sábado, 18 de maio de 2013

Docência "renovada" e "tradicional": uma análise resumida

Tradição ante renovação: leituras e anotações.


BADARÓ, Wilson Oliveira


Inicialmente, podemos diferenciar, partindo de uma observação prática da ação docente, a diferença entre a prática docente dita "tradicional" e a famigerada prática "renovada". Apoiado em Geraldo Horn e Geyso Germinari, podemos dizer que uma prática docente tradicional se caracteriza por uma digressão pretensamente hierarquizada entre aluno e o professor, e contrapondo-se à primeira, uma das formas que pode ser lida como "renovada" – a dialética – propõe justamente o oposto, ou seja, ao invés de um distanciamento, uma aproximação mais empática entre aluno e professor (2006, p. 107).
No mesmo sentido de leitura da realidade diferencial entre as práticas "tradicional" e as ditas "renovadas", para Circe Bittencourt, também, o tradicional se constitui "pela ligação entre conteúdo e método, ambos associados a uma relação autoritária entre professor e aluno e entre a hierarquia de saberes" (2008, p. 227). Como percebe-se, há uma espécie de consenso no que seja a prática tradicional entre estas duas obras expostas e, assim sendo, resto-nos definir os limites do que seria então a prática docente "renovada".
Como um conceito mais preciso parece ainda não estar devidamente forjado, fica-nos, então, a sensibilidade de notar que a principal diferenciação entre ambas as práticas, não necessariamente opostas, como relata Bittencourt, pois, "a prática escolar já comprovou que muitos conteúdos e métodos escolares tradicionais são importantes para a formação dos alunos e não convém serem abolidos ou descartados em nome do 'novo'" (2008, p. 229), está nas formas de exposição dos conteúdos históricos e uso dos imediato dos métodos a serem abordados em sala de aula.
Manejando habilmente os conteúdos e os métodos, considerando as condições materiais, intelectuais e metodológicas, o professor terá por diante uma bifurcação de caminhos a seguir, e ao escolher, repassará (ou não) aos seus alunos a mesma escolha bipartite – ser produtor de conhecimento a partir de um posicionamento politicamente crítico ou mero(s) reprodutor(es) destes mesmos conhecimentos. (BITTENCOURT (org.), 2008, p. 57) Se optar pela primeira opção, poderá estimular nos alunos um comportamento mais crítico e, politicamente mais atuante. Caso opte pela segunda, os temores do ensino tradicional reproducionista e meramente mnemônico poderão potencialmente prevalecer. É neste ponto que a grande relação conteúdo/método se instala. Desta forma, o método "renovado" está intimamente ligado às formas do método de docência e da organização dos conteúdos propostos inserindo o aluno no processo de construção do conhecimento. Já no tradicional, o aluno é, em certa medida, alijado deste processo face ao sentido hierarquizante proposto por este onde o professor é o detentor máximo do saber e o aluno apenas um receptáculo contemplador das migalhas cognoscitivas sobejadas por este primeiro. Como para todas as regras existem exceções, como fora dito em sala de aula pelo professor Sérgio Armando Diniz Guerra Filho, "é possível se trabalhar com recursos 'renovados' de forma 'tradicional'", assim bem como acredito que seja possível o reverso.
