A revolução norte americana no contexto da escravidão.
BADARÓ, Wilson Oliveira.
No
capítulo um do livro aqui tratado – Retrospecto da revolução norte-americana –
o autor M. J. Heale inicia sua abordagem ao tema propondo as diferentes
perspectivas sobre o que foi a revolução para diferentes estudiosos e, ainda,
se houve, de fato, uma revolução. A princípio, o autor expõe que há na
Grã-Bretanha uma aproximação causal da Guerra de Independência norte-americana
com a Revolução norte-americana que seria calcada, por sua vez, em premissas
militaristas. Naturalmente, como se faz em uma revisão bibliográfica que
justifica a produção intelectual de sua temática, o autor defende que esta
visão britânica esteja desfocada, e que outras propostas podem complementar
esta inadequação inicialmente exposta, passando por uma visão mais interna da
própria revolução, digo, a partir da perspectiva americana também.
Seguindo
por uma perspectiva que se propõe mais abrangente que a primariamente debatida pelos
britânicos, Heale fará uma série de exposições hipotéticas e conjecturais de
“como se deve – ou ao menos deveria – escrever a história da revolução
norte-americana”[1],
notada em várias passagens onde ele faz um verdadeiro exercício de alteridade e
distanciamento de seu objeto. Ao propor que se fosse esperado respostas de um
americano acerca de suas impressões da revolução, ele apresentar-nos-ia várias
vertentes não percorridas pela visão britânica da revolução. Tais vertentes
seriam, evidentemente, se isoladas, incompletas ainda, contudo, mais próximas
de uma realidade, de fato, que a visão militarista anterior. Tais visões
internas propostas, a partir deste exercício de alteridade do autor incluem: o
reconhecer dos norte-americanos livres do julgo britânico e as “mudanças
políticas e sociais importantes” (HEALE, 1991, pp. 5-6), ou ainda, que houve
uma substituição de formas de governo como “o domínio britânico, arbitrário e
despótico, por um sistema de governo baseado na divisão de poderes e uma
constituição escrita” (HEALE, 1991, p. 6).
Apontando
as incompletudes destas visões internas propostas acima, Heale retira delas
partes que conferem sentido de oposição à visão britânica, diferenciando
conceitualmente revolução de guerra de independência. Assim, o autor reforça
que uma revolução requer uma drástica mudança, que se faça notória dentro do
espaço que está sendo abordado e trata, também, de apresentar uma breve análise
doxográfica – da produção de outros autores – do que fora dito acerca da
contingência da existência, ou não, da revolução norte-americana e em caso
afirmativo, suas consequentes características.
Como
se faz em uma abordagem introdutória, neste capítulo o autor apresenta-nos as
principais problemáticas onde ele procurará responder-nos, expondo suas
inquietações e questionamentos, findando em dar-nos uma visão mais ampla do
complexo processo de revolução na América do Norte. As perguntas surgidas de
suas inquietações irão guiar e permear seu trabalho de reconhecimento da
revolução norte-americana para além de uma mera luta de independência,
perguntas como, qual a duração desta revolução? Quando acabou? Qual a relação
entre a formulação e institucionalização da constituição e o fim da revolução?
Qual a característica desta constituição? Favorável ou desfavorável aos
propósitos revolucionários em sua aparente ambiguidade historicamente proposta
pela historiografia? Com a ascensão do Presidente G. Washington, como
considerar o desfecho da revolução, vitorioso ou vencido? Estas são algumas
questões que permeiam o trabalho deste autor que encerra este capítulo com uma
interpretação do auge da revolução a partir da resistência apresentada tanto
interna – das mudanças e instabilidades políticas – como externamente – guerra
contra a Grã-Bretanha e afirma que a revolução, lato sensu, prol igualdade de direitos para todos os homens ainda
não terminou.
