O Fenômeno do Caudilhismo e
suas implicações na América colonial
BADARÓ, Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus
Considerações
Acredito que dividir os fenômenos por área ou
sociedade na qual se deu determinados acontecimentos independentistas seria uma
tarefa realmente hercúlea e digna para as intenções reais deste trabalho, no
entanto, também acredito que uma visão mais panorâmica e menos pontual,
incluindo os fenômenos que são comuns a todas as regiões como é o caso das noções de forças centrífugas, caudilhismo, elementos aglutinadores et cetera, e demais
conceitos trabalhados pelos autores que trabalharei e, por assim dizer, exporão
mais aprofundadamente a visão crítica dos fatos aí relacionados pelos
diferentes autores.
Baseado no texto motivador proposto, a saber, História da América latina: Cinco Séculos da autora Cláudia Wasserman, tratará de expor os principais
elementos constitutivos da formação dos Estados Nacionais na América Latina, e
os fenômenos socioeconômicos que incentivaram/moveram/atuaram nestes contextos.
Naturalmente, a autora estará apontando os fenômenos de forma sequencial e
pretensamente regionalizados, contudo, percebe-se amplamente o seu
direcionamento generalizante no sentido de apresentar continuidades em todos os
pontos evidenciados. Fatos comuns a todas as sociedades em formação de Estados
Nacionais que gerarão a confirmação de sua tese central:
O
problema da constituição dos Estados nacionais latino-americanos (SIC) era o
problema da hibridez de sua matriz econômico-social; a convivência de variadas
relações sociais de produção, que iam desde o escravismo até o capitalismo,
passando por diversos modos de servidão, colocava a questão de qual modo de
produção sairia vitorioso e dominante. (WASSERMAN, 2000, p. 205)
Porém, me parece que, a autora não considerou os fatos
explorados por relevantes economistas brasileiros – Roberto Campos e Celso
Furtado – que já haviam discutido tais questões, relacionadas ás condições dos
meios de produção material na América Latina e Brasil, na década de 1950. Ambos
concordaram que o subdesenvolvimento do Brasil e, consequentemente, de boa
parte da América Latina se deram em virtude desta "hibridização" dos
meios de produção variados e coexistentes. Naturalmente, haverá vários outros
fatores a se considerar, mas, acima de tudo, o fator técnico de produção. Daí,
a exploração destes grandes nomes da economia nacional e latinoamericana se
projetarem, em minha exclusiva opinião, no trabalho da Cláudia Wasserman de
forma positiva e complementar. Aqui apenas discuto a relevância da contribuição
histórica de ambos, e não suas implicações intrínsecas acerca de suas
contextualizações políticas, ou de seu uso no trabalho integral de Wasserman,
já que estes também tratam do mesmo espaço. Dito isto, podemos começar.
Resenha
Segundo Wasserman, a emancipação das colônias e a
difusão do capitalismo estão diretamente ligadas, pois, ambos estarão em
patamares de complementaridade intensos. Economia e sociedade de um lado,
política e militarismo do outro, são as bases dos fenômenos observados por
Wasserman. Fenômenos estes que também aparecem indistintamente nos trabalhos de
outros grandes pesquisadores que farão por sua vez, considerações e assertórias
acerca do mesmo ideário, ou se contraporão de forma parcial e alusiva.
Veremos que as idéias que discutem a validade do
conceito de nacionalidade aplicado ao processo de independência serão uma
constante em quase todos os trabalhos que tratam deste assunto como em Mader e
Pamplona (2007, p. 08), de como era ambíguo e anacrônico este conceito de
nacionalidade, já que o regionalismo imperava.
