seus problemas como: obter, através do uso da comunicação[3], auxílio de tribos opositoras ao senhor tlatoani, como os Tlaxcaltecas, para, a partir daí, mais facilmente dominá-los com o conceito usado pelos autores de “dupla linguagem” que foi, por sua vez, usado por Cortés.
No entanto, estas manobras não impediram que os embates “dizimadores” ocorressem, como confirmado nesta assertiva:
Eles juraram muitas vezes por Deus que nunca tinham visto guerras tão furiosas nem entre cristãos, nem contra a artilharia do rei de França, nem contra o Grão-turco; nunca eles tinham visto gente que, como aqueles índios, cerrassem com tanta coragem as fileiras de seus esquadrões.[4]

Mesmo apesar da crença de Cortés na possibilidade de uma conquista pacífica, as carnificinas foram inevitáveis. O exemplo final veio com a sua ausência momentânea do Cortés na noche triste, daí, as mortes foram inegáveis e notórias. No entanto, deve-se fugir um pouco à proposição dos autores do capítulo aqui abordado e enaltecer no relato acima evidenciado a grande resistência e bravura indígena na tentativa de manter e continuar a luta por sua soberania.
Igualmente mortal foi a empresa dos Pizarro, que diferente de Cortés, foi menos dada às diplomacias, mas, que por força da ocasião e da inferioridade numérica, os componentes desta empresa foram forçados a se utilizar de uma estratégia mui parecida. Digo, em relação ao uso da estratégia de pender para um determinado lado – entre duas vertentes do poder deixado pelo Huayna Capác – em prol da apropriação de informações valiosas que lhes permitisse manter o objetivo maior – a conquista do tawantinsuyu[5]; também no uso da escusa de combater as represálias atrozes do Atahualpa contra os Kuragas, por exemplo; uso da comunicabilidade gestual e ritual; o uso de um interprete etc.
Portanto, os métodos de dominação acabaram sendo idênticos, com mínimas variações, o que de fato fora muito idêntico em todos os aspectos foram as consequências desta dominação – a mortandade desencadeada por esta. Estupros, pilhagem, assassinatos, crueldade, epidemias etc., estes são apenas alguns pequenos detalhes das práticas européias após a captura de Atahualpa. Aqui o que mais pesou foi a contribuição de comunidades de indígenas opositoras ao tawantinsuyu de Atahualpa, e etnias abertas a insurreição contra o sistema dominante. Daí para frente apenas teremos o dizimar indígena, pois, após o ato de  “desencantamento” da mística indígena que girava em torno de seu regente, o Inca, no centro organizacional, eles não mais se propõem a subjugar-se facilmente, gerando as conseqüentes insubmissões dos mitmaes (trabalhadores) que ainda com fé em suas huacas (divindades, templos) acreditam poder resistir aos invasores que seguramente estariam afetados pelo soroche[6].  Por fim, as investidas são todas coroadas de grande mortandade entre os índios que são sem dúvida os vitimados deste intercâmbio de culturas não muito bem sucedido para ambas as partes, mas, com maior efeito negativo para o nativos das americas...

Os requerimientos e as encomiendas
            Separei o comentário acerca destas práticas por serem de cunho conceitual e não de tratamento causal e narrativo. E sem dúvida, por constituírem uma grande importância dentro dos mecanismos de dominação e execução das relações de poder, merecem um destacado lugar nesta anotação e discussão.
            Os repartimientos e encomiendas são práticas que envolvem a necessidade de organização dos conquistadores em certos pontos de sua conquista/invasão e também a “justa” prestação de contas com quem era de direito, neste caso, todos os envolvidos nos tramites de conquista e manutenção destas como: navegantes, marinheiros, soldados, administradores, Rei etc. Tais conceitos contemplavam todas as práticas e efeitos supramencionados, passando a estar presente em todos os atos de conquista, de todos os invasores espanhóis. Sem eles, a conquista não teria sido a mesma, ou talvez, mesmo possível.
            O que são cada um deles?
Repartimientos: Como a própria palavra, de origem castelhana, já diz, consiste em repartir, dividir, distribuir entre os participantes de determinada empreitada o butin (butim) obtido. Tal prática fora instituída pelo próprio Colombo, e um exemplo dele é como vemos nesta passagem esclarecedora:  “para acalmar os espíritos, o Almirante organiza a primeira distribuição (repartimiento) de índios, antes de perder, no ano seguinte, a maior parte de seus poderes.”[7]
Encomiendas: Já a, encomienda, também de origem castelhana, tem uma origem nas guerras contra os mouros e “consistia em distribuir as terras mouras aos conquistadores cristãos.”[8] Sendo que na “encomienda antilhesa” a terra é entregue “à coroa ou aos colonos insulares, para que obriguem os índios – repartimientos – a trabalhar nos campos, nas minas e nas casas.”[9]
            Como vimos, estas instituições que detém, talvez, a mais importante concentração de carga motivadora para a continuidade das atividades e para a chegada de novos colonizadores às terras  americanas, uma vez que sem elas teríamos um baixo interesse, por parte dos castelhanos, em migrarem para uma terra onde as possibilidades estariam podadas e fadadas a se reduzirem ao primeiro grupo de colonizadores – caso do Brasil – mesmo que as terras fossem promissoras em termos de recursos naturais, riquezas e possibilidades como o eram. Por isto, ambos os conceitos são tão constantes e persistem em grande parte das obras que tratam de referir-se à America colonial espanhola.
            Um último exemplo que demonstra o quão importante foi a presença destas instituições pode-se perceber quando se trata de falar dos naborias (empregados domésticos) que “estavam, ligados aos espanhóis como o tinham sido aos seus senhores indígenas antes da Conquista; os outros submetidos ao sistema de repartimiento – ou encomienda –, devem dedicar uma parte de seu tempo e de liberdade, a caçar e pescar”[10], ou seja, para poder devidamente sustentar o seu proprietário segundo as normas das encomiendas e repartimientos. Se por um lado esta prática possibilitava aos espanhóis explorar melhor as terras, por outro lado, ela era o estopim da sangria dos índios, que dentro deste processo de redistribuição das forças e recursos produtivos entre os colonizadores, servia de ferramenta que era constantemente explorada até a morte ou expirar de suas forças vitais. Esta é a característica principal destas facas de dois gumes chamadas de repartimiento e  encomienda.