Já
no capítulo dois, intitulado “A
perspectiva britânica”, Heale observa a condição, outrora de submissão do
colonato americano, opondo-se aos “soldados de seu rei” (HEALE, 1991, p. 9) em
razão de uma revolta que visava impedir a sua escravização por parte dos
britânicos. Novamente, o autor propõe uma digressão que trabalhará no campo da
mentalidade, partindo de uma sensibilidade que requer uma forte presença da
alteridade por parte do historiador para compreender o temor da escravização,
sentido pelos americanos. Tendo este temor sua fundação após a Guerra dos Sete
Anos que marca uma mudança no comportamento dos líderes governamentais que, por
sua vez, tomam medidas em forma de impostos, consideradas pelos
norte-americanos avassaladoras, e suaves pelos britânicos, se comparadas aos
impostos cobrados na metrópole, gerando assim, toda esta celeuma entre
norte-americanos[2]
e britânicos. Vemos assim, numa interpretação britânica que acusa os norte-americanos
de recusar o pagamento de impostos que seriam, por sua vez, revertidos para a
sua própria administração e defesa e ainda, criam que, viviam os
norte-americanos com “um padrão de vida relativamente alto” exatamente pelo
fator de sonegarem este imposto através da Guerra de Independência (HEALE,
1991, p. 11).
Para
além da questão dos impostos, inclui-se o fator Navigation Laws[3] que
agravavam a já contestada situação dos impostos cobrados. Retomando a política
de mudanças por parte do império britânico após a Guerra dos Sete Anos, fato
que deflagra a insatisfação norte-americana e a sensação de iminente
escravidão, é preciso lembrar que nas possessões coloniais inglesas da América
do Norte “o povo britânico não era, porém, a única nação a penetrar no
continente americano” (HEALE, 1991, p. 12). Além da Grã-Bretanha, contava-se
ainda com a presença francesa e espanhola na América do Norte – Canadá e
Flórida respectivamente – o que ocasionou desavenças entre estas potências,
notadamente, com prejuízo de largas dimensões para a França, que por sua vez,
abdica de seu território em favor da Espanha.
Com
o término da Guerra dos Sete Anos, a Grã-Bretanha se vê amplamente fortificada,
contudo, estes reforço e ampliação incidem também em aumento territorial que
complicam em muito a gerência política do novo império que, oriundo de outras
tradições, políticas e culturas – espanholas e francesas –, dificultam o
trabalho governamental do primeiro ministro George Grenville. Então,
perceberemos o que Cláudia Wasserman vai chamar de “forças centrífugas”[4],
também atua aqui na América do Norte. Os poderes locais tentando se comportar
como “equivalentes locais do parlamento, [que] pretendiam exercer poderes antes
da alçada dos governadores régios” (HEALE, 1991, p. 13). Guardadas as devidas
proporções e percebendo que o espaço é, de fato, outro, não se pode negar a
tendência analógica que inspira tal comportamento social por parte do colonato
e seus representantes locais, tanto na América Latina, como na América do Norte
a se oporem aos representantes europeus e, conseguintemente, defendendo seus
interesses políticos e econômicos. Tal comportamento faz-se perceptível na
necessidade da realização de tratados para o acesso a terra, e organização
efetiva dos funcionários imperiais no tocante ao comércio exterior e interno na
América do Norte.
No
entanto, apesar de todos estes esforços do governo britânico no sentido
legislativo, a execução funcional destas leis e tratados se tornava uma
atividade hercúlea. O advento da conjuração de Pontiac só vem a confirmar as
suspeitas dos britânicos de que, sozinha, sua colônia não poderia se defender,
forçando assim, a proclamação de 1763, visando conjunturalmente administrar novas
aquisições territoriais e resolver a problemática com os nativos. Esta nova
postura britânica de 1763 impedia o avanço territorial dos colonizadores que,
contrariados e cientes do posicionamento estratégico militar guardando a
fronteira oeste, estariam constantemente ameaçados pela possibilidade deste
mesmo exército se lançar sobre eles. Porém, o custo elevado desta operação, e o
já evidente desgaste financeiro causado pela Guerra dos Sete Anos forçavam a
metrópole a repensar o custeio da defesa, e considerar a divisão deste custeio
com a colônia que se encontrava em notório status
de privilégio.