Partindo das afirmativas de Wasserman, o predomínio
burguês, crescente na Europa, trazia mudanças em todos os lados do mundo, e
principalmente, na América. Muito naturalmente, isto significou um profundo um
problema para a então ordem estabelecida, fundada no ancien regime ibérico, que se agravou, perceptivelmente com as
reformas dos Bourbons – que visava de forma ostensiva, recolonizar os
hispanoamericanos. Graças a uma minoria reacionária nas colônias que se opunha
ao rei de Espanha[1]
– também conhecida como elite criolla,
que, não defendia um interesse comum a todos, mas, sobretudo, seus próprios interesses – a
recolonização não se cristalizou. Segundo Prado, até mesmo a função
socializante da universidade e da Igreja se voltavam, primordialmente, para as
classes dominantes como que meritocraticamente (2004, p 108) . E é sabido que tais intervenções
educacionais e institucionais apoiaram o crescimento da análise crítica das
sociedades para a fundação de ideologias mais firmes e orientadas, contrariando
a idéia de uma política imatura e inconsequente da América, em relação aos Estados
Nacionais europeus.
Nesta altura, Wasserman irá propor que, o que de fato
faltou para uma organização mais evidente e tangível para aqueles que buscam as
bases eurocêntricas como modelo de análise dos processos de centralização das
sociedades, e que gerariam a posteriori a Argentina, México, Peru, Bolívia, Equador,
Chile e Colômbia enquanto Estados Nacionais, fora o "elemento aglutinador". Elemento este que Wasserman entende
como "uma comunidade de interesses que atuasse com êxito no plano
político." (WASSERMAN, 2000, p. 179) Percebe-se então que o fenômeno do
caudilhismo, também visto como as forças centrífugas, que agiam e defendiam
seus interesses de forma regional e não global, impediram que o processo de
difusão dos elementos mais peculiares do capitalismo se espraiasse
uniformemente em todos os campos dos meios de produção e relações de trabalho e
produção. Estas forças centrífugas
também, sentidas em todo o âmbito das colônias hispanoamericanas, impediram a
união territorial, já que, defendiam paulatinamente suas posses e seus
interesses, e estes, por sua vez, estavam ligados as formas tradicionais
coloniais outrora estabelecidas.
Observa a autora que quando os processos de
independência começam a se concretizar, estas forças centrífugas farão com que,
estes movimentos, signifiquem também, a consolidação de limites territoriais
que irão incidir depois, na fragmentação da colônia hispanoamericana em
variadas identidades regionais, geradas a partir da herança caudilhista e
tradição de pertença territorial. E como
este regionalismo defendia apenas o direito das elites locais, teremos uma
grande gama de revoltas, – chamadas
também de a fase das anarquias – guerras
civis e sublevações como no Uruguai de Artigas.
Para a autora, estes movimentos nada têm que ver com a
idéia de nacionalismo concebido atualmente e tanto é assim que
"formaram-se dezessete repúblicas, cujo limite territorial era dado pela
unidade administrativa ou comercial ou militar anteriores ao processo" (WASSERMAN,
2000, p. 181) confirmando assim o caráter contínuo das elites dominantes. Um
fator de modificação percebido não só por Wasserman, mas, sobremaneira, pelos
autores tratados por ela em seus debates historiográficos é a inserção das
influências capitalistas nas relações de trabalho, relações de produção e
relações internacionais, além de contar, naturalmente, com a importante
colaboração coercitiva das forças militares que acabam servindo de base de
controle das massas.
Afirmando as permanências tradicionalistas existentes
nas estruturas do Estado latinoamericano, mesclada às tendências políticas
externas que eram gradualmente absorvidas por eles, temos uma série de
problemas econômicos que independiam exclusivamente da organização do Estado
latinoamericano: como a crise britânica que reduzia suas demandas aos
primeiros, sacrificando-os por não disporem de uma economia interna
estabelecida e firme. Bolívia, Peru e México foram duramente afetados. Só que
devemos lembrar que o caos político e econômico foi geral em toda a América e no
Brasil, não foi diferente.
Daqui por diante, vê-se uma polarização de interesses entre
conservadores e liberais, mas, dentro desta polarização, um fator em comum: o
medo das classes populares e "perigosas", imbuído de exemplos anteriormente
percebidos no Haiti e São Domingos por exemplo.
