Análise conjunta do filme "O que É isto, companheiro?" E do livro "Versões e ficções: O sequestro da História".
BADARÓ, Wilson Oliveira
Introdução
Os autores, nesta obra, tratam de
revelar uma crítica incisiva e, à medida do possível, construtiva, ao filme
"O que É isto, companheiro?"
apontando diversos fatores que se ausentaram na produção cinematográfica de autoria
de Bruno Barreto, assim bem como elementos que foram inseridos indevidamente na
opinião de maior parte dos autores incluídos na obra "Versões e ficções: O sequestro da História".
Dentro destas críticas, algumas são
recorrentes e entram em consenso com as de outros autores, outras descambam para
dimensões mais especificas e resgatam detalhes pouco perceptíveis à
espectadores menos atentos ou iniciados nestas discussões. Por fim, uma obra
indispensável para quem quer se apropriar de um conhecimento mais realista em
relação aos fatos deste contexto histórico e suas diferentes versões e
possibilidades.
Inicialmente, a maior concentração
dos esforços dos autores no sentido de sua produção intelectual crítica se faz
notória na leitura do filme, assim, o filme se configura em principal fonte
para os autores. Em outros casos específicos, lançam mão da obra original, de
autoria de Fernando Gabeira também chamado de "O que É isto, companheiro?", com o intuito de perceber
discrepâncias em relação ao originalmente proposto pelo autor.
Apresentação do(s) autor(es)
Por
se tratar de uma obra de coletânea, ou seja, uma obra organizada, não temos um
autor central responsável pelos créditos específicos da obra como um todo,
assim sendo, faremos uma breve apresentação dos autores relacionados com a
apresentação do conteúdo deste livro. São eles:
§ Alipio
Freire: Jornalista e Artista Plástico. Militante da Ala Vermelha e esteve preso
de 1969 a 1974.
§ Celso
Horta: Jornalista. Militante da ALN, membro de um dos GTAs (Grupos Armados
Táticos) e Testemunha da passagem de Jonas pelo cárcere da Operação
bandeirantes (Oban)
§ César
Benjamim: Editor da Editora Contraponto. Foi membro da Dissidência Comunista da
Guanabara em 1969.
§ Consuelo
Lins: Jornalista, professora de Cinema da Escola de Comunicação da UFRJ e
doutora em cinema pela Universidade de Paris III.
§ Daniel
Aarão Reis Filho: Professor Titular de História Contemporânea Universidade
Federal Fluminense (UFF). Foi membro da Dissidência Comunista da Guanabara em
1969.
§ Dulce
Muniz: Atriz, diretora teatral e socialista.
§ Elio
Gaspari: Jornalista.
§ Emir
Sader: Professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
§ Franklin
Martins: Jornalista. Foi membro da Dissidência Comunista da Guanabara em 1969.
§ Helena
Salem: Socióloga, Jornalista e mestra em História da Cultura.
§ Idibal
Piveta (César Vieira): Advogado militante dos direitos humanos e diretor do
Teatro Popular União e Olho Vivo.
§ Izaías
Almada: Escritor, dramaturgo e roteirista. Preso em 69 como militante da VPR.
§ Jorga
Nahas: Médico, Ex-militante da Colina (Comando de Libertação Nacional) e da VPR
(Vanguarda Popular Revolucionária). Preso em 69.
§ Marcelo
Ridenti: Professor-assistente doutor em Sociologia pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp).
§ Paulo
Moreira Leite: Jornalista e redator chefe da revista Veja.
§ Renato
Tapajós: Escritor e cineasta. Foi militante da Ala Vermelha do PC do B.
Fontes
Os
autores abordam o objeto de estudo, que é explicitamente o de apontar as
deficiências do tratamento histórico do filme em relação aos fatos,
utilizando-se do filme criticado, enquanto linguagem de informação oriundo da
indústria cultural, e, naturalmente, como fonte objetiva de extração dos dados
e contraposições explicitadas em suas colocações.