Partindo desta assertiva supramencionada, a tematização dos conteúdos aparecem como uma grande inovação, guardadas as devidas proporções, cuidados e medidas para que, ao tematizar, não se retorne a uma cronologia implícita e travestida de tematização[1]. O que é muito perigoso. Também, como parte integrante das "renovações", dispomos do método dialético onde Bittencourt apresenta em ambas as obras aqui já citadas a validade e viabilidade de seu uso, partindo-se primariamente do conhecimento prévio dos alunos, onde o professor também, deve estar, antecipadamente inserido na realidade social, econômica e cultural do aluno. A intenção é respeitar as novas demandas da atual cultura escolar que preza pela compreensão e aplicação prática das urgências do multiculturalismo (SILVA E FONSECA, 2007, pp. 43-64) instalado na sociedade atual como um todo, o que não é diferente dentro do espaço pedagógico, afastando-se assim da proposta "monológica" do ensino, pretensamente hierárquico dos saberes, da prática tradicional.
Neste ponto, Selva Fonseca considera que a escolha entre a exposição de conteúdos significativos com recortes cronológicos ascendentes – tradicionais – e, temáticos – mais complexos –, podem fazer uma grande diferença (2008, pp. 137-139). Contudo, em qualquer um dos formatos, passaremos pelo duro crivo da seleção dos conteúdos.
A ideia do método dialético prevê conhecer a realidade do aluno para que se possa, evidentemente, tramitar com substância entre o micro – o indivíduo que, por sua vez, pode ser (preferencialmente) o aluno – e o macro – as instituições, as sociedades etc. Com tal perspectiva, naturalmente teremos uma maior aproximação do alunado por perceberem que, obviamente, cada indivíduo faz parte de um todo de forma quase que orgânica. Por assim dizer, na dialética, pela aproximação entre ambas as partes envolvidas no processo ensino/aprendizagem, as relações tendem a ser mais profícuas, enquanto que na abordagem tradicional, a hierarquização proposta pode servir, a priori, de entrave entre estas partes.
Notadamente, retomando uma proposição já supramencionada, no quesito linguagens e fontes, pode-se trabalhar com instrumentos tidos como de orientação "renovada" mas, de forma bastante tradicional, ou seja, mantendo-se a leitura histórica "cronologizante" e reproducionista, e sobretudo, hierárquica. Ou ainda manter o foco exclusivamente no livro didático e expurgar, desconsiderando de toda discussão, as possibilidades de outras fontes e linguagens possíveis para a prática docente. Contudo, Selva Fonseca em sua obra "Didática e prática de ensino de história" nos dá grandes ideias de como trabalhar as diferentes linguagens e fontes de forma renovada. Segundo esta autora,
esse debate faz parte do processo de crítica ao uso exclusivo de livros didáticos tradicionais, da difusão dos livros paradidáticos, do avanço tecnológico da indústria cultural brasileira e, sobretudo, do movimento historiográfico que se caracterizou pela ampliação documental e temática das pesquisas. (FONSECA, 2003, p. 163)