O aumento da rigidez e rigor na
cobrança de impostos sobre os colonos americanos e a criação de novas taxações
visou melhorar a arrecadação dos britânicos – Lei do Açúcar, Lei das Fazendas,
Lei do Selo – e melhorou, mas, em contrapartida, gerou uma reação contrária. A
reação era no sentido da representação política, pois, criam os colonos serem
tributados por um “organismo no qual não eram diretamente representados”
(HEALE, 1991, p. 16) do ponto de vista político, uma vez que os membros não
eram seus pares. A Lei do Selo fora tida como o estopim que deflagrou a
insatisfação geral, pois, esta atingiu todos os segmentos da sociedade
norte-americana. A linha de raciocínio muito bem descrita pelo autor, e que vai
povoar de um modo geral a mentalidade dos colonos, após a fixação de todas
estas medidas, é sintetizada na frase “talvez não possam ter propriedade
alguma... mas estão na verdade reduzidas à mais abjeta escravidão” (HEALE,
1991, p. 16). Em outras palavras, “nem tudo o que produzirmos será inteiramente
nosso, teremos sempre que pagar por tudo que desenvolvermos e criarmos e assim
por diante” (Id, ibidem).
Fundados neste pressuposto, os
colonos tentam impedir a importação para evitar tais impostos, enviar
representantes que reivindicassem a igualdade de direitos políticos para os
colonos, ou seja, que apenas fossem taxados pelos seus pares. Tais iniciativas
foram negadas, mas, causaram um impacto positivo no sentido de fazer repensar
as medidas britânicas, findando assim com o término da Lei do Selo em 1766.
Apesar disto, a Lei de Declaração garantia aos parlamentares britânicos o
direito de legislar para a colônia em caráter permanente. Com a continuidade da
sonegação das colônias, Townshend estabelece a Lei da Receita, que por sua vez,
também será fortemente combatida, mas esta desvia o antigo foco primaz da
taxação da produção em prol da defesa da colônia em detrimento do pagamento do
funcionalismo e corpo burocrático do império na América. Permitiu também uma
maior autonomia e participação dos colonos nas operações administrativas e
fiscais como no caso do Conselho
Norte-Americano de Comissários Alfandegário, diminuindo assim sensivelmente
a insubordinação do colonato contra estes procedimentos, mas, não a cessando em
definitivo.
Gradualmente,
os colonos retomam suas reivindicações no sentido da representatividade legal
de suas assembléias, no tocante a cobrança de taxas gerando novas manifestações
e boicotes, desta feita, de maiores proporções chegando ao extremo do Massacre
de Boston e após tal episódio, sob novo governo – Lord North – todas as taxas
foram encerradas restando “apenas a que recaía sobre o chá, ‘como um sinal de
supremacia do parlamento’” (HEALE, 1991, p. 19). Mesmo esta não era devidamente
paga, pois ainda assim, os colonos contrabandeavam chá de outras origens que
não a britânica, o que dificultou a atuação da alfândega e da lei per se e acumulou um sem número de
pilhas de chá não absorvido pela colônia. Temendo a arbitrariedade britânica
após o incidente da escuna Gaspée, os
radicais norte-americanos começam uma campanha de propagação do sentimento
antibritânico, como no Brasil tivemos o antilusitanismo no período regencial.
Faço a analogia mais uma vez, pois, existem algumas como: 1) as intenções de
evitar as arbitrariedades políticas por parte das respectivas metrópoles, 2) a
predileção por altos cargos burocráticos aos não natos na terra colonizada por
parte dos colonizadores et cetera.
Para
resolver o problema do chá, a medida fora a simples redução das taxas de
alfândega para resultar em um preço final mais acessível e desestimular o
contrabando do mesmo. Em adição a isto, permitiu-se, por parte dos britânicos,
que os colonos americanos realizassem seu pleito antigo de ter sua
representatividade garantida com o direito de “nomear seus próprios
representantes para vender o chá nas colônias”, (HEALE, 1991, p. 20) mas, ainda
assim, houve forte oposição local. Naturalmente, tal oposição fora movida pelas
forças centrífugas[5] que,
visando seus interesses, motivaram o movimento de rebelião que tomou conta da
Filadélfia, Nova York, Boston (Boston Tea Party) e Charleston por exemplo.
Temeroso por seu cargo, North então irá aplicar medidas coercitivas e
exemplificadoras usando Boston como foco por ser o ponto de emanação das
desordens (Coercitive Acts e Intolerable Acts, e também Quebec Act fora dos
limites de Boston), e mais uma analogia com a América Latina, a lei contra
ajuntamentos no Brasil Império, muito parecida com o impedimento de “reuniões
públicas nas cidades” (HEALE, 1991, p. 21) citada por Heale.
