sábado, 25 de maio de 2013

Anotações da "revolução de 30", do golpe de 64 e da redemocratização.

Da revolução de Trinta até FHC: Um breve resumo.


BADARÓ, Wilson Oliveira

A "revolução de 30" se caracteriza por um acúmulo de ações historicamente verificáveis como processo que culmina neste momento de transformação mais significativas que acaba, por fim, por receber o status de "revolução", estando diretamente ligada com estas mudanças políticas, sociais e econômicas que verificaremos ao longo deste texto. Tal caracterização dá-se pela ruptura com o antigo modelo de "democracia e liberalismo excludentes" (MENDONÇA, 1990, p. 252 in: LINHARES, 1990), a princípio, muito notórios na política dita republicana do Brasil que perdurou, segundo a mesma autora, de 1889 até 1930. Naturalmente, para corroborar com a queda deste modelo, além dos diversos fatores apresentados pela autora, contamos com a ideia da crise dos anos 20, que é especificamente uma crise sócio-econômica e política e, que está também ligada com o declínio do coronelismo e a insatisfação ativista da burguesia cafeeira movendo elementos que implicarão, mais tarde, nesta revolução. Sendo que a ideia de declínio do coronelismo, sobretudo no nordeste do Brasil, está, também, ligada à abolição da escravidão que enfraqueceu e desestabilizou as bases produtivas do antigos donos de engenho do nordeste.
            Segundo  Sônia Regina de Mendonça, este período é caracterizado por "uma crise de hegemonia em sentido estrito, na medida em que nenhuma classe ou fração de classe lograra o controle inconteste do aparelho de Estado" (MENDONÇA, 1990, p. 256 in: LINHARES, 1990). Neste sentido, na falta de uma maior articulação política entre os estratos sociais dominantes, temos a formação de uma estrutura regional de classes e, obviamente, uma hierarquização e maior privilegio por parte de uns e prejuízos de outros o que causa, como por consequência, oposições e rupturas dentro das próprias classe dominantes (MENDONÇA, 1990, p. 256 in: LINHARES, 1990).
            Neste quadro, temos uma ascensão notória das classes médias urbanas na maior participação no processo de produção e participação do crescimento econômico do país, apoiados na ideia de liberalismo, e sentindo-se livres para direcionar críticas ao regime vigente, contudo, sem um poder mais significativo de representatividade àquela altura (MENDONÇA, 1990, p. 257 in: LINHARES, 1990) o que será, mais posteriormente, reforçado pelos movimentos operários que, por sua vez, "ilhados", irão apresentar um quadro em que a política vigente não mais poderia prosseguir. Ao menos, não naquelas condições de exclusivismo político e classista, reforçados pelo fenômeno do tenentismo – embora com toda a sua atuação, às vistas da população, dual –, em que se encontravam.
            Neste cenário de instabilidades políticas, de práticas políticas excludentes, demagógicas e contradições a Coluna Prestes aguardava apenas a "nova manifestação de crise cafeeria" (MENDONÇA, 1990, p. 260 in: LINHARES, 1990) para mobilizar-se no sentido de direcionar e insuflar novas demandas sociais. O que, naturalmente, apareceria junto com a Aliança Liberal e os setores populares como reforço da emergência de transformações na condução objetiva da política e economia nacionais. Feita esta contextualização apresentando trechos do panorama histórico vivido, abordemos a primeira questão central proposta.
A "revolução de 30" foi um fenômeno político-social que implicou na lateralização da oligarquia tradicional das esferas do poder e impediu que os seus aliados políticos – setores socialmente articulados com esta oligarquia – não conseguisse "nem legitimar o novo regime, nem, tampouco, de solucionar a crise econômica" (MENDONÇA, 1990, p. 261 in: LINHARES, 1990). Isto faz com que nenhuma das fragmentadas categorias constitutivas das esferas da elite política conseguisse, efetivamente, tornar-se hegemônica, abrindo assim espaço para uma reestruturação do aparelho do estado que tornou-se mais burocrático e autônomo. Esta autonomia e burocratização, a longo prazo, irá significar formas diferentes de acesso aos cargos públicos superando nitidamente os processos coronelistas, por exemplo, o nepotismo político, e a ideia da reprodução das classes dentro de seu próprio aparelho.