Tal afirmação implica no reconhecimento do uso de outros instrumentos, linguagens e fontes como possibilidade de visualização, acesso e leitura do passado e como estas outras possibilidades podem ser incorporadas aos conteúdos e métodos do ensino de História. Ainda segundo Fonseca, o ideal é a ampliação "das opções metodológicas (...) tornando o processo de transmissão e produção de conhecimento interdisciplinar, dinâmico e flexível", (FONSECA, 2003, P. 163) lançando mão de leituras de produções cinematográficas, análise de discurso em poemas e músicas, compreensão do contexto histórico da urgência e necessidade da produção de determinadas fontes e documentos que, anteriormente, no ensino dito tradicional, estariam alijados do processo de ensino aprendizagem.
Para uma compreensão mais ampla dos mecanismos e instrumentos possíveis e passíveis de uso pelo docente de história, a autora Fonseca nos dá uma apresentação conceitual do que ela entende por linguagens:
(...) todas as linguagens, todos os veículos e materiais, frutos de múltiplas experiências culturais, contribuem com a produção/difusão de saberes históricos, responsáveis pela formação do pensamento, tais como os meios de comunicação de massa – rádio, TV, imprensa em geral –, literatura, cinema, tradição oral, monumentos, museus etc. (FONSECA, 2003, p. 164)
Por tanto, deve se atentar, enquanto docente, sobretudo, para as diversas possibilidades de abordar um conteúdo com os diversos instrumentos, linguagens e fontes possíveis, no sentido de alcançar os objetivos esperados da disciplina de história (exposição, discussão e retenção crítica e reflexiva dos conteúdos), alcançando, também, o interesse e participação mais ativa dos estudantes que, perceberão nesta forma diversificada de entender e ler a história e, uma multiplicidade de possibilidades, quebrando, assim, com ideia traumática de um estudo linear e meramente conteudista.
Vale notar os cuidados requeridos para se lançar mão destes recursos. Não se perder o foco dos objetivos do planejamento proposto evidenciando os recursos audiovisuais e tecnológicos e secundarizando a leitura necessária para se compreender com maior propriedade os fenômenos abordados por estes recursos. Por isto, deve-se ter em mente, a necessidade de uma dosagem compreensiva dos alcances e efeitos destes recursos propiciados pela prática "renovada".
Como vimos ao longo desta discussão, há uma diferença significativa entre os modelos de docência tradicional e renovada e suas respectivas práticas. Dentro de ambas as formas, percebe-se a necessidade de um refino no quesito planejamento escolar[2], para a escolha da melhor forma e maior adequação dos conteúdos e metodologias que deverão se fazer presentes para melhor proveito dos alunos e, consequentemente, do professor.
Considerando a multiplicidade de instrumentos disponíveis ao professor na atualidade, Circe Bittencourt aponta para a complexidade da composição e teor dos livros didático e suas diversas possibilidades de uso e leitura[3] onde, em seu terceiro capítulo ela discute o uso e concepções dos materiais e instrumentos didáticos e várias outras implicações. Também como grande desafio para ambas as formas de lecionar é a inserção e discussão dos atuais docentes na presente ideia de multiculturalismo e cultura escolar que vem requisitando mudanças nas relações escolares e maiores considerações por parte dos professores em relação ao espaço pedagógico. Compreender que as tendências ao imediatismo, consumismo, edonismo e os constantes efeitos transformacionais e metamórficos da globalização e mundialização cultural tem exercido sobre a sociedade e, sobretudo, sobre os jovens que, por sua vez, são os maiores focos destes fenômenos atuais.
Diante destas considerações vale repensar se tudo é, de fato, história. Independente da escolha teórico-metodológica optada, tanto tradicionalistas quanto renovados devem atentar para as suas posições políticas e, produzir de acordo com a suas observações, discussões que preencham as lacunas deixadas pela indústria cultural, como bem problematiza Bittencourt em obra aqui já citada (2008, p. 56). Lacunas estas que, também são apontadas como historicamente construídas pelos professores Juvenal de Carvalho discutindo a lei 10.639 e Kabenguele Munanga com a forte influência de uma educação eurocêntrica e fundada num mito de democracia racial.[4] Tratam ambos de apontarem para uma certa intencionalidade política nas seleções de conteúdos que serão abordados, em sua maioria pelos PCNs, e também pela exclusão de assuntos que dão uma maior visão acerca da realidade mundial, expondo com maior abrangência todas as múltiplas realidades existentes.
Cabe ao educador ao educador utilizar-se sabiamente de todos os elementos existentes tanto no método renovado como no método tradicional para empreender com mais desenvoltura suas atribuições, sabendo ele – o educador – que ambos são válidos, mas há prós e contras, cuidados e atenções necessárias para ambos. Utilizando-se sabiamente de todos os recursos e ferramentas que ambos podem oferecer, equilibradamente,  jaz o conceito da noção mais ampla e eficaz de uma docência consciente e transformadora.



[1] Cf. HORN, Geraldo Balduíno e GERMINARI, Geyso Dongley. O ensino de História e seu currículo: Teoria e método. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
[2] Veja para maiores discussões acerca da ideia de planejamento para a docência:  LUCKESI, Cipriano Carlos.  Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 12. Ed – São Paulo: Cortez, 2002. E também, de forma mais filosófica: LIBÂNEO, José Carlos.  Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
[3] Para ampliação desta discussão confira o livro BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes.  Ensino de história: fundamentos e métodos. 2 ed. – São Paulo: Cortez, 2008.
[4] Projeto História. CARVALHO, Juvenal. A ideia de África: obstáculo para o ensino de história africana no Brasil. São Paulo, n. 44, pp. 343-353, jun. 2012. E também:  MUNANGA, Kanbengele (org). Superando o racismo na escola. 2ª edição revisada.  Ministério da educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 2005.

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