terça-feira, 25 de dezembro de 2012

As duas escravidões na América do Norte: causas da revolução americana.


A revolução norte americana no contexto da escravidão.



BADARÓ, Wilson Oliveira.


            No capítulo um do livro aqui tratado – Retrospecto da revolução norte-americana – o autor M. J. Heale inicia sua abordagem ao tema propondo as diferentes perspectivas sobre o que foi a revolução para diferentes estudiosos e, ainda, se houve, de fato, uma revolução. A princípio, o autor expõe que há na Grã-Bretanha uma aproximação causal da Guerra de Independência norte-americana com a Revolução norte-americana que seria calcada, por sua vez, em premissas militaristas. Naturalmente, como se faz em uma revisão bibliográfica que justifica a produção intelectual de sua temática, o autor defende que esta visão britânica esteja desfocada, e que outras propostas podem complementar esta inadequação inicialmente exposta, passando por uma visão mais interna da própria revolução, digo, a partir da perspectiva americana também.
            Seguindo por uma perspectiva que se propõe mais abrangente que a primariamente debatida pelos britânicos, Heale fará uma série de exposições hipotéticas e conjecturais de “como se deve – ou ao menos deveria – escrever a história da revolução norte-americana”[1], notada em várias passagens onde ele faz um verdadeiro exercício de alteridade e distanciamento de seu objeto. Ao propor que se fosse esperado respostas de um americano acerca de suas impressões da revolução, ele apresentar-nos-ia várias vertentes não percorridas pela visão britânica da revolução. Tais vertentes seriam, evidentemente, se isoladas, incompletas ainda, contudo, mais próximas de uma realidade, de fato, que a visão militarista anterior. Tais visões internas propostas, a partir deste exercício de alteridade do autor incluem: o reconhecer dos norte-americanos livres do julgo britânico e as “mudanças políticas e sociais importantes” (HEALE, 1991, pp. 5-6), ou ainda, que houve uma substituição de formas de governo como “o domínio britânico, arbitrário e despótico, por um sistema de governo baseado na divisão de poderes e uma constituição escrita” (HEALE, 1991, p. 6).
            Apontando as incompletudes destas visões internas propostas acima, Heale retira delas partes que conferem sentido de oposição à visão britânica, diferenciando conceitualmente revolução de guerra de independência. Assim, o autor reforça que uma revolução requer uma drástica mudança, que se faça notória dentro do espaço que está sendo abordado e trata, também, de apresentar uma breve análise doxográfica – da produção de outros autores – do que fora dito acerca da contingência da existência, ou não, da revolução norte-americana e em caso afirmativo, suas consequentes características.
            Como se faz em uma abordagem introdutória, neste capítulo o autor apresenta-nos as principais problemáticas onde ele procurará responder-nos, expondo suas inquietações e questionamentos, findando em dar-nos uma visão mais ampla do complexo processo de revolução na América do Norte. As perguntas surgidas de suas inquietações irão guiar e permear seu trabalho de reconhecimento da revolução norte-americana para além de uma mera luta de independência, perguntas como, qual a duração desta revolução? Quando acabou? Qual a relação entre a formulação e institucionalização da constituição e o fim da revolução? Qual a característica desta constituição? Favorável ou desfavorável aos propósitos revolucionários em sua aparente ambiguidade historicamente proposta pela historiografia? Com a ascensão do Presidente G. Washington, como considerar o desfecho da revolução, vitorioso ou vencido? Estas são algumas questões que permeiam o trabalho deste autor que encerra este capítulo com uma interpretação do auge da revolução a partir da resistência apresentada tanto interna – das mudanças e instabilidades políticas – como externamente – guerra contra a Grã-Bretanha e afirma que a revolução, lato sensu, prol igualdade de direitos para todos os homens ainda não terminou.