Tais
medidas ao invés de surtirem um efeito organizador como esperado em Quebec, por
exemplo, faz justamente o contrário. Deflagra-se uma resistência sem
precedentes, levando à união global de todos os segmentos da sociedade norte-americana: “Assembléias coloniais,
reuniões públicas nas cidades e nos condados, jornais, clérigos e outros homens
influentes denunciavam os atos do governo britânico” (HEALE, 1991, p. 21).
Diante de tal impasse, a saída apenas parecia possível diante do diálogo aberto
e democrático, o que foi feito em 1774 no congresso com representantes das doze
colônias e, obviamente, representantes da metrópole. Exposto por parte dos
norte-americanos o desejo de ampliação de seus direitos e acesso à própria
administração, fica claro para os britânicos que não poderiam “ceder quanto à
questão da autoridade soberana do Parlamento” (HEALE, 1991, p. 22), pois, se
assim o fosse, fatalmente perderiam o controle das ações políticas e
administrativas das colônias, e assim sendo, ambos os lados prepararam-se para
o embate que parecia inevitável.
Já no capítulo três, partindo de “A perspectiva norte-americana”, o autor
afirma que o que causou em definitivo os conflitos foi a persistente tentativa
dos “ministérios britânicos em promover a administração do Império” (HEALE,
1991, p. 23). Contudo Heale vai neste início de capítulo enfatizar a tolerância
britânica diante dos impasses políticos, econômicos e administrativos encarados
nas colônias e a contingência hermenêutica de suas práticas e atitudes diante
destes impasses em relação à interpretação dos americanos. Digo contingência
hermenêutica pois, cada um tinha – como ainda o é hoje em relação a
interpretação jurídica das leis estabelecidas – uma forma de ler e interpretar
a Constituição. Assim sendo, o autor se debruçará, de novo, num exercício de
alteridade propondo as leituras controversas que cada lado acabou fazendo das
disposições legais da Constituição, e da certeza de cada uma das partes
envolvidas, da legitimidade de sua interpretação. Estas visões assim se
dispunham: 1) os britânicos de que faziam o melhor para protegê-los dos índios
e vice-versa e garantir-lhes os direitos de súditos do rei de acordo com a
Constituição vigente; e os americanos de que todos os magistrados eram
corruptos e aptos a privar-lhes de sua liberdade constitucional. Desta forma,
Heale faz ainda uma abordagem filológica da terminologia “liberdade”, no
contexto histórico das animosidades, que seria a leitura americana para esta
palavra, e, portanto, poder decidir administrativa, política e economicamente,
seguramente fazia parte deste bojo, que por sua vez, era negado aos
norte-americanos em sua ótica[6].
Baseado nesta contextualização, o autor propõe que criam os americanos que “se
os colonos se submetessem às exigências absolutas do Parlamento (...)
tornar-se-iam dependentes, ‘não na condição de homens livres, mas na de
escravos’” (HEALE, 1991, p. 24).
Neste ponto, o conceito aproximado –
forças centrífugas – que utilizo
desde o princípio desta resenha toma corpo quando o autor revela um processo
interno de hierarquização nas elites sociais das colônias que, com uma maior
identificação com a terra de seu nascimento, – a colônia – se propunham líderes naturais
destas terras em questão, no caso, as suas respectivas colônias. Mais claro
ainda fica na passagem: “Estes ricos fazendeiros, proprietários de terras e
grandes negociantes não eram aristocratas, no sentido britânico, mas
constituíam uma classe de fidalgos que exercia considerável influência social e
política” (HEALE, 1991, p. 25). Esta elite manobra os autos da Constituição
excluindo o que lhe era exógeno e pouco interessante e realçando os seus
próprios interesses usando a própria Constituição como base e assim, usando-a
para também limitar os poderes da representação régia em terras americanas.
Detendo-se às questões da liberdade como ideal e escravidão como monstro a se evitar
a todo custo, fundando se nos parâmetros da escravidão negra como
exemplificadora da possibilidade da perda de liberdade, a vertente mais
libertária da Constituição inglesa vai aparecer nos discursos desta elite
política e intelectual que buscou sempre “exercer influência nas instituições
políticas que se haviam estabelecido em cada colônia” (HEALE, 1991, p. 26). Com
este discurso idealizado e difundido, as assembléias começam a angariar poder e
influência política para aumentar sua autonomia, que era seu principal
interesse, sempre seguindo o modelo e o formato organizacional da tradição
parlamentar inglesa.