Nesta altura, importa discutir rapidamente o debate historiográfico feito pela autora que trata das tendências à uma leitura do caráter classista ou meramente fenomenológico social da revolução. A autora mostra a tendência euroinfluênciada de Sodré onde a revolução é um fenômeno guiado e motivado pela burguesia industriaria sequiosa da queda dos agroexportadores contrapondo indústria – enquanto modernidade – e agroexportação – enquanto antiguidade e atraso.
Em seguida vemos a leitura de Santa Rosa sobre a revolução onde o tenentismo é quem lidera os movimentos de transformação revolucionária legitimados pelos anseios dos setores médios e demandas de modernização urbanística e industrial do país e, sobretudo, como movimento moralizador da política corrompida e mal formada, levando assim, ao desenvolvimento.
Depois, Weffort e Fausto refutam as duas proposições anteriores acusando-as de reducionistas e simplistas e propondo em seu lugar uma complexificação das ações do novo regime – novo Estado – em detrimento das intenções outrora enunciadas como finalidades, expectativas e anseios da classe média. Em outras palavras, foi um acumulo de fatores externos ao estado como "cisão entre as oligarquias, (...) movimento militar, (...) fraqueza política da burguesia industrial" que levaram à um "vazio do poder" (MENDONÇA, 1990, p. 262 in: LINHARES, 1990), significando aí que esta nova ordem não mais seria a tradução ipsi litteris dos desígnios e desejos de uma única classe.
Finalmente, a última reflexão deste debate historiográfico, que, com De Decca, desloca o foco das discussão do recorte temporal de 1929-1930 para 1928 onde de fato, haveria ocorrido a "verdadeira revolução" incluindo na discussão a participação ativa da hoje vista como atuação de esquerda do Bloco Operário e Camponês com o Partido Comunista que vem a  ser subjugado facilmente pelas classes então dominantes – a Burguesia Industriária.
Nesta avalanche de teorias acerca da "revolução de 30", a autora conclui que "o que definiu o período foi a disputa – ainda entre oligarquias – pelo controle do Estado, não conquistado por nenhuma delas" (MENDONÇA, 1990, p. 263 in: LINHARES, 1990) e seguindo um caminho mais intrínseco e particular que priorizou a descentralização e nacionalização dos mecanismos de controle e de poder decisório evitando assim, as influências ora perceptíveis das diferentes regiões em disputa pela hegemonia no aparelho do Estado. Consequências notórias desta nova ordem política do Estado traduziu-se na "revolução constitucionalista", nomeação de interventores escolhidos dentro do agora sistema autônomo do Estado e a criação sistemática dos Institutos, conselhos e comissões que discutiriam as novas tendências e necessidades da nação. Contudo, a autora aponta para a questão de uma modernização apenas alcançada de forma significativa no Estado Novo, mas, aqui, percebemos que as bases foram, de fato, lançadas.
Muitas outras medidas foram tomadas pelo Estado para garantir que seus progressos fossem garantidos com maior esforço no sentido da centralização do poder no governo federal como: controle mais ostensivo das elites políticas regionais; despolitização e afastamento dos tenentes das forças armadas; criação do Ministério do Trabalho; definição dos sindicatos tais quais "órgão de colaboração do Estado" e por fim a repressão da Aliança Nacional Libertadora – ANL.
A ANL irá confluir em suas bases várias vertentes do comunismo nacional e internacional, socialismo etc., no sentido de fazer frente ao autoritarismo com as chamadas frentes populares, encontrando sérias resistências externas e, sobretudo, internas em virtude de sua dualidade ideológica – ampliação da aliança de classes e insurreição. Por ter a insurreição como maior foco, o que gera uma derrota grande da ANL para o Estado, ocasionando fortes repressões aos grupos que se aproximassem das vertentes comunistas.  Dadas estas informações, temos uma caracterização da estabilização do Estado autoritário que irá, a posteriori, ressurgir fortemente, no sentido de suas formas de repressão, durante e após o golpe de 64.
2) Após o pleno processo de modernização pelo qual passou o país na fase do desenvolvimentismo que modificou as relações e situações nacionais nos segmentos político, econômico e social, veremos como os processos se desenvolveram para problematizar tal desenvolvimento e suas consequências.
