domingo, 23 de dezembro de 2012

Formação dos Estados Nacionais na América Latina, e os fenômenos socioeconômicos envolvidos.


O Fenômeno do Caudilhismo e suas implicações na América colonial

BADARÓ, Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus

Considerações

Acredito que dividir os fenômenos por área ou sociedade na qual se deu determinados acontecimentos independentistas seria uma tarefa realmente hercúlea e digna para as intenções reais deste trabalho, no entanto, também acredito que uma visão mais panorâmica e menos pontual, incluindo os fenômenos que são comuns a todas as regiões como é o caso das noções de forças centrífugas, caudilhismo, elementos aglutinadores et cetera, e demais conceitos trabalhados pelos autores que trabalharei e, por assim dizer, exporão mais aprofundadamente a visão crítica dos fatos aí relacionados pelos diferentes autores.
Baseado no texto motivador proposto, a saber, História da América latina: Cinco Séculos da autora Cláudia Wasserman, tratará de expor os principais elementos constitutivos da formação dos Estados Nacionais na América Latina, e os fenômenos socioeconômicos que incentivaram/moveram/atuaram nestes contextos. Naturalmente, a autora estará apontando os fenômenos de forma sequencial e pretensamente regionalizados, contudo, percebe-se amplamente o seu direcionamento generalizante no sentido de apresentar continuidades em todos os pontos evidenciados. Fatos comuns a todas as sociedades em formação de Estados Nacionais que gerarão a confirmação de sua tese central:
O problema da constituição dos Estados nacionais latino-americanos (SIC) era o problema da hibridez de sua matriz econômico-social; a convivência de variadas relações sociais de produção, que iam desde o escravismo até o capitalismo, passando por diversos modos de servidão, colocava a questão de qual modo de produção sairia vitorioso e dominante. (WASSERMAN, 2000, p. 205)
Porém, me parece que, a autora não considerou os fatos explorados por relevantes economistas brasileiros – Roberto Campos e Celso Furtado – que já haviam discutido tais questões, relacionadas ás condições dos meios de produção material na América Latina e Brasil, na década de 1950. Ambos concordaram que o subdesenvolvimento do Brasil e, consequentemente, de boa parte da América Latina se deram em virtude desta "hibridização" dos meios de produção variados e coexistentes. Naturalmente, haverá vários outros fatores a se considerar, mas, acima de tudo, o fator técnico de produção. Daí, a exploração destes grandes nomes da economia nacional e latinoamericana se projetarem, em minha exclusiva opinião, no trabalho da Cláudia Wasserman de forma positiva e complementar. Aqui apenas discuto a relevância da contribuição histórica de ambos, e não suas implicações intrínsecas acerca de suas contextualizações políticas, ou de seu uso no trabalho integral de Wasserman, já que estes também tratam do mesmo espaço. Dito isto, podemos começar.