Um dado interessante apresentado
pelo autor é o fato de que os colonos invocavam a origem inglesa como forma de
reforçar suas reivindicações e aproximar os tratamentos legados a eles a partir
desta evocação hereditária e consuetudinária do direito inglês estendido aos
seus descendentes, os norte-americanos. Tal fato constitui para o autor um
paradoxo, ou seja, o uso da “afirmação dos direitos de ingleses natos” (HEALE,
1991, p. 27). Também consta como curiosidade, como os norte-americanos
esperavam “beneficiar-se das vitórias dos parlamentaristas e dos Whigs” (HEALE, 1991, p. 27), por uma
questão de proximidade ideológica libertária e coincidiam seus pontos com as denúncias
dos radicais John Trenchhard e Thomas Gordon no sentido de acusar os
representantes do rei corruptos e causadores sensação da falta de liberdade
iminente. Também, a partir destas denúncias de caráter panfletário das cartas
dos radicais, boa parte das suspeitas, outrora infundadas dos norte-americanos,
foram confirmadas. Corrupção, clientelismo, diminuição das liberdades dos
populares e dos políticos (Câmara dos Comuns), são alguns pontos apontados que
incentivaram os “colonos norte-americanos de proteger seus próprios
privilégios” (HEALE, 1991, p. 27) e ainda a acreditar que eram os herdeiros do
antigo direito constituído dos ingleses.
E foi exatamente esta visão radical acerca da política britânica que
serviu como leitura americana das ações da metrópole que o autor chamou de
“intenção sinistra” (HEALE, 1991, p. 29). Naturalmente, propõe ele, que esta
descrição “sinistra” das atitudes da Grã-Bretanha, se refira a cada passo dado
pelos britânicos no sentido de resolver o impasse entre a metrópole e sua
colônia. Todavia, também, serve como justificativa para a manutenção da
resistência das colônias e, sobretudo, como ardil álibi para inquietação das
massas e não somente da aristocracia local, pois suas atitudes afetavam os interesses,
atos e crenças dos homens e mulheres comuns.
O autor propõe ainda, dentro desta
temática e perspectiva que, o que motivou definitivamente as reações nas colônias,
foi o fato das ameaças e perdas econômicas
parecerem inevitáveis para as elites locais “que se tornaram mais sensíveis
quanto a seus direitos e liberdades constitucionais” (HEALE, 1991, p. 29), mas,
ele tem o cuidado de esclarecer que não está reduzindo toda a causa das
tensões, rebeliões, guerras e resistências ao fator econômico, mas, que este serviu
de elemento aglutinador das idéias no tocante ao seu locus dentro da política imperial inglesa.
Assim, o autor retoma o momento
após a Guerra dos Sete Anos, que ele aponta como momento inoportuno para a
taxação em virtude da situação deficitária em que se encontravam os grandes
comerciantes norte-americanos. A recessão econômica se abatera sobre os
comerciantes que acuados financeiramente, sem êxodo para seus produtos, ainda
tiveram que encarar a Lei do Selo. Como agravantes, a dependência
norte-americana do crédito britânico, aponta para a fragilidade do poder
decisório dos primeiros sobre sua economia e, consequentemente, das flutuações
dos mercados externo e interno que ditava as regras de sua acumulação de
riqueza. Por isto, a insatisfação com a centralização do poder nas mãos de um
parlamento constituído por britânicos e não por pares norte-americanos. Diante
de todo este quadro, as massas começam a aproximar-se dos ideais das elites por
estarem “convencidos de que sua liberdade também estava ameaçada” (HEALE, 1991, p. 31), levando alguns destes
representantes das categorias mais humildes desta sociedade, a localizada na região
norte-americana, a “posições de liderança [e] ideologia política popular
própria ” (HEALE, 1991, p. 31). Com as
classes mais humildes neste movimento de resistência, o igualitarismo reforçou-se
como uma palavra-chave pois, qualquer forma de hierarquização era vista como
ameaçadora.
