sábado, 22 de dezembro de 2012

Judaísmo, marxismo e debates: como se deram as práticas judaicas no Brasil colonial.


A luta de classes e o judaísmo na colônia.


BADARÓ, Wilson Oliveira



Textos motivadores

BETHENCOURT, Francisco. A Inquisição. In: CENTENO, Yvette Kace (Coord.) Portugal: Mitos revisitados. Lisboa: Salamandra, 1993, pp. 99-138.
PEREIRA, Ana Margarida dos Santos. A inquisição em Portugal e no Brasil. Aspectos da sua Atuação nas capitanias do sul, de meados do séc. XVI ao início do séc. XVIII. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2006, pp. 21-76.


Questões a serem contempladas pela discussão:

1.      Expor a teoria da luta de classes como explicação para a criação da inquisição portuguesa.
2.      Fazer a crítica à explicação marxista defendida por autores envolvidos na temática.
3.      Abordar os motivos do Brasil nunca ter tido um tribunal do santo ofício em suas terras.

Resenha
            Em princípio, para que se faça com real propriedade uma análise sobre a luta de classes, observando como viés de explicação da criação da inquisição por este método oriundo do materialismo histórico marxista, temos de rever qual o conceito de luta de classes para esta corrente historiográfica e, a partir desta definição, delimitar como funcionou para esta noção dentro do “motor da história”. Para Marx e Engels, a luta de classes consiste, na “história das sociedades cuja estrutura produtiva baseia-se na apropriação privada dos meios de produção” (QUINTANEIRO, 1995, p. 81) enfatizando que

(...) as contradições presentes numa estrutura classista, o antagonismo de interesses que caracteriza uma relação entre classes. Isto porque a existência das classes sustenta-se na exploração e em diversas formas de opressão social, política, intelectual, religiosa, etc; daí que a relação entre elas não pode ser outra senão conflitiva (...) (QUINTANEIRO, 1995, p. 81)

            Devemos lembrar ainda, que após estas observações teremos que considerar que “a noção de luta de classes relaciona-se diretamente à de mudança social. É por meio da luta de classes que as principais transformações estruturais são impulsionadas (...)” (QUINTANEIRO, 1995, p. 81). Tendo dito isto, acho que a análise deve agora tomar seu rumo.
Fica bastante claro na obra do Bethencourt a sua focalização na orientação teórica marxista dos autores antecessores, e que ele se apropria das discussões destes para fundamentar sua hipótese, no sentido de contrapor os erros de perspectiva desta ótica. Ou seja, a partir das novas tendências e reformulações do marxismo, assim como o marxismo inglês e suas novas leituras dos conceitos, categorias e noções que são, por sua vez, esta corrente utilizados, fazem com que o autor aqui em questão pondere os acertos, sobretudo, os erros de seus antecessores nesta empresa.
Quando o autor expõe seu propósito de “situar estes processos contraditórios de mitificação no respectivo contexto e na dinâmica do conflito de representações (...)” ele transmite a ideia de análise que estaria por vir em seu debate historiográfico. E mais ainda com o conceito de representações que seguramente trata-se das “representações coletivas”[1]sociológicas, que ajudariam a perceber estas tendências nos outros autores discutidos em sua obra.
Em sua apresentação das tendências historiográficas a se utilizarem dos recursos conceituais marxistas para explicar o surgimento da inquisição em Portugal como, por exemplo, em Saraiva ou em Silva Dias, que vão perceber neste assunto, duas classes antagônicas: De um lado os nobres e o clero cristão e do outro os religiosos judeus que são, também,  os bem sucedidos comerciantes e assim, podem explicar a sociedade que estudam através da luta de classes. Temos aqui uma ideia das intenções do autor que, reservando as devidas correções de perspectivas historiográficas passadas, como a dos autores acima citados, em seus próprios embates coetâneos com autores opositores a este reducionismo causal como no caso Reváh e Saraiva, estes, através dos ditos embates, reforçam sua hipótese.
Aqui, veremos ainda que, estas análogas representações – as cristãs e as judaicas – são vistas como luta de classes, pois, incluem vários aspectos relativos a este conceito. Perceberemos isto nesta seguinte passagem:
Não se trata de “julgar” a inquisição, mas de compreender os propósitos de legitimação ou de contestação que se reproduziram até os nossos dias, avaliando os interesses sociais em jogo, bem como o papel e o sentido de um conflito que se revelou fundamental para a gênese de uma nova sociedade. (BETHENCOURT, 1993, pp. 101-102) (Grifo meu)

