1-
Antípodas, mas mutuamente dependentes: Sofistas e Filósofos. A contribuição sofística na
construção do pensamento ocidental
BADARÓ, Wilson Oliveira
(...) a sofística levou a uma ampliação dos domínios da
ciência jônica nos aspectos ético e social, e abriu o caminho a uma verdadeira
filosofia política e ética, ao lado e mesmo acima da ciência da
natureza (JAEGER, 1994, p. 348).
3.1-
O TEMOR DO OCIDENTE ANTIGO NA VOZ DOS SOCRÁTICO-PLATÔNICOS
Diríamos que estes renomados e
sempre procurados mestres da retórica fizeram a sua sociedade despertar para a
necessidade de aprimorar-se no sentido de expor, sempre que possível, tendência
às discussões políticas e à superação do seu oponente, numa erística que,
contrariando Platão, preocupava-se apenas com a vitória no debate, abandonando
o compromisso com a verdade. Deste ponto de vista temos, então, uma sociedade
apta a incutir diferentes opiniões e debater criticamente a situação da divisão
social do trabalho e, sobretudo, a divisão social do poder na esfera política.
Por isto é válido enaltecer, aqui a relevância do tão frutífero dissoi logoi (racionalidade relativista)
silogístico, que traz um percurso potencialmente tricotômico, ante a verdade
única e inquestionável que pregava a filosofia, baseada nos nomoi, que, por sua vez, apresentava ideias
díspares à segunda, levando, assim, a novos conhecimentos ou forçando, ambos os
lados, a se reelaborarem. Torna-se evidente que esta tendência crítica, cética
e relativista da sociedade, incitada pelos sofistas, configura-se, para os
opositores – “filósofos preferenciais” – desta corrente intelectual, ao menos,
no maior foco de ameaça à “ordem” pretensamente universal.
Se fossemos analisar tais
contraposições intelectuais em nossa atualidade, verificaríamos tal fato como
um processo dialético e natural, se não tivéssemos uma tradição filosófica que
prioriza e seleciona a partir de suas afinidades orientadoras, primárias e
genéticas. No entanto, influenciados por esta "tradição filosófica",
não admitem, por exemplo, a “possibilidade” da primazia factual do reflexo
cognitivo instituído a priori por
Protágoras – um sofista. Não perceberam, talvez, estes tradicionalistas, que os
sofistas desejaram e lograram ensinar a virtude, enquanto logos, para um grande número de pessoas, colocando-a ao alcance de
todos? Ou seria melhor ofuscar/redirecionar as doutrinas dos “mestres de
retórica”, não apenas contrariando-as, mas, acima de tudo, ora deturpando-as
com leituras distorcidas e visivelmente tendenciosas, ora atribuindo-as a
outrem que não o seu real teorizador, como no caso da impossibilidade de “dizer
coisas que são falsas”[1]? Não,
parece que a disputa estava apenas no patamar das esferas de poder e de todos
os instrumentos que pudessem levar qualquer um até ele; e como saber é poder, é
importante vetar que ele se dissemine em meio às massas.
Obviamente, o grande temor por
parte dos filósofos era que o excesso de ceticismo, probabilismo e relativismo
fossem utilizados de forma “pouco produtiva” ou até “mal usados” em favor de
uma temida anarquia, pelo efeito do endeusamento da physis, como regente natural e legítimo das demandas humanas, em
detrimento do nomos regulador e
mantenedor da “ordem” requerida. Desta forma, acreditava-se que a
transvaloração ou relativização extrema dos posicionamentos – bem e mal – tornar-se-ia
uma prática comum entre os adeptos deste relativismo pregado pelos sofistas,
negando o bem defendido pelos filósofos, mantido e garantido pelas nomoi e coroando com louros a
naturalidade e espontaneidade do subjetivismo probabilista da physis. Um risco real, existente, porém,
nem por isto maior que o risco da manutenção de uma ordem segregacionista e
tradicionalista que visasse historicamente exercer uma dominação contínua e
protegida por um nomos imposto como
oriundo da physis.