            Já no capítulo dois, intitulado “A perspectiva britânica”, Heale observa a condição, outrora de submissão do colonato americano, opondo-se aos “soldados de seu rei” (HEALE, 1991, p. 9) em razão de uma revolta que visava impedir a sua escravização por parte dos britânicos. Novamente, o autor propõe uma digressão que trabalhará no campo da mentalidade, partindo de uma sensibilidade que requer uma forte presença da alteridade por parte do historiador para compreender o temor da escravização, sentido pelos americanos. Tendo este temor sua fundação após a Guerra dos Sete Anos que marca uma mudança no comportamento dos líderes governamentais que, por sua vez, tomam medidas em forma de impostos, consideradas pelos norte-americanos avassaladoras, e suaves pelos britânicos, se comparadas aos impostos cobrados na metrópole, gerando assim, toda esta celeuma entre norte-americanos[2] e britânicos. Vemos assim, numa interpretação britânica que acusa os norte-americanos de recusar o pagamento de impostos que seriam, por sua vez, revertidos para a sua própria administração e defesa e ainda, criam que, viviam os norte-americanos com “um padrão de vida relativamente alto” exatamente pelo fator de sonegarem este imposto através da Guerra de Independência (HEALE, 1991, p. 11).
            Para além da questão dos impostos, inclui-se o fator Navigation Laws[3] que agravavam a já contestada situação dos impostos cobrados. Retomando a política de mudanças por parte do império britânico após a Guerra dos Sete Anos, fato que deflagra a insatisfação norte-americana e a sensação de iminente escravidão, é preciso lembrar que nas possessões coloniais inglesas da América do Norte “o povo britânico não era, porém, a única nação a penetrar no continente americano” (HEALE, 1991, p. 12). Além da Grã-Bretanha, contava-se ainda com a presença francesa e espanhola na América do Norte – Canadá e Flórida respectivamente – o que ocasionou desavenças entre estas potências, notadamente, com prejuízo de largas dimensões para a França, que por sua vez, abdica de seu território em favor da Espanha.
            Com o término da Guerra dos Sete Anos, a Grã-Bretanha se vê amplamente fortificada, contudo, estes reforço e ampliação incidem também em aumento territorial que complicam em muito a gerência política do novo império que, oriundo de outras tradições, políticas e culturas – espanholas e francesas –, dificultam o trabalho governamental do primeiro ministro George Grenville. Então, perceberemos o que Cláudia Wasserman vai chamar de “forças centrífugas[4], também atua aqui na América do Norte. Os poderes locais tentando se comportar como “equivalentes locais do parlamento, [que] pretendiam exercer poderes antes da alçada dos governadores régios” (HEALE, 1991, p. 13). Guardadas as devidas proporções e percebendo que o espaço é, de fato, outro, não se pode negar a tendência analógica que inspira tal comportamento social por parte do colonato e seus representantes locais, tanto na América Latina, como na América do Norte a se oporem aos representantes europeus e, conseguintemente, defendendo seus interesses políticos e econômicos. Tal comportamento faz-se perceptível na necessidade da realização de tratados para o acesso a terra, e organização efetiva dos funcionários imperiais no tocante ao comércio exterior e interno na América do Norte.
            No entanto, apesar de todos estes esforços do governo britânico no sentido legislativo, a execução funcional destas leis e tratados se tornava uma atividade hercúlea. O advento da conjuração de Pontiac só vem a confirmar as suspeitas dos britânicos de que, sozinha, sua colônia não poderia se defender, forçando assim, a proclamação de 1763, visando conjunturalmente administrar novas aquisições territoriais e resolver a problemática com os nativos. Esta nova postura britânica de 1763 impedia o avanço territorial dos colonizadores que, contrariados e cientes do posicionamento estratégico militar guardando a fronteira oeste, estariam constantemente ameaçados pela possibilidade deste mesmo exército se lançar sobre eles. Porém, o custo elevado desta operação, e o já evidente desgaste financeiro causado pela Guerra dos Sete Anos forçavam a metrópole a repensar o custeio da defesa, e considerar a divisão deste custeio com a colônia que se encontrava em notório status de privilégio.