Após o sofrível processo de independência[2],
é notório o desajuste social do ponto de vista político. Como dito a princípio,
não há ainda o elemento aglutinador que nos tempos coloniais se fazia perceber
com a coroa espanhola. Muito da preocupação das elites se voltara para obtenção
do reconhecimento de sua condição independente, e para tanto, o mínimo de
organização sociopolítica e econômica tinha de ser apresentada. Por isto teremos os sistemas constitucionais
entrando em vigor.
Passado o momento de turbulência, vemos a autora
apresentar uma fase de crescimento e "desenvolvimento" produtivo para
o setor primário prol exportação com mediação estatal e não autoregulável, como
queriam muitos economistas. Tal fase serve de indicador para as mudanças
necessárias nas estruturas em geral e principalmente na da consciência entre
conservadores e liberais da formação do Estado nacional em unidade. As
particularidades supra mencionadas são agora mais evidentes que nunca. Dentre
estas particularidade Wassermann apresentará o caso México, Argentina e Chile
como muito parecidos em um ponto. Os agentes geradores das forças centrifugas
que ao concentrarem o poder em seu meio, guiaram os rumos políticos de suas
sociedades. E o interessante é perceber como este poderio detido por um pequeno
grupo dominante pôde ser sentido em outras sociedades/localidades no caso do
Chile – Peru e Bolívia serão os afetados.
As divergentes propostas entre conservadores e
liberais, faz surgir uma constituição que como sempre, favorece as classes
elitistas, reduzindo o poder de ação das classes médias e alijando dos
processos decisórios toda e qualquer representatividade advinda das classes
populares. Tal decisão de instaurar uma constituição ditatorial no México foi a
saída do Texas da federação que leva a perda definitiva deste território e
mais, posteriormente, para os EUA.
Já na Argentina, o problema parte da predominância da
influência econômica dos portenhos (Buenos Aires) sobre as outras províncias, é
novamente causado pelas forças centrífugas aí atuantes: os caudilhos em todo
esplendor de sua "terratenência". Este predomínio portenho se dá pelo
simples fato deles se manterem a frente dos processos de importação/exportação
de produtos, manejando assim, ao seu bel prazer, taxas e preços aduaneiros em
geral. Contudo, alguns acontecimentos externos reforçam os caudilhos
provincianos e dá-sé início a uma quebra de braço caudilhista que só terminará
– parcialmente – com intervenção de Rosas. É notório o entrave causado nestes
dois Estados nacionais pelas forças centrífugas aí atuantes.
E muito naturalmente, no Chile não terá sido
diferente. Apesar de sua peculiaridade desenvolvimentista o Chile também irá
dispor de forças centrífugas que farão a concentração do poder em prol de
interesses comuns que irão impedir o equilíbrio natural da sociedade. Desta
feita, os dominantes serão conservadores da indústria tabageira que valida uma
constituição protecionista, no sentido de seus interesses e ditatorial do ponto
de vista democrático. Com relações política muito problemáticas com o Peru e a
Bolívia, o Chile via nestas complicações diplomáticas a chance de ampliar seu
território e melhorar sua condição econômica ainda mais. Como predito, com uma
política precocemente amadurecida e liberalista a estabilidade do Estado era
algo inevitável, fazendo o Chile despontar como um Estado diferenciado na
América Latina, próspero e integrado. A autora explora os vários conflitos
chilenos para além de Peru e Bolívia, incluindo também os conflitos com a
Argentina na Patagônia.
No caso Peru e Bolívia que a autora irá tratar
conjuntamente, ela apontará justamente razões de imutabilidade estrutural
política nestes Estados e a eles atribui-se a idéia permanente nesta obra de
forças centrífugas. Obviamente, aqui ela teve maior dificuldade de perceber
tais forças, pois, se mantiveram veladas abaixo da estrutura preexistente no
período colonial. O isolamento econômico destes estados para a autora é a
principal razão de seu subdesenvolvimento mais latente que em outros Estados
aliado a "impotência" das classes dominantes que aí se faziam
presentes. As semelhanças eram tamanhas entre os dois Estados que a união entre
eles era questão de tempo e assim se fez acontecer, todavia, os opositores –
que não eram poucos – também se fizeram presentes e através da guerra de Yungay
(ou jovem "feliz" em
inglês) desarticularam a Confederação formada por estes dois Estados. Por fim,
a consolidação de um produto específico em cada um destes Estados – salitre para
a Bolívia e o Guano para o Peru – leva as forças centrífugas aí a atuarem de
forma a terminarem com o isolamento geográfico imposto a princípio.