No campo das percepções das mudanças do panorama social, tratamos inicialmente de perceber um fenômeno comum, já notado e descrito por vários teóricos das ciências sociais – a mobilidade social e as transformações da paisagem urbana – que são as migrações demográficas e de contingentes populacionais da área rural – antiga zona de produção e desenvolvimento econômico no período das oligarquias – para os centros urbanos, agora como centro catalisador da mão de obra e das oportunidades de trabalho, causando um significativo e definitivo aumento destes centros, em termos demográficos e econômicos e, um consequente esvaziamento da área rural – o chamado êxodo rural.
Fenômeno este que é apontado pelo autor como "inversão da relação campo/cidade" (SILVA, 1990, p. 301 in: LINHARES, 1990) e uma consequência imediatamente percebida, também, é o reflexo que estas transformações terão para o quorum eleitoral baseado nas políticas coronelistas de alguns partidos que nele se fundavam – caso do PSD, PTB e UDN – o que mais tarde se verificará importante, enquanto processo, na culminância do "golpe de 64".
Obviamente tal fenômeno de mobilidade populacional gera o surgimento, mais forte ao menos, de uma outra classe/categoria social, o operariado, oriundos dos mais diversificados setores da produção industrial.
Contudo, mesmo com o aumento substancial da classe operária que leva a uma diversificação em cadeia das capacidades produtivas da própria indústria como uma consequência direta de sua expansão, nota-se, segundo Silva, uma expansão integrada e, talvez, complementar para subsistência da primeira, uma expansão de micro negócios (oficinas e fabriquetas) e um aumento do contingente camponês (SILVA, 1990, p. 303 in: LINHARES, 1990). Este hibridismo das formas de produção – as não capitalizadas concomitantes às formas capitalizadas de produção –, outrora apontada por Celso Furtado e Roberto Campos, é visto como um entrave ao desenvolvimento pleno do capitalismo. Neste ponto, políticas de desenvolvimento irão aumentar as tensões nas relações políticas dos diversos partidos fazendo com que se comece a perceber no cenário político mais amplo as articulações políticas dos militares no sentido de intervir contra o trabalhismo e o próprio Vargas (SILVA, 1990, p. 306 in: LINHARES, 1990).
Este "dualismo estrutural" que são resquícios de um sistema funcional pautado em heranças feudalistas e coloniais aliado, forçosamente, por questão de problemas nas políticas de um liberalismo restrito ao capitalismo modernizado, remeteu o país a tomar medidas de inclusão e aproveitamento dessa mão de obra retardatária. Diante destas crises e tensões político-econômicas, eventualmente, pode-se dizer que diante das pressões internas e conspirações que levaram o próprio presidente ao suicídio – Vargas – o caminho estava livre, teoricamente para a ascensão da direita ao poder. Neste momento configura-se em 1955 o chamado golpe preventivo que atendia, parcialmente, àquela altura, as expectativas e pretensões dos militares golpistas. Obviamente, estas expectativas não foram suficientemente atendidas aos olhos dos militares. Deste modo, os esforços dos militares em apresentar uma unidade aparente do governo fica comprometida diante das crises apresentadas no governo de Kubitschek, o que leva posteriormente Jânio Quadros ao poder junto ao seu opositor, Goulart .
Após a renúncia precoce de Goulart, um período de tensões políticas se instala irremediavelmente nas esferas do poder do Estado. Cientes da evolução e provável vitória da esquerda nos moldes democráticos se viam na posição de tomarem uma ofensiva para evitar o, democraticamente falando, inevitável. É aqui que temos a retomada do "populismo", por parte da direita que inclui as ações dos militares, como mecanismo passível de uso para garantir o enfrentamento do reformismo da esquerda. Diante destes impasses e tensões, a revolução parece uma opção desejável aos esquerdistas, mas, a heterogeneidade  da esquerda podia apresentar-se como um empecilho à revolução. Assim bem como as questões da reforma agrária no Brasil era um outro ponto de pauta da esquerda que assombrava o bloco político da direita e as elites agrárias remanescentes.
Dentro deste clima tenso onde a direita junto aos militares Goulart convoca a solicitação de retorno ao presidencialismo. Sob forte pressão americana no governo de Kennedy para que o Brasil se juntasse ao bloqueio a cuba, não encontrando no governo vigente brasileiro um posicionamento favorável ao seus interesses, os americanos, por meio da "Aliança para o progresso" tomam medidas drásticas que oscilavam entre a inteira caridade e a negligência total e o incentivo à formação de institutos que se opusessem ao governo de Goulart. Tudo isto para aumentar seu poder de ingerência na governabilidade do Brasil.