O aumento da rigidez e rigor na cobrança de impostos sobre os colonos americanos e a criação de novas taxações visou melhorar a arrecadação dos britânicos – Lei do Açúcar, Lei das Fazendas, Lei do Selo – e melhorou, mas, em contrapartida, gerou uma reação contrária. A reação era no sentido da representação política, pois, criam os colonos serem tributados por um “organismo no qual não eram diretamente representados” (HEALE, 1991, p. 16) do ponto de vista político, uma vez que os membros não eram seus pares. A Lei do Selo fora tida como o estopim que deflagrou a insatisfação geral, pois, esta atingiu todos os segmentos da sociedade norte-americana. A linha de raciocínio muito bem descrita pelo autor, e que vai povoar de um modo geral a mentalidade dos colonos, após a fixação de todas estas medidas, é sintetizada na frase “talvez não possam ter propriedade alguma... mas estão na verdade reduzidas à mais abjeta escravidão” (HEALE, 1991, p. 16). Em outras palavras, “nem tudo o que produzirmos será inteiramente nosso, teremos sempre que pagar por tudo que desenvolvermos e criarmos e assim por diante” (Id, ibidem).
Fundados neste pressuposto, os colonos tentam impedir a importação para evitar tais impostos, enviar representantes que reivindicassem a igualdade de direitos políticos para os colonos, ou seja, que apenas fossem taxados pelos seus pares. Tais iniciativas foram negadas, mas, causaram um impacto positivo no sentido de fazer repensar as medidas britânicas, findando assim com o término da Lei do Selo em 1766. Apesar disto, a Lei de Declaração garantia aos parlamentares britânicos o direito de legislar para a colônia em caráter permanente. Com a continuidade da sonegação das colônias, Townshend estabelece a Lei da Receita, que por sua vez, também será fortemente combatida, mas esta desvia o antigo foco primaz da taxação da produção em prol da defesa da colônia em detrimento do pagamento do funcionalismo e corpo burocrático do império na América. Permitiu também uma maior autonomia e participação dos colonos nas operações administrativas e fiscais como no caso do Conselho Norte-Americano de Comissários Alfandegário, diminuindo assim sensivelmente a insubordinação do colonato contra estes procedimentos, mas, não a cessando em definitivo.
            Gradualmente, os colonos retomam suas reivindicações no sentido da representatividade legal de suas assembléias, no tocante a cobrança de taxas gerando novas manifestações e boicotes, desta feita, de maiores proporções chegando ao extremo do Massacre de Boston e após tal episódio, sob novo governo – Lord North – todas as taxas foram encerradas restando “apenas a que recaía sobre o chá, ‘como um sinal de supremacia do parlamento’” (HEALE, 1991, p. 19). Mesmo esta não era devidamente paga, pois ainda assim, os colonos contrabandeavam chá de outras origens que não a britânica, o que dificultou a atuação da alfândega e da lei per se e acumulou um sem número de pilhas de chá não absorvido pela colônia. Temendo a arbitrariedade britânica após o incidente da escuna Gaspée, os radicais norte-americanos começam uma campanha de propagação do sentimento antibritânico, como no Brasil tivemos o antilusitanismo no período regencial. Faço a analogia mais uma vez, pois, existem algumas como: 1) as intenções de evitar as arbitrariedades políticas por parte das respectivas metrópoles, 2) a predileção por altos cargos burocráticos aos não natos na terra colonizada por parte dos colonizadores et cetera.
            Para resolver o problema do chá, a medida fora a simples redução das taxas de alfândega para resultar em um preço final mais acessível e desestimular o contrabando do mesmo. Em adição a isto, permitiu-se, por parte dos britânicos, que os colonos americanos realizassem seu pleito antigo de ter sua representatividade garantida com o direito de “nomear seus próprios representantes para vender o chá nas colônias”, (HEALE, 1991, p. 20) mas, ainda assim, houve forte oposição local. Naturalmente, tal oposição fora movida pelas forças centrífugas[5] que, visando seus interesses, motivaram o movimento de rebelião que tomou conta da Filadélfia, Nova York, Boston (Boston Tea Party) e Charleston por exemplo. Temeroso por seu cargo, North então irá aplicar medidas coercitivas e exemplificadoras usando Boston como foco por ser o ponto de emanação das desordens (Coercitive Acts e Intolerable Acts, e também Quebec Act fora dos limites de Boston), e mais uma analogia com a América Latina, a lei contra ajuntamentos no Brasil Império, muito parecida com o impedimento de “reuniões públicas nas cidades” (HEALE, 1991, p. 21) citada por Heale.