Ou seja, além de analisar os “interesses sociais em jogo”, nesta sociedade estruturalmente antagônica em seus interesses, há aqui a percepção do autor na “inevitabilidade de conflitos” destas classes, e a necessidade de analisar tais conflitos para que se possam perceber estes fenômenos dinâmicos nesta sociedade classista, contudo, sem a visão reducionista e factual dos seus predecessores quanto a este antagonismo, que viam apenas as lutas de classes, sem outras grandes implicações concorrendo aí.
A opressão religiosa exercida pelos cristãos sobre os judeus se configura para o autor como um mecanismo que gerou documentos – embora “mistificados” – altamente utilitários para a captação das realidades das mais variadas formas:como com os relatos de outros autores sobre a apropriação da inquisição, como por exemplo, de suas posses, através do “confisco”, também, com controle de suas atividades e práticas socio-religiosas – as “judaizantes” – etc.
Como são antagônicas as práticas religiosas, toda a prática contrária a prática da “classe dominante”, no caso a cristã, serão tidas/vistas como heréticas, já que os “deicídas” judeus dispunham de uma grande gama delas, assim, seriam facilmente notáveis tais prática. É aqui que os historiadores marxistas ortodoxos conseguem notar, e explicar, grosso modo, as transformações sociais vigentes em sua perspectiva. Focando-se nos interesses econômicos, políticos e religiosos antagônicos, das classes em questão na exploração de uma classe dita dominante sobre a outra dita explorada e no conflito aí gerado.
Tratando das questões das “lendas negra e branca” e com a seguinte passagem do D. João III e a Igreja em Roma na primeira metade do século XVI, revela-se o fundo marxista de luta de classes – usado por muitos autores – supramencionado como o motivo que leva o rei a solicitar o suporte da inquisição em Portugal que seria em virtude da “apostasia dos novos cristãos”.  Aqui está então configurado para, o cenário antagônico de classes que explica a necessidade da instalação de um tribunal da fé em Portugal para os propósitos inquisitoriais usado como explicação histórica, e forma, assim, por consequência, a tendência à luta de classes teoricamente falando.
Já para o caso das abordagens dos autores Anita Novinsky e José Antônio Saraiva, falarei apenas sobre a abordagem que o autor faz à Saraiva, pois, não identifiquei no texto, uma exposição do ponto de vista de Novisky, ou ao menos uma crítica à sua argumentação, muito pelo contrário, ele apenas comenta dizendo que existem muitos bons trabalhos surgindo no Brasil, onde, dentre eles, está o da Anita Novinsky, relatado por Bethencourt (1993, p. 131).
Historiograficamente falando, o autor faz a exposição de uma série de ataques sofridos pelo Saraiva de vários pontos de vista distintos e pessoas distintas. A princípio ele dirá com a revista Brotéria que, Saraiva se equivoca ao identificar o tribunal como “classe dirigente”, depois, com Reváh, expõe a oposição deste à identificação da inquisição como “fábrica de judeus”, seguindo com Maurício Domingos que discorda do exclusivismo econômico atribuído por Saraiva aos judeus, uma vez que, nem todos eram de fato comerciantes ricos e que a inquisição não se desintegrara com a ascensão de Pombal. Aqui, ele vê na consideração do Domingos uma verdadeira limitação na forma hermenêutica da problemática de Saraiva, pois, ele discorda veementemente que o conceito cristão-novo tenha sido um mito edificado “pela Inquisição com objetivos de perseguição social”.
Dadas as premissas que lhe apóiam em sua visão acerca dos deslizes cometidos por Saraiva, porém, enaltecendo seu mérito de haver, através do “raciocínio dedutivo”, levantado problemas que serviram de contribuição. Conclui que os erros de José Saraiva ficam completamente desvelados quando ele relata a seguinte passagem, que devo expressar aqui na integra para melhor proveito e concluir minha linha de raciocínio com as exposições feitas acima:

(...) está provado que não existe qualquer contradição entre a reprodução das ordens privilegiadas e o desenvolvimento do capitalismo comercial; não existia qualquer conflito de interesses econômicos entre os rendeiros/financeiros/negociantes cristãos-novos e a alta nobreza, o alto clero ou a própria Coroa: as escassas manifestações de solidariedade para com os cristãos-novos perseguidos pela inquisição partiram justamente de alguns elementos dos grupos sociais dominantes, interessados em manter uma relação de prestação de serviços que lhes era conveniente (...) (BETHENCOURT, 1993, p.123)

Já para explicar as razões que levaram a um não estabelecimento de um tribunal no Brasil, Pereira acredita e explica que em partes “a intransigência das partes deve ter sido mesmo o grande obstáculo”. O rei insistia em criá-lo aqui, mas a igreja se negava a fazê-lo, e principalmente nos moldes desejados pela Coroa, – caso do Felipe III – onde o rei tentava exercer influência favorável aos seus devaneios. Segundo Pereira, a intenção da instalação da inquisição aqui no Brasil era muito parecida com a que tivemos em Europa, que seria a de perseguir as práticas judaizantes. E que por terem a consciência da ausência de tal instituição – o Tribunal do Santo Ofício –, em solo colonial português d’além mar, acabavam por ser, em seu comportamento, muito intransigentes e viviam muito aquém das proibições cristãs, até mesmo porque as visitas periódicas eram muito inconstantes e contingentes.
A autora Ana Pereira também aponta que o clero usou a distância como escusa da inviabilidade da criação do tribunal no Brasil e que o tribunal de Lisboa, então responsável pela colônia dava conta deste território, fazendo-se desnecessário um no Brasil.
Aliando tais fatos às acusações de suborno do clero, para favorecer os cristãos novos, parece que os riscos das viagens dos visitadores acabam por não constituir, tampouco, um ardil de fato convincente para tal empresa institucional nas terras além mar. E finalmente Ana Pereira conclui que aqui na colônia havia um sem número de cristãos novos compondo o corpo eclesiástico, sendo que tal instalação poderia vir a “perturbar o regular funcionamento dos órgãos eclesiásticos” e ainda completar esta dificuldade com a hipotética baixa “colaboração”. A pouca colaboração destes mesmos membros eclesiásticos cristãos-novos visava evitar o penalizar dos seus iguais – judeus – em favor do Santo Ofício. Não esquecendo que, o dinheiro que mantinha as atividades e ordenados do clero, eram boa parte de origem judaica. Contando ainda as referências que a autora faz ao temor constante dos clérigos envolvidos nesta atividade de coerção em serem aqui surpreendidos e até mesmo mortos em terras brasileiras. Assim, a multiplicidade de fatores conduz a inviabilização da instalação de um tribunal no Brasil.
Bibliografia
BETHENCOURT, Francisco. A Inquisição. In: CENTENO, Yvette Kace (Coord.) Portugal: Mitos revisitados. Lisboa: Salamandra, 1993, pp. 99-138.
PEREIRA, Ana Margarida dos Santos. A inquisição em Portugal e no Brasil. Aspectos da sua Actuação nas capitanias do sul, de meados do séc. XVI ao início do séc. XVIII. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2006, pp. 21-76.
CASTRO, Ana Maria de e DIAS, Edmundo Fernandes. Introdução ao Pensamento Sociológico. Marx, Weber, Durkheim e Parsons. 18ª Ed. – São Paulo: Centauro, 2005, Capítulos: Karl Marx e  ÈmileDurheim.
QUINTANEIRO,Tânia. Um toque de clássicos:Durheim, Marx e Weber – Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995, pp. 63-83.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.pp. 09-47.



[1] Conceito Durkheimiano que trata de explicar as abstrações de um determinado grupo social que toma forma de um agente transformador e externo a este grupo, que exerce função reguladora e coercitiva sobre a sociedade e que se caracteriza pelo acúmulo de conhecimentos, crenças, dogmas, cultura etc., desta respectiva sociedade.

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