Nesta altura, além do bloqueio naval à cuba, o aumento das tensões da guerra fria forçam os EUA a serem mais agressivos em suas práticas diplomáticas no Brasil no sentido de aumentar sua influência junto à ONU atraindo o Brasil para o seu lado "alinhando-o". Assim sendo, os americanos lançam mão de um antigo investimento seu em terras brasileiras a Escola Superior de Guerra (ESG) fundada para garantir o "desenvolvimento e segurança" nacionais, sendo esta, apoiadora incondicional das políticas liberalistas e combatiam abertamente o nacional desenvolvimentismo. A ESG, por questões políticas internas, abandonou posteriormente as questões ligadas ao desenvolvimento econômico do país.
É justamente dentro deste contexto supramencionado e desenvolvido que o golpe militar ocorre. Após a vitoria de Goulart em sua intenção de restaurar o presidencialismo confirmam o prognóstico da direita acerca dos avanços da esquerda no sentido de prevalecer dentro dos moldes democráticos. Com o episódio do motim dos militares da aeronáutica que desejavam participação nos processos eleitoreiros e melhores condições na tropa, Goulart se vê em um impasse que fora contornado, contudo, ameaçado pelas tramas da direita, sobretudo, da UDN com Carlos Lacerda mostravam o isolamento de Goulart no tocante aos ministérios conduzidos em sua maioria pelos militares (SILVA, 1990, p. 321 in: LINHARES, 1990).
Goulart então apela para o apoio da esquerda e da mobilização popular com o intuito de realizar as suas pretensas reformas de base encaminhando "uma série de leis ao Congresso, entre elas a lei de Reforma Agrária, em 15 de março de 1964" (SILVA, 1990, p. 321 in: LINHARES, 1990). Novamente, um outro "incidente militar" desta vez na marinha, impelindo e estimulando a necessidade de se legar amplos poderes às forças armadas para atuação e supressão de tais "incidentes". Enquanto isto, em Minas Gerais, dava-se os últimos ajustes para o golpe que estava previsto para este mesmo mês de março. Deste modo, para evitar maiores complicações, Goulart renuncia. Está consumado o golpe militar que tomou o poder e legou à direita a supremacia numérica no Estado.
A partir deste ponto, notamos que o que deveria ser passageiro e apenas transitório pode ser analisado como duradouro se considerarmos todas as intervenções militares no campo político, sendo que estas, sempre se deram favoráveis à direita. E neste seguimento, a repressão tendeu a recair sempre sobre aqueles que desejavam ver realizadas as intenções anteriores da esquerda como as realizações reformistas, trabalhistas com a perseguição e desaparecimento de lideranças políticas e de movimentos sociais. Os expurgos se tornaram uma constante.
Para amenizar as possíveis leituras mais céticas do recém implantado regime, medidas de transformação da realidade econômica são adotadas, medidas que, diretamente, apenas afetaram as camadas mais baixas do estrato social daquele contexto como o arrocho salarial para baratear os custos de produção interna melhorando assim, como por consequencia, a competitividade dos produtos nacionais no exterior. Roberto Campos é destacado por sua política de internacionalização e tendência fortemente liberal e privatizadora  primando a diminuição da participação do Estado como formas de dinamizar a economia. (SILVA, 1990, p. 324 in: LINHARES, 1990)
Medidas estas que ao afetarem as camadas menos favorecidas geram insatisfação e, conseguintemente, atividades mais ostensivas por parte dos sindicatos que vêem, por sua vez, a repressão concentrar suas atenções às suas instituições mais combativas.
Diante das ações mais radicais do militarismo enaltecido no tecido governamental, percebemos uma ruptura dos atores motivadores do golpe como Ademar de Barros e Carlos Lacerda com as intenções militarísticas. Diante de tantas desconfianças das possíveis intenções de perpetuação e de atuação mais incisiva dos militares enquanto agentes interventores no governo federal, reforçado pelas ações do CODI (Centro de Operações de Defesa Interna) e também do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) temos uma mobilização por parte dos antigos apoiadores da "revolução" – Ademar de Barros e Carlos Lacerda por exemplo.