Resenha

Segundo Wasserman, a emancipação das colônias e a difusão do capitalismo estão diretamente ligadas, pois, ambos estarão em patamares de complementaridade intensos. Economia e sociedade de um lado, política e militarismo do outro, são as bases dos fenômenos observados por Wasserman. Fenômenos estes que também aparecem indistintamente nos trabalhos de outros grandes pesquisadores que farão por sua vez, considerações e assertórias acerca do mesmo ideário, ou se contraporão de forma parcial e alusiva.
Veremos que as idéias que discutem a validade do conceito de nacionalidade aplicado ao processo de independência serão uma constante em quase todos os trabalhos que tratam deste assunto como em Mader e Pamplona (2007, p. 08), de como era ambíguo e anacrônico este conceito de nacionalidade, já que o regionalismo imperava.
Partindo das afirmativas de Wasserman, o predomínio burguês, crescente na Europa, trazia mudanças em todos os lados do mundo, e principalmente, na América. Muito naturalmente, isto significou um profundo um problema para a então ordem estabelecida, fundada no ancien regime ibérico, que se agravou, perceptivelmente com as reformas dos Bourbons – que visava de forma ostensiva, recolonizar os hispanoamericanos. Graças a uma minoria reacionária nas colônias que se opunha ao rei de Espanha[1] – também conhecida como elite criolla, que, não defendia um interesse comum a todos, mas,  sobretudo, seus próprios interesses – a recolonização não se cristalizou. Segundo Prado, até mesmo a função socializante da universidade e da Igreja se voltavam, primordialmente, para as classes dominantes como que meritocraticamente (2004, p 108)     . E é sabido que tais intervenções educacionais e institucionais apoiaram o crescimento da análise crítica das sociedades para a fundação de ideologias mais firmes e orientadas, contrariando a idéia de uma política imatura e inconsequente da América, em relação aos Estados Nacionais europeus.
Nesta altura, Wasserman irá propor que, o que de fato faltou para uma organização mais evidente e tangível para aqueles que buscam as bases eurocêntricas como modelo de análise dos processos de centralização das sociedades, e que gerariam a posteriori a  Argentina, México, Peru, Bolívia, Equador, Chile e Colômbia enquanto Estados Nacionais, fora o "elemento aglutinador". Elemento este que Wasserman entende como "uma comunidade de interesses que atuasse com êxito no plano político." (WASSERMAN, 2000, p. 179) Percebe-se então que o fenômeno do caudilhismo, também visto como as forças centrífugas, que agiam e defendiam seus interesses de forma regional e não global, impediram que o processo de difusão dos elementos mais peculiares do capitalismo se espraiasse uniformemente em todos os campos dos meios de produção e relações de trabalho e produção.  Estas forças centrífugas também, sentidas em todo o âmbito das colônias hispanoamericanas, impediram a união territorial, já que, defendiam paulatinamente suas posses e seus interesses, e estes, por sua vez, estavam ligados as formas tradicionais coloniais outrora estabelecidas.
Observa a autora que quando os processos de independência começam a se concretizar, estas forças centrífugas farão com que, estes movimentos, signifiquem também, a consolidação de limites territoriais que irão incidir depois, na fragmentação da colônia hispanoamericana em variadas identidades regionais, geradas a partir da herança caudilhista e tradição de pertença territorial.  E como este regionalismo defendia apenas o direito das elites locais, teremos uma grande gama de revoltas, chamadas também de a fase das anarquias – guerras civis e sublevações como no Uruguai de Artigas.
Para a autora, estes movimentos nada têm que ver com a idéia de nacionalismo concebido atualmente e tanto é assim que "formaram-se dezessete repúblicas, cujo limite territorial era dado pela unidade administrativa ou comercial ou militar anteriores ao processo" (WASSERMAN, 2000, p. 181) confirmando assim o caráter contínuo das elites dominantes. Um fator de modificação percebido não só por Wasserman, mas, sobremaneira, pelos autores tratados por ela em seus debates historiográficos é a inserção das influências capitalistas nas relações de trabalho, relações de produção e relações internacionais, além de contar, naturalmente, com a importante colaboração coercitiva das forças militares que acabam servindo de base de controle das massas.