Heale vê ainda uma forte motivação
econômica nas classes mais humildes da América do Norte. Segundo ele, em
virtude da recessão econômica muitos oriundos das classes humildes perderam
seus pequenos negócios e atividades mantenedoras, sendo alvo fácil para toda e
qualquer oferta de atividade que lhes auxiliasse em sua sobrevivência. No caso
dos pequenos comerciantes e artesãos arruinados, se viram muito bem
aproveitados nas manufaturas locais e assim, apoiar os boicotes aos produtos
ingleses e o combate a Lei do Selo, era uma questão central de sua própria
sobrevivência e garantia de alguma atividade mantenedora. Como evitar a pobreza
vindoura e a possível escravidão imposta pelos britânicos era a tônica dos
apelos das elites locais, que por sua vez passou a incorporar, também, os
discursos das massas; a questão econômica aparece como conditio sine qua non para alarmar de vez e mobilizar toda a
população da colônia britânica na América do Norte. Naturalmente, o autor neste
ponto faz mais uma ponderação quanto às dimensões e alcances da participação
popular no movimento que, somente após algum tempo relativamente espaçado,
aderiram ao movimento que possibilitou a Guerra de Independência. Aderiram mais
pela “causa patriótica [e] pela convincente defesa que dela faziam seus superiores”
(HEALE, 1991, p. 33), do que pela causa econômica em si.
Heale ainda faz uma projeção de outros
detalhes e particularidades deste movimento de resistência dentro das massas,
tratando de expor aproveitadores de plantão (senhores locais) que receberam
benefícios para favorecerem a metrópole, ou ainda, da influência religiosa que
impulsiona lavradores e pequenos produtores a resistirem a toda forma de
hierarquização eclesiástica primando pelo igualitarismo protestante (HEALE,
1991, p. 33). Diante da onda crescente do antibritanismo, aqueles que ainda não
haviam se decidido ou optado por apoiar o movimento por razões econômicas ou
patrióticas, resolveu por precaução aderir, pois, cada vez mais, ficava
evidente quem sairia vencedor deste embate. Por fim, o autor conclui que o que
de fato uniu elite e povo na colônia “foi o fato de concordarem que a política
britânica, qualquer que fosse seu resultado, além disso, constituía uma ameaça
às liberdades norte-americanas” (HEALE, 1991, p. 34). O fato de a metrópole
tentar arrecadar algo para a defesa da colônia e obter um maior controle
administrativo da América do Norte constituiu-se como atestado de extorsão de
suas liberdades, e o fator agravante da presença marcante da escravidão negra
povoou aterradoramente as mentalidades da época, fundindo/aproximando
escravidão política com escravidão humana. E o exemplo mais próximo da
realidade da escravidão humana que eles puderam imaginar – a escravidão negra
–, era, por sua vez, muito cruel e temerosa neste contexto, por isto, partindo
deste exemplo, faz sentido que a proteção à liberdade americana tenha se
tornado um elemento aglutinador e motivador de grande parte de suas lutas. Assim,
a escravidão negra serviu silenciosamente como item constitutivo e inconsciente
do processo revolucionário norte-americano e, sobretudo, de objeto de
exemplificação do que seria o terror da perda dos direitos básicos da vida
humana...
[1]
Fazendo aqui uma analogia à dissertação proposta e submetida por Von Martius à
RIHGB para a descrição e escrita da história do Brasil.
[2]
Aqui considerados do ponto de vista de sua ocupação geográfica.
[3]
Espécie de “pacto colonial”, para uma analogia no caso Brasil e Portugal, ou Asientos no caso Espanha e América
espanhola, que rezava pela exclusividade de comércio com as suas respectivas
metrópoles.
[4]
Basicamente entendo aqui como uma aproximação conceitual dos poderes locais das
colônias propostos pela autora Cláudia Wasserman. Para maiores informações
acerca desta discussão ver WASSERMAN, Cláudia (Org.) História da América Latina:
Cinco Séculos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000.
pp. 118-143, 177-214.
[5]
Aqui expomos como forças centrífugas, mercadores, negociantes e investidores em
diversos segmentos do comércio e política locais que se sentiram prejudicados
com esta medida de redução das taxas, pois, se beneficiavam enormemente do
contrabando estabelecido.
[6]
Quanto à política governamental que precede o ano de 1763.
Bibliografia
HEALE, M. J. A revolução norte-americana. São Paulo: Ática, 1991, pp. 5-36.
WASSERMAN, Cláudia (Org.) História da América Latina: Cinco Séculos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000. pp. 118-143, 177-214.
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