Não se quer, aqui, de forma alguma,
inverter o que a tradição filosófica ortodoxa de orientação socrático-platônica
tem feito aos sofistas, no sentido de negar-lhes o crédito e o reconhecimento
de seus feitos. Muito pelo contrário, pois, é justamente por “(...)
considerá-los um estágio da maior importância no desenvolvimento do humanismo,
embora este só tenha encontrado a sua verdadeira e mais alta forma após a luta
contra os sofistas (...) (JAEGER, 1994, p. 348), ainda que historicamente
construído. Mas o que se pretende é fazer reconhecer a importância do movimento
sofista como um todo, não apenas para a filosofia em si, mas, sobretudo, para a
humanidade e a ciência.
A alta densidade da visão
relativista sofista trata da inacessibilidade de um homem à subjetividade de
outro, pautado em algo que a experiência material trata de explicar
propriamente. Um determinado odor pode causar a sensação desagradável em muitas
pessoas que, aparentemente, terão a mesma reação repulsiva, contudo, de fato,
sentirão em diferentes proporções os mesmos efeitos derivados deste mesmo odor
como náuseas, tonturas, dor de cabeça etc. Se solicitamos a descrição da
sensação de cada um acerca deste forte odor, teremos diferentes relatos acerca
de cada experiência com o mesmo agente gerador das sensações. Aqui, a discussão
de causa e efeito está diretamente ligada ao logos e o logos diretamente
ligado à subjetividade sensorial de cada um. Assim, teremos para diferentes
pessoas, um cheiro forte nauseabundo ou um cheiro forte estonteante e, ainda,
um cheiro forte que causa cefaléia, sem que, com isto, uma das características
relacionadas aos diferentes logos sobre
o cheiro forte seja mais verdadeiro que outro, pois, cada um relatou seu logos (razão guiada pela percepção) a
partir de suas capacidades cognitivas e físicas. Por isto, colocar as opiniões
de todos em nível de verdade, desde que assim lhe pareça com extrema veemência
e sinceridade, causa temor nas camadas mais influentes da sociedade Grega
antiga.
Quanto à existência da contradição,
no quesito onde tudo tem dois logos
contra, não é possível contradizer. A solução aparentemente se apresenta de
forma fácil e, até certo ponto, óbvia. Embora se fale sobre um mesmo assunto e
se tenha aparentes leituras distintas da mesma coisa, se estamos falando
diferentes coisas sobre o mesmo objeto é porque não estamos falando da mesma
coisa. Aparentemente é a mesma coisa. Retornando ao caso do cheiro forte. Como
ele chega até um não é como ele é sentido por outro. O cheiro em si é
indissoluvelmente o mesmo, mas o que o transformará será a subjetividade
interpretativa de quem sente e traduz a sua sensação para si. Assim, “é
necessário que se diga é que no nível verbal é possível a contradição, mas que
isso não se aplica ao nível das coisas sobre as quais estamos falando (...) e
se ambas as afirmações tem sentido será porque são sobre coisas diferentes, não
sobre a mesma coisa” (KERFERD, 1999, p. 156).
Assim, estes que “foram os
primeiros intérpretes metódicos[2] dos
grandes poetas aos quais vincularam, com predileção, os seus ensinamentos”
(JAEGER, 1994, p. 347), fizeram da educação uma arma de acesso geral às esferas
de influência política e, consequentemente, ao poder da polis,criando uma expectativa na sociedade acerca das novas
possibilidades de alcance da educação. Tal sociedade cria, a priori, que a educação cabível devesse ser considerada por todos como
válida, pois, outrora, era familiarmente endógena e restrita às altas camadas
dos estratos sociais de sua comunidade. Sendo assim, os sofistas “(...) criam
uma atmosfera de educação multifacetada, (...)” que “(...) nem nos tempos de
Pisístrato foi conhecida” (JAEGER, 1994, p. 347), difundindo a educação e
contrariando Anito, que acreditava ser qualquer cidadão de camadas sociais mais
influentes, melhor orientador educacional que os sofistas, confirmando as
tendências prevalecentes da aristocracia tradicionalista, ameaçada quanto à
prática sofista.