Afirmando as permanências tradicionalistas existentes nas estruturas do Estado latinoamericano, mesclada às tendências políticas externas que eram gradualmente absorvidas por eles, temos uma série de problemas econômicos que independiam exclusivamente da organização do Estado latinoamericano: como a crise britânica que reduzia suas demandas aos primeiros, sacrificando-os por não disporem de uma economia interna estabelecida e firme. Bolívia, Peru e México foram duramente afetados. Só que devemos lembrar que o caos político e econômico foi geral em toda a América e no Brasil, não foi diferente.
Daqui por diante, vê-se  uma polarização de interesses entre conservadores e liberais, mas, dentro desta polarização, um fator em comum: o medo das classes populares e "perigosas", imbuído de exemplos anteriormente percebidos no Haiti e São Domingos por exemplo.
Após o sofrível processo de independência[2], é notório o desajuste social do ponto de vista político. Como dito a princípio, não há ainda o elemento aglutinador que nos tempos coloniais se fazia perceber com a coroa espanhola. Muito da preocupação das elites se voltara para obtenção do reconhecimento de sua condição independente, e para tanto, o mínimo de organização sociopolítica e econômica tinha de ser apresentada.  Por isto teremos os sistemas constitucionais entrando em vigor.
Passado o momento de turbulência, vemos a autora apresentar uma fase de crescimento e "desenvolvimento" produtivo para o setor primário prol exportação com mediação estatal e não autoregulável, como queriam muitos economistas. Tal fase serve de indicador para as mudanças necessárias nas estruturas em geral e principalmente na da consciência entre conservadores e liberais da formação do Estado nacional em unidade. As particularidades supra mencionadas são agora mais evidentes que nunca. Dentre estas particularidade Wassermann apresentará o caso México, Argentina e Chile como muito parecidos em um ponto. Os agentes geradores das forças centrifugas que ao concentrarem o poder em seu meio, guiaram os rumos políticos de suas sociedades. E o interessante é perceber como este poderio detido por um pequeno grupo dominante pôde ser sentido em outras sociedades/localidades no caso do Chile – Peru e Bolívia serão os afetados.
As divergentes propostas entre conservadores e liberais, faz surgir uma constituição que como sempre, favorece as classes elitistas, reduzindo o poder de ação das classes médias e alijando dos processos decisórios toda e qualquer representatividade advinda das classes populares. Tal decisão de instaurar uma constituição ditatorial no México foi a saída do Texas da federação que leva a perda definitiva deste território e mais, posteriormente, para os EUA.
Já na Argentina, o problema parte da predominância da influência econômica dos portenhos (Buenos Aires) sobre as outras províncias, é novamente causado pelas forças centrífugas aí atuantes: os caudilhos em todo esplendor de sua "terratenência". Este predomínio portenho se dá pelo simples fato deles se manterem a frente dos processos de importação/exportação de produtos, manejando assim, ao seu bel prazer, taxas e preços aduaneiros em geral. Contudo, alguns acontecimentos externos reforçam os caudilhos provincianos e dá-sé início a uma quebra de braço caudilhista que só terminará – parcialmente – com intervenção de Rosas. É notório o entrave causado nestes dois Estados nacionais pelas forças centrífugas aí atuantes.
E muito naturalmente, no Chile não terá sido diferente. Apesar de sua peculiaridade desenvolvimentista o Chile também irá dispor de forças centrífugas que farão a concentração do poder em prol de interesses comuns que irão impedir o equilíbrio natural da sociedade. Desta feita, os dominantes serão conservadores da indústria tabageira que valida uma constituição protecionista, no sentido de seus interesses e ditatorial do ponto de vista democrático. Com relações política muito problemáticas com o Peru e a Bolívia, o Chile via nestas complicações diplomáticas a chance de ampliar seu território e melhorar sua condição econômica ainda mais. Como predito, com uma política precocemente amadurecida e liberalista a estabilidade do Estado era algo inevitável, fazendo o Chile despontar como um Estado diferenciado na América Latina, próspero e integrado. A autora explora os vários conflitos chilenos para além de Peru e Bolívia, incluindo também os conflitos com a Argentina na Patagônia.
