Da hegemonia da história política à expansão das abordagens históricas.
BADARÓ, Wilson Oliveira e MESQUITA , Hélia Regina de Jesus
Gostaria
de iniciar minha abordagem ao tema relacionando-o com as interpretações do
ponto de vista hegemônico, a priori,
exercido pela história política no cenário da história ocidental que fora
apresentado no curso de Teoria Seminário da História I baseado nas observações
de Francisco Falcon. Mas para que tal abordagem se faça de fato inteligível,
necessitaremos de um reforço teórico-conceitual da relação de poder e história,
e poder e política.
A princípio
o que de fato seria o poder? No caso que aqui interessa, o poder que estamos
tratando seria o que está ligado também, mais intrinsecamente, ao conceito de
dominação. Ou seja, entendendo o poder como forma de dominação de um indivíduo
sobre outro indivíduo. O poder exercido sobre estes outros indivíduos pode se
dar de várias formas que não discutirei aqui, mas, o importante é perceber como
este poder está relacionado com a política e consequentemente com a história.
Seguindo a
famosa frase de um professor da UFRB/CAHL, “quer destruir ou construir alguém?
Conte a sua história...” Tal frase sugere que não apenas o modo como contaremos
a história, mas, também quando contaremos, onde contaremos, para quem
contaremos e a consonância que esta história terá com o indivíduo/objeto que se
pretende destruir ou construir, fará toda a diferença para o sucesso desta
construção. Com esta exposição introdutória da visão de mundo, grosso modo, da historiografia –
positivista – dominante iniciaremos melhor nossa abordagem sobre o declínio da
história política “tradicional” e suas implicações. Tendo dito isto...
As razões que
levaram ao declínio da tradição herdada da escola metódica são um verdadeiro
somatório de eventos e adventos, que se intercalam com os interesses em
descontinuar uma tradição a princípio, vista como reducionista por opositores
potenciais – as Revista de Síntese, posteriormente a escola de Annales.
As criticas
se concentravam em pontos vistos pelos metódicos como suas fortalezas, pois,
eram reféns “da visão centralizada e institucionalizada do poder” (FALCON,
1997, 62) onde daqui temos, apesar das críticas posteriores, bons frutos como:
O desenvolvimento do método do reflexo, apuramento da crítica interna e externa
das fontes (herança do humanismo), princípios de conduta, continuação das
abordagens cientificistas, focalização de objeto e temas etc. Contudo, estes
aparatos melhorados e alguns inovadores, não serviram para esta escola, para
mudar o fator “história cíclica” que se detinha, tradicionalmente, é bom que se
diga, em contar a história das elites. História esta que sempre esteve
relacionada com o poder e consequentemente com a política e diretamente com os
aparatos de legitimação do poder de uma minoria aristocrática/oligárquica sobre
as massas. Historicamente, tal construção é percebida dentro da história
ocidental, como um processo de continuação ad
eternum, que gera o conceito de “história cíclica” reproduzindo, portanto,
apenas os fenômenos do âmbito político, quer religioso dominante, ou secular.
Desde a Grécia até a França da marselhesa burguesa, a história tem sido contada
assim, sem sair da esfera eclesiástica ou política hegemônica. De tão raras as
exceções são quase inauditas. Nem mesmo “a historiografia humanista e
renascentista” (FALCON, 1997, 63) consegue modificar as tendências da politização.
Nem mesmo as proposições do “pai da política” fizeram com que o rumo do objeto
factual da história se desviasse da política.
Para
acentuar a problemática da história dos fatos políticos, “ a promoção do estado
à condição de ‘objeto por excelência da produção histórica’” cunha a sina da
política em ser tomada como objeto central de produção historiográfica.
Retomando o ponto central desta discussão, outra critica que leva à derrocada
da história política é o fato de estar muito ligada ao particular. Aqui ela
quase ou totalmente se funde com as questões biográficas, uma vez que, esta
história da política acaba tendo, em sua maioria, um personagem central como um
rei, um conde, um bispo enfim, tratando do particular.