3.2-
PEDAGOGIA E SOFÍSTICA: Ciência ou Arte? A quem serve tal discussão?
Segundo Werner Wilhelm Jaeger, “ainda
agora está por resolver a questão de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma
arte (...)” (JAEGER, 1994, p. 349).E, ao que parece, hoje a pedagogia se
constitui como uma ciência imprescindível para a perpetuação da reprodução do
conhecimento crítico e bem formulado, com teorias de aplicação do ensino,
fundamentações pedagógicas e didática progressista. Mas, como também é sabido,
assim como na medicina que hoje se encontra completamente mudada em relação ao
que foi quando, em tese[3],
fundada por Hipócrates (a referência a Hipócrates diz respeito ao precursor da
medicina no Ocidente), “os sofistas foram considerados os fundadores da ciência
da educação” (JAEGER, 1994, p. 348), transformando a realidade social de sua
época através desta atividade intelectual que, então, não dispunha ainda de
profissionais habilitados.
Como fundadores desta área do
conhecimento humano, os sofista aqui tratados, se incumbiram de, a partir de
observação e tratamento sério dos problemas que queriam abordar/solucionar,
desenvolver uma metodologia, naturalmente inerente a cada profissional, que
desse resultados positivos e satisfatórios para alcançar um dos objetivos de
sua profissão, a saber, a transmissão do conhecimento. Como já fora supra
mencionado, nem todos tiveram esta visão e tratamento sociológicos para o ato
de sua intervenção profissional, porém, os que são abordados neste trabalho, de
fato se enquadram nesta afirmação, a saber: Górgias, Hípias, Pródicos, Antifon,
Crítias, Cálicles, Trasímaco.
Respondendo a inquietação que o
próprio Werner Jaeger coloca, é com ele mesmo que pretendemos responder a
polêmica indagação. Ele dirá que “esta transposição do conteúdo da poesia para
a prosa é sinal de sua racionalização definitiva” ( JAEGER, 1994, p. 347), se
há racionalização, há uma teorização para a transformação de um conhecimento em
outra forma de conhecimento. Então, para que tenhamos aqui todos os pilares que
sustentam o caráter científico de uma área do conhecimento, nos falta muito
pouco. Já passamos pela “observação” do problema proposto, com a percepção das
demandas sociais: “(...) os sofistas tratam de investigar as condições prévias
de toda a educação, o problema das relações entre a “natureza” e o influxo
educativo exercido conscientemente sobre o ser do Homem” (JAEGER, 1994, p. 356).
Agora, temos a “análise das partes”
fracionadas com a separação do que é poesia e o que é paideia, neste processo educacional absorvido e projetado através
do movimento sofista, naturalmente, com uma metodologia e teoria devidamente
“racionalizadas”, como afirmou Jaeger. Um exemplo claro desta dita separação
metódica fica visível quando Jaeger comenta que “a conversão da educação numa
técnica é um caso particular da tendência geral do tempo a dividir a vida
inteira numa série de compartimentos separados (...)” (JAEGER, 1994, p. 349).
Verdade, mas, como tal processo fora conduzido requer minimamente uma séria
reflexão. Quanto à indução de hipóteses acerca do problema/objeto abordado,
cremos já havermos explorado muito estas que, por fim, nada mais são do que
“opiniões primárias”, fundamentadas em uma realidade/fenômeno observada que se
quer comprovar e que, no final, poderão confirmar-se, refutar-se ou
modificar-se.
Assim sendo, como os sofistas são
os mestres da “opinião” e, não, da “verdade”, já estavam demasiado versados na
proposição de hipóteses em suas duas diferentes fases, a saber, indução e
experimentação (verificação das hipóteses). A questão da aplicação das leis
gerais também fora confirmada por Werner Jaeger na seguinte passagem: “A ideia
de natureza humana (...). Só por ela é possível uma verdadeira teoria da
educação” (JAEGER, 1994, p. 357). Se não nos enganam os indícios, os educadores
incontestáveis desta época eram os sofistas e, se houve uma teorização da
educação, ela somente pôde ter sido constituída dentro dos círculos sofísticos.