No caso Peru e Bolívia que a autora irá tratar conjuntamente, ela apontará justamente razões de imutabilidade estrutural política nestes Estados e a eles atribui-se a idéia permanente nesta obra de forças centrífugas. Obviamente, aqui ela teve maior dificuldade de perceber tais forças, pois, se mantiveram veladas abaixo da estrutura preexistente no período colonial. O isolamento econômico destes estados para a autora é a principal razão de seu subdesenvolvimento mais latente que em outros Estados aliado a "impotência" das classes dominantes que aí se faziam presentes. As semelhanças eram tamanhas entre os dois Estados que a união entre eles era questão de tempo e assim se fez acontecer, todavia, os opositores – que não eram poucos – também se fizeram presentes e através da guerra de Yungay (ou jovem "feliz" em inglês) desarticularam a Confederação formada por estes dois Estados. Por fim, a consolidação de um produto específico em cada um destes Estados – salitre para a Bolívia e o Guano para o Peru – leva as forças centrífugas aí a atuarem de forma a terminarem com o isolamento geográfico imposto a princípio.
A partir destas iniciativas e ações geradas pelos mobiles centrífugos, o capitalismo atuará praticamente como agente regulador e reformador da ordem social latinoamericana, resignificando e destruindo tradições e relações sociolaborais que renovaram as relações de produção e, sobretudo, socioeconômicas. A ação do capitalismo incidirá sobre o trato de pessoas e por vezes motivará no caso dos chineses (coolies) e estrangeiros no Peru, entretanto, trará uma onda de expropriação de terra sem precedentes na história da América Latina. A autora perceberá que as terras acabaram sempre sendo direcionadas aos grupos elitistas já latifundiários e contrariavam as leis vigentes. Neste processo de transformações, persistiu o desenvolvimento material industrial fortemente capitalista junto aos antigos modos de produção escravista e compulsório outrora existente. A reconversão das atividades produtivas não foi total, mas, considerável. Uma onda de produção de matérias primas sustentáveis e que fossem de alta aceitação no mercado externo se faz notar e assim, está completada, mesmo que parcialmente, o ideal de liberação do capitalismo apresentado assim pela autora:
As reformas liberais no México, Guatemala e El Salvador foram responsáveis por eliminar os obstáculos que o antigo ordenamento impunha ao capitalismo, enquanto a apropriação de novas terras para a pecuária, a imigração européia  e a formação de uma poderosa classe de proprietários de terra construíram a chave do desenvolvimento econômico argentino e costarriquenho ao longo do século XIX. (WASSERMAN, 2000, p. 207)
A autora irá relacionar o óbvio com uma lógica conclusão: a queda dos caudilhos significa a ascensão do capitalismo. Assim, o estado assumindo a posição de mediador dos tramites econômicos da nação, subordinando a economia aos desígnios do estado e não o contrário, ao menos em âmbito interno que irá sempre estar motivando a iniciativa privada nacional à produção prol exportação. Será que me seria justo ver aqui uma nova versão dos asientos?! Como eu comecei com a conclusão que a autora nos dá na citação da página 205, creio ser desnecessário fazê-lo aqui outra vez. Não pactuo com a idéia determinista de que o estágio final de desenvolvimento das forças produtivas se detenha necessariamente no capitalismo, mesmo percebendo a alta capacidade adaptativa deste modo de produção na atualidade, contudo, deve-se atentar para a fixação do Estado como centralizador das ações políticas, econômicas e produtivas das nações em questão haver se dado justo dentro deste sistema – o capitalista.

Referências Bibliográficas
WASSERMAN, Cláudia (Org.) História da América Latina: Cinco Séculos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000. pp. 118-143, 177-214.
PRADO, Maria Ligia Coelho. A America Latina no Século XIX: Tramas, telas e textos. São Paulo, Edusp, 2004. pp. 93-117.
PAMPLONA, Marco A. et MÄDER, Maria Elisa (ORG.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas: Região do prata e Chile. São Paulo: Paz e Terra, 2007. pp. 07-26.



[1] PAMPLONA, Marco A. et MÄDER, Maria Elisa (ORG.). Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas: Região do prata e Chile. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
[2] Fatos que vimos mais ativamente no texto de Guazzelli onde trata mais detalhadamente desde a crise do sistema colonial até os fatos intrínsecos que levaram a sua derrocada definitiva.

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