Também,
verifica-se o uso de fontes orais como depoimentos e entrevistas, uma vez que,
mesmo alguns dos escritores autores vivenciaram o contexto histórico abordado.
Evidentemente que tal situação, mune os autores com argumentos e interpretações
diferenciadas, auxiliando em suas leituras mais realísticas, mas, não menos
subjetivas.
Aparecem
também como fontes, manifestos como o manifesto anexo da ANL e MR-8 que retrata
os ideais e motivações dos opositores do sistema governamental vigente e,
sobretudo, seus mecanismos de combate e manejos contra o governo. Materiais
oriundos da indústria cultural como outros filmes que não o presente criticado,
peças teatrais, música, artes plásticas, artísticas em geral. Fontes impressas são também citadas como o
Jornal "O Globo", os livros de Gabeira e Venturi. E por fim, os atos
institucionais (as AI's).
Metodologia
O método
comparativo é amplamente e, obviamente utilizado à medida que os autores
evidenciam outras possibilidades de descrição da realidade do contexto abordado
comparando o posicionamento político, referencial bibliográfico, relatos e depoimentos
e, até mesmo, cinematográfico dos autores do filme "O que É isso, companheiro?" com o de outros filmes que tratam
da mesma temática. Estas comparações surgem como guias que poderiam haver dado
uma outra roupagem e maior veracidade aos fatos expostos neste filme tão
criticado em todos os ângulos possíveis. Os autores propõem ou um evidente
desconhecimento ou uma intencionalidade ligada a interesses politicamente,
socialmente e economicamente orientados. Pendendo mais para as inclinações políticas
de uma corrente tratada ao longo da obra como "conciliadora" que
tenta evitar a todo o custo o revanchismo e a naturalização ou absolvição da
ditadura militar e toda a sua parafernália repressiva.
Neste
mesmo seguimento, a análise do discurso aparece como confirmadora das suspeitas
dos autores na medida em que os discursos são trocados para favorecer a um
personagem historicamente situado – caso Jonas –, causando, como por consequência
o possível fenômeno nocivo da reversão dos fatos históricos para a sociedade
espectadora que irá manter contato com esta produção. Obviamente, o fator
nocivo está em como estes espectadores interpretarão o filme e como, depois,
reproduzirão os fatos nele contidos. A análise do discurso é também útil para
alguns autores que mapearam as falas dos autores do filme em diferentes
momentos e expuseram isto na obra, aqui, entramos na questão da abordagem do
filme, se fictícia ou histórica documental e relacionada com a realidade histórica
de fato. Sendo também cabível, neste mesmo seguimento, incluir o processo
hermenêutico de leitura e diferentes interpretações de um mesmo passado e a
luta entre as diferentes partes envolvidas pela apropriação do passado e da memória.
De um lado os autores deste livro que vivenciaram este passado e de outro
aqueles que acessam e expõem este mesmo passado através do livro de Gabeira
que, a posteriori, tornou-se este filme
aqui discutido.
O método
de análise imagética, embora usado em menor escala em relação aos outros
supramencionados está, também, intimamente ligado ao processo de crítica do
filme pois, é justamente através destas imagens veiculadas no filme que os
autores do livro "Versões e ficções:
O seqüestro da História" se apoiarão para perceber intenções,
gesticulações que reforçam uma fala, o panorama de um momento histórico
retratado, que aliás, neste quesito, houve alguns elogios, relacionado à cena
final com a atriz em cadeira de rodas.
Objeto
O
objeto central do livro é a discussão da legitimidade histórica da reprodução
cinematográfica sobre o sequestro do
embaixador norte americano e seu contexto histórico envolvendo personagens
reais que ora a produção aparece, na fala do autor do filme, como fictícia e
ora como reprodutora da realidade histórica dada. Assim sendo, os autores resolvem
contar uma versão diferenciada e mais pautada em dados e fontes mais
apropriadas para fazê-lo, uma vez que, maioria deles desconsidera a obra de
Gabeira como uma obra historiográfica usável.