Sabemos ainda que “(...) se os
gregos tivessem partido da consciência universal do pecado e não do ideal de formação do Homem[4],
jamais teriam chegado a criar uma pedagogia nem um ideal de cultura” (JAEGER,
1994, p. 358) que fossem amplamente compatíveis com os pressupostos do
conhecimento que se pretende, de fato, científicos. Por fim, a possibilidade de
apreensão do logos e da arete, antes restrita, agora, passa a
constituir uma lei geral. Algo que foi negado pelos nomoi de uma sociedade tradicionalista, agora vê suas regras de
transmissão da educação familiar e endogâmica rompidas pela oposição
transformadora de profissionais inovadores e ousados. Não seria uma regra geral
a assertória contrária à impossibilidade do ensino e, determinada de fazer
valer o que fora dito em teoria, surgir confirmado pela prática? Sem contar as
diversas outras observações, de variados sofistas, que se mantiveram pertinentes
como leis gerais através do tempo, nas observações de Protágoras; e o dissoi logoi? Não seria a regra do duplo
logos uma regra geral?
Por estas patentes evidências de
cientificidade é que concordamos com Jaeger quando ele afirma que “a sua
valorização não pode ficar sem crítica, precisamente porque aquilo que os
sofistas pretenderam e realizaram ainda é indispensável nos nossos dias”(JAEGER,
1994, p. 358).E, muito naturalmente,discordaremos em parte com sua afirmação,
embora bem intencionada de que “(...) a exigência que eles vêm satisfazer não é
de ordem teórica e científica, mas sim de ordem estritamente prática” (JAEGER,
1994, p. 345). Assim, pois, cremos que, embora não tenha havido uma
homogeneidade metodológica e teórica entre os integrantes deste movimento, não
quer dizer que não tenham contribuído decisivamente para a constituição das
sólidas bases que serviram para a fundação da ciência pedagógica. E obviamente,
lançaram mão de utensílios que envolveram certo grau de teorização e
cientificização de suas práticas que a
posteriori pode ser repetida.
Assim como ocorreu com a história,
uma vasta discussão acerca de sua cientificidade ou não cientificidade se deu
entre os arautos das ciências ditas positivas e das pretensas ciências “não
científicas”. Segundo o neopositivista Karl Popper, só nas ciências formais é
possível provar-se com certeza integral algo, sendo que, acordando com este
ponto de vista, as ciências factuais se opõem às formais, pois as formais são
passíveis de refutação e as factuais, não (POPPER, apud CARDOSO, 1986, p. 07).
Pelo visto, a discussão de Popper se reduz a sua interpretação do que é a
ciência a partir de um postulado que aqui já foi discutido largamente – que é a
relatividade e ambiguidade da verdade e sua utilidade prática.
3.3-
O EFEITO POSITIVO DA SOFÍSITCA NA FORMAÇÃO DO HOMEM GREGO
Após sucessivas discussões sobre as
benesses da atuação profissional dos sofistas, parece-nos que a sociedade grega
respondeu positivamente aos estímulos e novas possibilidades ofertadas por
estes profissionais. Justamente por isto, o Aufklarung
tornou-se possível na Grécia. Havia aqueles que, por pouco disporem em termos
financeiros, se contentavam com profissionais menos renomados, mas nem por isso
menos capacitados. Já outros, numa
(…)sociedade
competitiva da época, jovens ambiciosos, como Meno e Hipócrates (no Protágoras) queriam gastar fortunas com
os sofistas que podiam comunicar o segredo, e a sugestão de que nenhum mestre
podia comunicá-la era nos dias de Sócrates ataque a grandes interesses
investidos (GUTHRIE, 1995, p. 239).