            Tais medidas ao invés de surtirem um efeito organizador como esperado em Quebec, por exemplo, faz justamente o contrário. Deflagra-se uma resistência sem precedentes, levando à união global de todos os segmentos da sociedade  norte-americana: “Assembléias coloniais, reuniões públicas nas cidades e nos condados, jornais, clérigos e outros homens influentes denunciavam os atos do governo britânico” (HEALE, 1991, p. 21). Diante de tal impasse, a saída apenas parecia possível diante do diálogo aberto e democrático, o que foi feito em 1774 no congresso com representantes das doze colônias e, obviamente, representantes da metrópole. Exposto por parte dos norte-americanos o desejo de ampliação de seus direitos e acesso à própria administração, fica claro para os britânicos que não poderiam “ceder quanto à questão da autoridade soberana do Parlamento” (HEALE, 1991, p. 22), pois, se assim o fosse, fatalmente perderiam o controle das ações políticas e administrativas das colônias, e assim sendo, ambos os lados prepararam-se para o embate que parecia inevitável.
Já no capítulo três, partindo de “A perspectiva norte-americana”, o autor afirma que o que causou em definitivo os conflitos foi a persistente tentativa dos “ministérios britânicos em promover a administração do Império” (HEALE, 1991, p. 23). Contudo Heale vai neste início de capítulo enfatizar a tolerância britânica diante dos impasses políticos, econômicos e administrativos encarados nas colônias e a contingência hermenêutica de suas práticas e atitudes diante destes impasses em relação à interpretação dos americanos. Digo contingência hermenêutica pois, cada um tinha – como ainda o é hoje em relação a interpretação jurídica das leis estabelecidas – uma forma de ler e interpretar a Constituição. Assim sendo, o autor se debruçará, de novo, num exercício de alteridade propondo as leituras controversas que cada lado acabou fazendo das disposições legais da Constituição, e da certeza de cada uma das partes envolvidas, da legitimidade de sua interpretação. Estas visões assim se dispunham: 1) os britânicos de que faziam o melhor para protegê-los dos índios e vice-versa e garantir-lhes os direitos de súditos do rei de acordo com a Constituição vigente; e os americanos de que todos os magistrados eram corruptos e aptos a privar-lhes de sua liberdade constitucional. Desta forma, Heale faz ainda uma abordagem filológica da terminologia “liberdade”, no contexto histórico das animosidades, que seria a leitura americana para esta palavra, e, portanto, poder decidir administrativa, política e economicamente, seguramente fazia parte deste bojo, que por sua vez, era negado aos norte-americanos em sua ótica[6]. Baseado nesta contextualização, o autor propõe que criam os americanos que “se os colonos se submetessem às exigências absolutas do Parlamento (...) tornar-se-iam dependentes, ‘não na condição de homens livres, mas na de escravos’” (HEALE, 1991, p. 24).
Neste ponto, o conceito aproximado – forças centrífugas – que utilizo desde o princípio desta resenha toma corpo quando o autor revela um processo interno de hierarquização nas elites sociais das colônias que, com uma maior identificação com a terra de seu nascimento, –  a colônia – se propunham líderes naturais destas terras em questão, no caso, as suas respectivas colônias. Mais claro ainda fica na passagem: “Estes ricos fazendeiros, proprietários de terras e grandes negociantes não eram aristocratas, no sentido britânico, mas constituíam uma classe de fidalgos que exercia considerável influência social e política” (HEALE, 1991, p. 25). Esta elite manobra os autos da Constituição excluindo o que lhe era exógeno e pouco interessante e realçando os seus próprios interesses usando a própria Constituição como base e assim, usando-a para também limitar os poderes da representação régia em terras americanas. Detendo-se às questões da liberdade como ideal e escravidão como monstro a se evitar a todo custo, fundando se nos parâmetros da escravidão negra como exemplificadora da possibilidade da perda de liberdade, a vertente mais libertária da Constituição inglesa vai aparecer nos discursos desta elite política e intelectual que buscou sempre “exercer influência nas instituições políticas que se haviam estabelecido em cada colônia” (HEALE, 1991, p. 26). Com este discurso idealizado e difundido, as assembléias começam a angariar poder e influência política para aumentar sua autonomia, que era seu principal interesse, sempre seguindo o modelo e o formato organizacional da tradição parlamentar inglesa.