A partir destas iniciativas e ações geradas pelos mobiles centrífugos, o capitalismo
atuará praticamente como agente regulador e reformador da ordem social
latinoamericana, resignificando e destruindo tradições e relações sociolaborais
que renovaram as relações de produção e, sobretudo, socioeconômicas. A ação do
capitalismo incidirá sobre o trato de pessoas e por vezes motivará no caso dos
chineses (coolies) e estrangeiros no
Peru, entretanto, trará uma onda de expropriação de terra sem precedentes na
história da América Latina. A autora perceberá que as terras acabaram sempre
sendo direcionadas aos grupos elitistas já latifundiários e contrariavam as
leis vigentes. Neste processo de transformações, persistiu o desenvolvimento
material industrial fortemente capitalista junto aos antigos modos de produção
escravista e compulsório outrora existente. A reconversão das atividades
produtivas não foi total, mas, considerável. Uma onda de produção de matérias
primas sustentáveis e que fossem de alta aceitação no mercado externo se faz
notar e assim, está completada, mesmo que parcialmente, o ideal de liberação do
capitalismo apresentado assim pela autora:
As
reformas liberais no México, Guatemala e El Salvador foram responsáveis por
eliminar os obstáculos que o antigo ordenamento impunha ao capitalismo,
enquanto a apropriação de novas terras para a pecuária, a imigração européia e a formação de uma poderosa classe de
proprietários de terra construíram a chave do desenvolvimento econômico
argentino e costarriquenho ao longo do século XIX. (WASSERMAN, 2000, p. 207)
A autora irá relacionar o óbvio com uma lógica
conclusão: a queda dos caudilhos significa a ascensão do capitalismo. Assim, o
estado assumindo a posição de mediador dos tramites econômicos da nação,
subordinando a economia aos desígnios do estado e não o contrário, ao menos em
âmbito interno que irá sempre estar motivando a iniciativa privada nacional à
produção prol exportação. Será que me seria justo ver aqui uma nova versão dos asientos?! Como eu comecei com a
conclusão que a autora nos dá na citação da página 205, creio ser desnecessário
fazê-lo aqui outra vez. Não pactuo com a idéia determinista de que o estágio
final de desenvolvimento das forças produtivas se detenha necessariamente no
capitalismo, mesmo percebendo a alta capacidade adaptativa deste modo de
produção na atualidade, contudo, deve-se atentar para a fixação do Estado como
centralizador das ações políticas, econômicas e produtivas das nações em
questão haver se dado justo dentro deste sistema – o capitalista.
Referências Bibliográficas
WASSERMAN, Cláudia (Org.) História da América Latina: Cinco
Séculos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000. pp. 118-143,
177-214.
PRADO, Maria Ligia Coelho. A America Latina no Século XIX:
Tramas, telas e textos. São Paulo, Edusp, 2004. pp. 93-117.
PAMPLONA,
Marco A. et MÄDER, Maria Elisa (ORG.). Revoluções de independências e nacionalismos
nas Américas: Região do prata e Chile. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
pp. 07-26.
[1]
PAMPLONA, Marco A. et MÄDER, Maria Elisa (ORG.). Revoluções de independências e
nacionalismos nas Américas: Região do prata e Chile. São Paulo: Paz e
Terra, 2007.
[2]
Fatos que vimos mais ativamente no texto de Guazzelli onde trata mais
detalhadamente desde a crise do sistema colonial até os fatos intrínsecos que
levaram a sua derrocada definitiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário contribuição, sugestão crítica e dúvidas. Agradecemos antecipadamente pela participação e auxílio na construção do saber que é de todos!