Como a maior parte dos estudiosos
irá atribuir a capacidade de desenvolvimento e projeção da espécie humana a sua
capacidade de cooperação mútua que, por sua vez, depende da organização
política, para Kerferd, “o pensamento político começa com os gregos”, (KERFERD,
1999, p. 237) e quem liderou a difusão deste pensamento político articulado foram
os sofistas, através do movimento e de seu principal propósito – a paideia. Sabemos segundo Jaeger, que “é
com eles que a paideia, no sentido de
uma ideia e de uma teoria consciente da educação, entra no mundo e recebe um
fundamento racional” (JAEGER, 1994, p. 348). E com uma racionalidade mais aguda
e voltada para uma crítica da “ordem” estabelecida, Protágoras, de acordo com
Kerferd, percebe que “todos os homens de fato compartilham a justiça, e que
essa participação é em grau desigual” (KERFERD, 1999, p. 245), sendo a origem
desta desigualdade verificável e explicável e, o mais importante, passível de
reformulação. Segundo Kerferd, é Protágoras quem lançará as bases da
“democracia participativa”[5],
desde que todos tenham acesso equânime à educação e, a partir daí, possam, mais
ativamente, estar presente na vida política e usufruir das benesses oriundas desta
participação.
Por isto,a maior parte dos
sofistas, oriundos de outras cidades, são os mais indicados para perceberem as
debilidades da cidade aqui tratada com maior proximidade – Atenas –, uma vez que,
nesta discussão, cabe “outro tipo de relatividade: homens e sociedade diferem
amplamente, e assim, portanto, também suas necessidades” (GUTHRIE, 1995, p.
176). E, no caso de Atenas, mais especificamente, a educação generalizada.
Diferentemente do que se disse, por
parte de muitos estudiosos, os sofistas não corromperam moral, política ou
eticamente os seus seguidores, “mas isto estava longe de seus pensamentos e a
moral e a ordem foram salvas por esta curiosa doutrina, típica deste período,
pela qual o padrão de verdade e falsidade é abandonado, mas substituído pelo
padrão pragmático de melhor ou pior” (GUTHRIE, 1995, p. 177). Desta forma,
gradualmente, os sofistas revelaram as brechas e falhas de um sistema social
vigente que favorecia as camadas mais elevadas e bem-nascidas da sociedade em questão. Sempre fazendo tais revelações
através da educação, temos a exploração constante de sua projeção social via
aplicações de lições, já que “os sofistas são, com efeito, as individualidades
mais representativas de uma época que, na sua totalidade, tende para o
individualismo” (JAEGER, 1994, p. 347), onde os mais capazes são os que melhor
se apresentam a partir de suas capacidades retóricas e, não, de suas qualidades
geneticamente herdadas. Tais discussões políticas, iniciadas e alimentadas
pelos sofistas em geral, visavam garantir, através da análise mais crítica,
subjetiva e acessível ao maior número de pessoas, o direito isonômico com
garantias de transparência em sua aplicação, para que o governo de muitos fosse
uma verdade e, não, uma utopia velada atrás de uma democracia elitista.
CONCLUSÃO
O movimento sofista, em toda sua
amplitude, focou seus esforços no homem e nas transformações sociais, em prol
das resoluções de seus problemas, incutindo na sociedade a ideia relativa da
verdade, que deve ser sempre considerada a partir das várias visões propostas e,
não, de uma visão central, autoritária e axiomática. As discussões sofistas
trouxeram ainda a ideia contingente da opinião e o quão eficaz ela é, pois, é a
partir desta contingência que se chega a uma hipótese satisfatória. E são
justamente estas hipóteses contingentes e probabilistas que são ampliadas para
o campo político pelos sofistas. Percebe-se, de forma patente, o que é muito
comum na política: “(…) desde o início, o vigor da nova arte de discutir como
arma nos combates oratórios. Está aqui, muito mais próximo da retórica que da
lógica teórica e científica” (JAEGER, 1994, p. 367), dando uma ideia mais
relativa das leis e das decisões nas esferas mais ostensivas da sociedade grega
como um todo.