Escravidão negra
            Em se falando de escravidão, não que os negros estejam ligados exclusivamente a este quesito, mas, o período é exatamente propicio para esta prática pois, na Costa do Marfim (Còte d’ivoire), na Guiné, por exemplo, a venda destas pessoas escravizadas corria livre. Portanto, os negros tiveram nesta página da história das Américas, – na colonização espanhola – sua atuação relativamente reduzida, mas não inexistente. Não que não houvesse tal demanda, espaço ou ambiente propício, muito pelo contrário, houveram vozes que se levantaram contra a escravidão dos indígenas nas Américas espanholas também, como o Abade Pedro de la Rentería ou o dominicano Antonio de Montesinos, abrindo assim um precedente para tal demanda.
Esta demanda foi de fato edificada com os hieronimitas governantes de Hispaniola, las Casas e Zuazo (1517-1518) que indicam como solução para a preservação da vida indígena e otimização da mão de obra exploratória através do uso dos bozales (negros d’Africa).  Contudo, as “santas intenções dos hieronimitas” acabam não vingando em virtude das disputas de poder e interesses políticos. Não aconteceu exatamente como eles queriam talvez, pois mesmo com a chegada dos negros, os índios continuaram escravizados, maltratados e penalizados por um objetivo que não era o deles.
Os detalhes sobre a participação negra são raros, mas, perceptíveis, – ao menos no que  se refere a este período – são relegados a importância marginal como em retratações de adaptabilidade ou resistência como nesta passagem: “De outro lado, os escravos negros, porque são sujos, não tomam banho e porque sua epiderme é propícia, são devorados pelos bichos-de-pé.”[11] Embora as referências não sejam das melhores, os cronistas deixaram os traços das condições, clima, e situação na qual o negro escravizado estava inserido. Também, nesta outra passagem temos alusões à tradição posteriormente existente do uso de escravos como no trecho que trata dos perigos encarados pelos espanhóis para a obtenção do negro e as dificuldade de “(...) os caminhos arriscados do contrabando nas terras da África (pois os portugueses não brincavam com as tripulações que conseguiam capturar), o tráfico suspeito.”[12]
Por fim, o que se quer dizer é que, durante a colonização das Américas, diante de uma evidente abundância de mão de obra local com os autóctones, por que os espanhóis deveriam preocupar-se em importar africanos? Por isto sua participação nesta página da história colonial se vê secundarizada. E como naturalmente estes índios já se encontravam em processo de servidão – no caso do tawantinsuyu –, supõe-se que a adaptação não tenha sido tão penosa como no caso do Brasil, os nativos locais acabaram por não dispor desta transposição, pois, não havia um sistema organizado de servidão difundido e politizado entre estes. E como percebe-se, esta colonização inicia como disse Chaunu, “A conquista não visa a terra, visa unicamente os homens.”[13] esta dominação aconteceu no caso espanhol, com uma grande vantagem: a de ter os dominados altamente propensos ao trabalho compulsório em virtude de sua organização política posterior, secundando assim, como já disse, a participação africana.





Bibliografia
BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492-1550. As portas da América. 2ª ed. -  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. Capítulo II. pp. 271-312.

CARMEN, Bernand e GRUZINSKI, Serge História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492-1550. A Conquista do México – 2. Ed. – São Paulo: Editado da Universidade São Paulo, 2001. Capítulo II. pp. 313-354.



[1] Como no caso das cabeças diferentes e tão resistentes que podiam quebrar as espadas dos conquistadores. BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. -  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.  p. 277.
[2] BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. -  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.  p. 281.
[3] Aqui Cortés vai se valer da índia Marina, sua interprete e amante que fará as vezes de interprete para o conquistador aproximando-o assim, mais concretamente da cultura indígena e seus valores consuetudinários.
[4] BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. -  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.  p. 349.
[5] Império Inca
[6] Mal de la montaña.
[7] BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. -  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.  p. 275.
[8] Id. Ibidem.
[9] Id. Ibidem.
[10] BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. Op. cit.  p. 279.
[11] BERNAND Carmen e GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492*1550.As portas da América. 2ª ed. -  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.  p. 289.
[12] Id. Ibidem. pp. 292.
[13] CARMEN, Bernand e GRUZINSKI, Serge História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência européia, 1492-1550. – 2. Ed. – São Paulo: Editado da Universidade São Paulo, 2001. p. 325.

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