Em se
tratando de história econômica, o assunto tem todo um requinte. O objeto
central, o desenvolvimentismo, lida com a economia brasileira de forma interna
(SUDENE, BNDE, Conselho Nacional da Indústria) e externa, valorizando a sua
relação com o resto da América (Cepal, Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos, FMI), faz o estudante do assunto perceber a importância da economia para os
vários segmentos da pesquisa histórica. Sem as percepções e noções básicas de
economia para a história, o pesquisador percebe que suas formas de entender os
contextos históricos onde sua prática seja aplicável tornam-se lacunares e
imprecisas, pois, as dimensões de realidades alcançáveis pelo viés econômico
são muito relevantes e variadas.
Apesar das
expectativas quanto aos métodos quantitativistas dos economistas para a
apreensão da realidade serem de uma ótica sempre reducionista, o método pode
ser mais abrangente do que se espera. Depende da capacidade hermenêutica e de
abstração da realidade do pesquisador tal façanha, assim como coube á Campos,
Gudin e Furtado tal uso sapiente de suas fontes.
Tratando do
objeto das discussões do seminário, o desenvolvimentismo brasileiro dispunha,
na época, de duas diferentes correntes economicistas em partes antagônicas e em
partes harmônicas – no tocante as suas visões de mundo e concepções da política
econômica a ser adotada. Estas correntes são segundo Bielschowsky; “os
desenvolvimentistas nacionalistas” e “os desenvolvimentistas
não-nacionalistas”. Obviamente, para ambos os lados houve dissensões
ideológicas entre fundamentalistas, radicais, conservadores, liberais e
neoliberias. Estas dissensões, em minha interpretação, foram a principal razão
da riqueza da produção para ambos os lados e consequentemente para o Brasil,
porque, muito provavelmente, sem estas dissonâncias, não teríamos o nível de
desenvolvimento que se deu, e no curto espaço de tempo em que se deu, dentro da
política econômica brasileira. Suas principais fontes de equalização
ideológicas está na crença de que a industrialização é o principal meio de
desenvolver o país.
Interessante
que as principais características desta política de desenvolvimento da economia
de fato executada no país, é exatamente o resultado diametralmente oposto do
intencionado por ambas as parte, digo isto pois, embora tenha uma parte tido
mais participação direta na política tomada como base para a estruturação e
efetivação cabal do planejamento de desenvolvimento econômico do Brasil,
nenhuma das partes foi em definitivo hegemonicamente evidente. Partes de ambas
as correntes foram aplicadas e usadas para tal empresa desenvolvimentista.
Tanto Campos como Furtado – representantes maiores dos antagônicos movimentos –
tiveram sua dose de participação na construção da política que de fato fora
aplicada na economia brasileira.
A
famigerada – no bom sentido – “técnica cepalina de programação”
que dispunha de um modelo abrangente para a aplicação do plano de metas da Cepal com Celso
Furtado. Sua forma e empenho no combate ao subdesenvolvimento do Brasil; sua
conceitualização, pautada no estruturalismo, reveladora de “hibridismo” e como
tal conceito ajuda a entender as razões pela qual o Brasil é historicamente
tido como um país subdesenvolvido; e ainda a importância que o planejamento
toma em sua política voltada basicamente para a proteção do estado e
investimento prioritário nas políticas internas, favorecendo assim, o
crescimento econômico interno e o consequente fortalecimento da economia
nacional. Para Furtado, o estado deveria estar munido de uma autonomia necessária
em relação ao capital e investimento estrangeiro, que era bem vindo também,
contudo, apenas em setores menos vitais para a economia nacional.