Um dado interessante apresentado pelo autor é o fato de que os colonos invocavam a origem inglesa como forma de reforçar suas reivindicações e aproximar os tratamentos legados a eles a partir desta evocação hereditária e consuetudinária do direito inglês estendido aos seus descendentes, os norte-americanos. Tal fato constitui para o autor um paradoxo, ou seja, o uso da “afirmação dos direitos de ingleses natos” (HEALE, 1991, p. 27). Também consta como curiosidade, como os norte-americanos esperavam “beneficiar-se das vitórias dos parlamentaristas e dos Whigs” (HEALE, 1991, p. 27), por uma questão de proximidade ideológica libertária e coincidiam seus pontos com as denúncias dos radicais John Trenchhard e Thomas Gordon no sentido de acusar os representantes do rei corruptos e causadores sensação da falta de liberdade iminente. Também, a partir destas denúncias de caráter panfletário das cartas dos radicais, boa parte das suspeitas, outrora infundadas dos norte-americanos, foram confirmadas. Corrupção, clientelismo, diminuição das liberdades dos populares e dos políticos (Câmara dos Comuns), são alguns pontos apontados que incentivaram os “colonos norte-americanos de proteger seus próprios privilégios” (HEALE, 1991, p. 27) e ainda a acreditar que eram os herdeiros do antigo direito constituído dos ingleses.  E foi exatamente esta visão radical acerca da política britânica que serviu como leitura americana das ações da metrópole que o autor chamou de “intenção sinistra” (HEALE, 1991, p. 29). Naturalmente, propõe ele, que esta descrição “sinistra” das atitudes da Grã-Bretanha, se refira a cada passo dado pelos britânicos no sentido de resolver o impasse entre a metrópole e sua colônia. Todavia, também, serve como justificativa para a manutenção da resistência das colônias e, sobretudo, como ardil álibi para inquietação das massas e não somente da aristocracia local, pois suas atitudes afetavam os interesses, atos e crenças dos homens e mulheres comuns.
O autor propõe ainda, dentro desta temática e perspectiva que, o que motivou definitivamente as reações nas colônias, foi o fato das ameaças e perdas econômicas parecerem inevitáveis para as elites locais “que se tornaram mais sensíveis quanto a seus direitos e liberdades constitucionais” (HEALE, 1991, p. 29), mas, ele tem o cuidado de esclarecer que não está reduzindo toda a causa das tensões, rebeliões, guerras e resistências ao fator econômico, mas, que este serviu de elemento aglutinador das idéias no tocante ao seu locus dentro da política imperial inglesa.
Assim, o autor retoma o momento após a Guerra dos Sete Anos, que ele aponta como momento inoportuno para a taxação em virtude da situação deficitária em que se encontravam os grandes comerciantes norte-americanos. A recessão econômica se abatera sobre os comerciantes que acuados financeiramente, sem êxodo para seus produtos, ainda tiveram que encarar a Lei do Selo. Como agravantes, a dependência norte-americana do crédito britânico, aponta para a fragilidade do poder decisório dos primeiros sobre sua economia e, consequentemente, das flutuações dos mercados externo e interno que ditava as regras de sua acumulação de riqueza. Por isto, a insatisfação com a centralização do poder nas mãos de um parlamento constituído por britânicos e não por pares norte-americanos. Diante de todo este quadro, as massas começam a aproximar-se dos ideais das elites por estarem “convencidos de que sua liberdade também estava ameaçada”  (HEALE, 1991, p. 31), levando alguns destes representantes das categorias mais humildes desta sociedade, a localizada na região norte-americana, a “posições de liderança [e] ideologia política popular própria ” (HEALE, 1991, p. 31).  Com as classes mais humildes neste movimento de resistência, o igualitarismo reforçou-se como uma palavra-chave pois, qualquer forma de hierarquização era vista como ameaçadora.