Ainda que se concorde, em parte,
com a afirmativa de Jaeger no tocante à prática sofistica, quando ele diz que: “(...) a exigência que eles vêm satisfazer não é de ordem teórica
e científica, mas sim de ordem estritamente prática” (JAEGER, 1994, p. 345),
tem razão ao afirmar que a sua prática satisfaz. Satisfaz os anseios e demandas
das camadas mais carentes de acesso à educação, confirma o caráter
revolucionário e transformador das práticas educacionais sofistas e, sobretudo,
revela que a história da educação formal, tal qual detemos hoje, e seguindo
ainda os mesmos propósitos, tem sua origem nos sofistas. Dizemos isto, pois
cremos que o propósito maior da educação não é informar meramente acerca de
assuntos herméticos e seletos para discursos e práticas endogâmicas
preestabelecidas, mas para formar cidadãos atuantes e que intervenham na
realidade de sua sociedade conscientemente e democraticamente. E isto, sem
dúvidas os sofistas fizeram com exímia precisão. Mudaram o curso da educação em
seu tempo e motivaram e inspiraram várias outras correntes intelectuais a
seguirem o mesmo caminho, legando para os nossos tempos a ciência da pedagogia,
que tanto, de fato, necessitamos. Se não fosse real a evidente contribuição
sofística para educação e ciência universais, o que justificaria que “alguns trabalhos
científicos[6]
dos sofistas estiveram em uso durante uma série de decênios” (JAEGER, 1994, p.
355)?
Concluímos, portanto, que a
validade e pertinência do movimento sofista, enquanto um movimento de forte
apelo social em sua época os levou a um patamar de fenômeno social que marcou
uma época de transformações e efervescências incontestáveis. O alcance
polivalente e diversificado dos sofistas na área do conhecimento possibilitou o
enriquecimento intelectual não apenas deles – os sofistas – como também dos
filósofos que, com eles, travaram disputas. Nestas disputas, quem mais ganhou, a
nosso ver, foi a ciência. Um grande exemplo da magnitude, polivalência e
abrangência inegável do fenomênico movimento sofista e o fato de que Protágoras
abordou ao menos alguns dos temas que interessavam a Platão na República,
fazendo perceber a dimensão das abordagens sofistas em vários campos do saber. Aqui
nos é lícito concluir que se um dos maiores, senão o maior de todos os sofistas,
tratou de assuntos que eram de interesse de um filósofo como Platão, quem
garante que o contrário não é recíproco? E se assim o for, como fora dito
anteriormente, só a ciência ganhou. E que novas fontes históricas nos tragam
surpresas positivas neste sentido e que nossos anseios por maiores fontes de
informações acerca deste formidável movimento surjam, para nosso deleite.
Por
fim, foram expostas diversas contribuições neste trabalho que, juntamente com outras,
apresentam um movimento constituído por homens que “foram considerados os
fundadores da ciência da educação” (JAEGER, 1994, p 347), que ampliaram os
conceitos de relatividade e verdade, deram os primeiros passos em direção ao
respeito à subjetividade etc. Homens que sem maiores dificuldades, encararam
todos os desafios da época quanto a validade de seu ofício, que se via
contestado a todo momento pelos seus opositores: “antes dos sofistas não se
falava de gramática, de retórica ou de dialética” (JAEGER, 1994, p. 366), e
hoje, sua determinação nos permite falar consciente e substancialmente de todos
estes segmentos do saber.
[1]Mais informações sobre esta
questão podem ser encontradas na obra KERFERD, G. B. O movimento sofista. São
Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 153.
[2] Grifo nosso.
[3] Ponho esta incógnita nesta
fundação de campo do conhecimento por parte de Hipócrates, pois temos
evidências sólidas da primazia de Imhotep no Egito antigo, há dois mil anos
antes de Hipócrates atuando em área de medicina e segundo algumas teorias muito
convincentes, como as de Gordon Childe, muito do conhecimento grego foi
gradualmente absorvido do oriente próximo e nele se inclui o Egito.
[4] Grifo nosso.
[5]KERFERD, G. B. O
movimento sofista. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 246.
[6]Grifo nosso.
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BIBLIOGRAFIA
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teórico(3ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
CARDOSO, Ciro. Uma
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JAEGER,
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KERFERD,
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_____. “O banquete”. In: Coleção Os Pensadores. Tradução de José Cavalcante de Souza. São
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_____.
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