Ideias Centrais
Antagonizar
firmemente o filme pouco comprometido com a realidade histórica e sua possível
tendência maniqueísta.
Apresentar
uma leitura alternativa e revisada a partir de uma carga de indícios históricos
documentais e de revisão historiográfica em contraposição à tentativa de
apropriação da memória de um dado momento do passado – caso do sequestro do
embaixador estadunidense – que fora, por
sua vez, veiculada pelo cinema nacional.
Mostrar,
partindo da organização e execução do sequestro do embaixador como os grupos de
esquerda estavam bem organizados para a feitura de suas atribuições e
contrariar a ideia de uma imaturidade e irresponsabilidade do grupo – MR-8 e
ANL – mostrada no filme. E por fim, o plano de viabilizar uma guerrilha a
partir das áreas rurais.
Apontar
mais incisivamente a realidade política e social imposta pelo regime da
ditadura militar, dados não muito claros no filme a partir da apresentação de
detalhes sobre a tortura (recorrente em todos os artigos) enquanto aparato e política
de estado amplamente utilizada neste contexto e denunciá-la devidamente em toda
sua amplitude. Tal assunto foi minorizado e tangenciado pelo filme em questão.
(Crueldade, brutalidade e perversidade). (Ideia de atos de tortura previamente
racionalizados e preparados).
Mostrar
como a sociedade também compartilhava das ideias dos movimentos de resistência
ao regime evidenciando o momento histórico (manifestações populares, operárias,
estudantis, e sobretudo, artísticas e culturais em favor da resistência e
oposição ao regime.
Corrigir
os vários erros históricos contido no filme e injustiças com atores históricos
envolvidos na trama cinematográfica veiculada – caso Jonas e o torturador
inversos. Caso transa de militante Renée com o chefe da segurança da embaixada.
(Caso da redação do manifesto Gabeira por Franklin, da ideia de seqüestrar o
embaixador, idem, do comportamento de Jonas etc.)
Apontar
a diferença entre realidade e ficção e situar o filme como intencionalmente
produzido para atender determinadas demandas políticas antigas almejadas. (Ideal
da conciliação)
Expor
o filme como uma visão unilateral e específica de um único narrador – Gabeira –
que dispõe de forte carga de subjetividade e pode, naturalmente, ser passível
de incongruências e erros no resgate de sua memória. Problema da tentativa de
apropriação das imagens do passado.
Resgatar
o real teor dos personagens envolvidos na produção cinematográfica e histórica
de fato, que no filme são caricaturais e não condizem com a
realidade. E denunciar a não onisciência – crítica anacrônica, problema aliás,
recorrente tanto no filme como em seu livro – de Gabeira atestada por ele em
seu livro e reproduzido na obra. (Constante em todos os textos)
Denunciar
o perigo evidente de se aceitar este filme como fiel reprodutor da realidade e,
também seu papel político no tocante a seu posicionamento e leitura desta
realidade. Caso da intencionalidade da Indústria cultural brasileira politicamente
dominada – caso globo de Roberto Marinho. E do lócus de onde falam os produtores.
Denunciar
a distorção do ator histórico de Jonas, talvez o mais injustiçado e afetado de
todos.
Propor
constantemente a necessidade de um maior revisionismo e cuidado por parte dos
produtores de filmes quando se tratar de resgatar a história.
Equilibrar
as desproporções feitas no filme ao retratar os personagens atores históricos
do filme comparando-os, expondo-os a partir de suas leituras particulares ou
revistas dentro de um revisão historiográfica e bibliográfica (caso das duas
mortes de Jonas).
Bibliografia
REIS, Daniel Aarão et al. Versões e ficções: O sequestro da História. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 1997.
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