Heale vê ainda uma forte motivação econômica nas classes mais humildes da América do Norte. Segundo ele, em virtude da recessão econômica muitos oriundos das classes humildes perderam seus pequenos negócios e atividades mantenedoras, sendo alvo fácil para toda e qualquer oferta de atividade que lhes auxiliasse em sua sobrevivência. No caso dos pequenos comerciantes e artesãos arruinados, se viram muito bem aproveitados nas manufaturas locais e assim, apoiar os boicotes aos produtos ingleses e o combate a Lei do Selo, era uma questão central de sua própria sobrevivência e garantia de alguma atividade mantenedora. Como evitar a pobreza vindoura e a possível escravidão imposta pelos britânicos era a tônica dos apelos das elites locais, que por sua vez passou a incorporar, também, os discursos das massas; a questão econômica aparece como conditio sine qua non para alarmar de vez e mobilizar toda a população da colônia britânica na América do Norte. Naturalmente, o autor neste ponto faz mais uma ponderação quanto às dimensões e alcances da participação popular no movimento que, somente após algum tempo relativamente espaçado, aderiram ao movimento que possibilitou a Guerra de Independência. Aderiram mais pela “causa patriótica [e] pela convincente defesa que dela faziam seus superiores” (HEALE, 1991, p. 33), do que pela causa econômica em si.
 Heale ainda faz uma projeção de outros detalhes e particularidades deste movimento de resistência dentro das massas, tratando de expor aproveitadores de plantão (senhores locais) que receberam benefícios para favorecerem a metrópole, ou ainda, da influência religiosa que impulsiona lavradores e pequenos produtores a resistirem a toda forma de hierarquização eclesiástica primando pelo igualitarismo protestante (HEALE, 1991, p. 33). Diante da onda crescente do antibritanismo, aqueles que ainda não haviam se decidido ou optado por apoiar o movimento por razões econômicas ou patrióticas, resolveu por precaução aderir, pois, cada vez mais, ficava evidente quem sairia vencedor deste embate. Por fim, o autor conclui que o que de fato uniu elite e povo na colônia “foi o fato de concordarem que a política britânica, qualquer que fosse seu resultado, além disso, constituía uma ameaça às liberdades norte-americanas” (HEALE, 1991, p. 34). O fato de a metrópole tentar arrecadar algo para a defesa da colônia e obter um maior controle administrativo da América do Norte constituiu-se como atestado de extorsão de suas liberdades, e o fator agravante da presença marcante da escravidão negra povoou aterradoramente as mentalidades da época, fundindo/aproximando escravidão política com escravidão humana. E o exemplo mais próximo da realidade da escravidão humana que eles puderam imaginar – a escravidão negra –, era, por sua vez, muito cruel e temerosa neste contexto, por isto, partindo deste exemplo, faz sentido que a proteção à liberdade americana tenha se tornado um elemento aglutinador e motivador de grande parte de suas lutas. Assim, a escravidão negra serviu silenciosamente como item constitutivo e inconsciente do processo revolucionário norte-americano e, sobretudo, de objeto de exemplificação do que seria o terror da perda dos direitos básicos da vida humana...



[1] Fazendo aqui uma analogia à dissertação proposta e submetida por Von Martius à RIHGB para a descrição e escrita da história do Brasil.
[2] Aqui considerados do ponto de vista de sua ocupação geográfica.
[3] Espécie de “pacto colonial”, para uma analogia no caso Brasil e Portugal, ou Asientos no caso Espanha e América espanhola, que rezava pela exclusividade de comércio com as suas respectivas metrópoles.
[4] Basicamente entendo aqui como uma aproximação conceitual dos poderes locais das colônias propostos pela autora Cláudia Wasserman. Para maiores informações acerca desta discussão ver WASSERMAN, Cláudia (Org.) História da América Latina: Cinco Séculos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000. pp. 118-143, 177-214.

[5] Aqui expomos como forças centrífugas, mercadores, negociantes e investidores em diversos segmentos do comércio e política locais que se sentiram prejudicados com esta medida de redução das taxas, pois, se beneficiavam enormemente do contrabando estabelecido.
[6] Quanto à política governamental que precede o ano de 1763.

Bibliografia

HEALE, M. J. A revolução norte-americana. São Paulo: Ática, 1991, pp. 5-36.
WASSERMAN, Cláudia (Org.) História da América Latina: Cinco Séculos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000. pp. 118-143, 177-214.

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