Sua
dedicação e preocupação com os problemas do subdesenvolvimento do nordeste, o
leva a ter uma passagem significativa tanto na criação quanto na participação
política das ações da SUDENE e as políticas que aí se cristalizaram. Celso
Furtado, crê ainda que “uma grande concentração de renda cria, em todas as
sociedades ampla camada social de ociosos ou semi ociosos, com efeitos diretos
e indiretos altamente negativos nos hábitos de consumo...” Assim, “admite-se
mesmo que seria impossível lograr o nível da renda per capita dos Estados Unidos, da Suécia, ou da Austrália com uma
estrutura de distribuição da renda como a que prevalece no Brasil.” Sendo ele
um grande defensor da reforma agrária e melhor distribuição de renda através de
uma “tributação especial” para as classes mais abastadas, e com um melhor
aparato para evitar a sonegação de impostos.
Já em
Roberto Campos, seu posicionamento e orientação teórica lhe imprimiam uma visão
e característica, voltada para a captação de recursos na política de captação
de investimentos externos. Evidentemente, ele seguia as máximas de sua corrente
de pensamento de prezava que o “(...) estado não deveria ocupar o espaço em que
a iniciativa privada pode atuar com maior eficiência.” E Justo deste ponto,
caso o capital privado nacional não tivesse (e não tinha em geral), naquele
período, condições de arcar com os compromissos, ligados as necessidades
desenvolvimentistas nocionais. Por isto, para Campos, fazer-se uso do capital
estrangeiro era a regra e não o contrário como queria, os nacionalistas.
Também,
diferenciando-se diametralmente opostos aos nacionalistas os não-nacionalistas,
aqui representados por Campos, “caracterizavam-se também pela ênfase que davam
à necessidade de controle da inflação, e não hesitavam em apoiar as medidas de
estabilização monetária.” Aqui, mais uma vez, eles vão se apoiar no capital
estrangeiro para realizar estes propósitos, em teses, benéficos para a economia
nacional.
Campos é um
ferrenho defensor da industrialização nacional como saída para o desenvolvimento
nacional, e suas metodologias incluem conceitos como o “planejamento seccional” onde o desenvolvimento é baseado em setores
prioritários da economia nacional por seu poder particular de propiciar o
crescimento; “pontos de germinação” que são todos os pontos que depois de
estimulados propiciem um crescimento colateral favorável à economia, ele
considerava energia elétrica, transportes, agrícola perfeccionada etc., como
possibilidades potenciais e por fim, os inevitáveis “pontos de estrangulamento”,
que correspondem aos desequilíbrios setoriais criados pela rapidez com que a
economia se industrializava, isto é, passava de economia agroexportadora para
uma “economia de mercado interno em franca expansão”.
Campos,
assim como furtado era um defensor da saúde da economia nacional, e como tal,
combatia a inflação em seus vários segmentos e buscava sempre soluções
inteligentes e explicações para seu surgimento. Por fim, Campos que era visto
como um antiestruturalista, que é uma perspectiva reducionista das atribuições
e atitudes de Campos, também defendia o planejamento do uso dos recursos
estrangeiros com as diretrizes que deveriam ainda obedecer aos seguintes critérios
e ramos para o investimento: a) Os que exigissem doses maciças de capital por
unidade de produto; b) os que exigissem
investimentos de longo prazo para a sua plena maturação; c) e por fim, os que
envolvessem alto índice de risco como a exploração petrolífera, ou ainda, com
rentabilidade direta muito baixa como energia e transportes.
Vemos aqui,
a importância de perspectiva econômica para os historiadores que no caso de
lidarem com tal segmento da História, assim como Campos e Furtado deverão estar
escarafunchando fontes em repartições públicas como planilhas de planejamento
econômico, documentos oficiais das negociatas entre o Estado e instituições da
iniciativa privada, documentos históricos de época que relatem transações
econômicas como testamentos e inventários etc.
Referências Bibliográficas
FALCON, Francisco. História e poder. In.
CARDOSO, Ciro Flamarion, & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História:
ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CHAUVEAU,
Agnès e TÉTARD, Philippe (org.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
RIOUX,
Jean-Pierre. Pode-se fazer uma história do presente? In: Questões
para a história do presente. CHAUVEAU, Agnès e TÉTARD, Philippe (org.).
Bauru, SP: EDUSC, 1999.