Daqui para frente, a repressão é a vedete e carro chefe da condução formal do governo do regime militar. Cinema, teatro, imprensa, músicas e muitos outros seguimentos são censurados para garantir a legitimidade e não subversão dos ideais nacionais propostos pelo regime. Uma onda ufanista e nacionalista irá tomar conta das movimentações do governo.
Apesar do "milagre econômico", o que se vê na prática é uma acentuação exacerbada do abismo social entre ricos e pobres, o que leva à um processo necessariamente emergencial de mudança estratégica, verificado na transição econômica do II PND (SILVA, 1990, p. 332 in: LINHARES, 1990).
Após fortes mudanças no quadro econômico mundial – 1973 – o último general presidente concede anistias políticas (1979-1984) que vão desembocar na reforma e restauração dos partidos políticos do Brasil. Com a fragmentação do MDB veremos uma dança enxadrista de manobras entre líderes políticos para "transição entre a ditadura e um regime representativo" (SILVA, 1990, p. 332 in: LINHARES, 1990). Resistências contra a "diretas já" não faltaram, contudo, mobilizações de instituições e das massas que viram em Paulo Maluf uma continuidade duvidosa e indesejada do regime fazem recuar tais articulações. Tancredo Neves e Sarney, em uma aliança salutar para ambas as reivindicações – direita e esquerda – chegam ao poder.
Após a morte prematura de Tancredo Neves, Sarney é quem ascende ao poder com a incumbência de sanar pesadas cobranças historicamente construídas e socialmente notórias.
3) O processo de redemocratização do Brasil já fora descrito parcialmente na questão anterior onde temos uma abordagem que contempla as discussões introdutórias acerca desta redemocratização. Um dos grandes motivadores do processo de redemocratização foi o esgotamento do modelo substituição de importação e o processo gradual de desindustrialização verificado no contexto dos anos 1980-82 em virtude do alto grau de dependência econômica atrelado ao endividamento externo.
O clima de transição entre o regime ditatorial e o de democracia representativa se instalara, o autor apresenta-nos dois conceitos de O’Donnell – transição por colapso e transição pactuada – mostrando que o segundo se mostra mais próximo da realidade brasileira.
Diante das crises notórias do regime ditatorial o clima de transição fica evidente no lema “Muda Brasil” com forte adesão popular e mobilizações de partidos como o PT. Partindo destas constatações, o autor apresenta-nos um quadro onde Tancredo Neves é além de um antigo opositor do regime o personagem determinante na conduta deste processo de transição “lenta, gradual e segura”.
Diante das constantes tensões intra e extra partidárias temos o PT como ator de uma leitura diferenciada dos outros partidos em relação a esta transição que se mostrava bastante “conservadora e pactuada com o autoritarismo”, sobretudo, desconfiava do real papel de Tancredo Neves neste contexto, desconfiança esta que só aumentou com a candidatura de Maluf e Sarney. Perante os problemas na presidência de Figueiredo, os movimentos das elites atestavam uma ansiedade em garantir para si mesmas um status quo equivalente ao de sempre, uma continuidade de sua condição diante da, aparentemente, inevitável mudança. Falamos da mudança pois, o movimento iniciado e refutado pelas esferas do poder da Ementa Dante de Oliveira já havia sido incorporado e endossado pelas massas, mas justamente, cientes desta negação porvir da Emenda, os políticos já faziam uma projeção das reações futuras da população à esta negação.
Para piorar, a fragmentação que vivia a extrema direita gerava um risco de revanchismo e, com efeito, de cobrança das atrocidades e erros serem cobrados após a dita transição, como ocorrera em outros países citados pelo autor, por isto, a negociação emergencial entre oposição e a base governista era necessária e assim foi feito.
A solução foi habilmente negociada. Embora permanecendo no PDS votariam no candidato do PMDB, Tancredo Neves, caso fosse garantida pela oposição uma transição sob controle. A garantia de uma transição que não escapasse ao controle das elites políticas do regime agonizante seria feita através da incorporação do próprio Sarney como vice-presidente na chapa do PMDB, além da indicação de alguns dos principais políticos do PDS para o futuro ministério (...) (SILVA, 1990, p. 338-339 in: LINHARES, 1990).

Após este acordo, assistimos a formação do PFL, que junto ao PMDB – Aliança Democrática – são acusados de “peleguismo” junto ao conservadorismo. Assim, a esquerda, sem o PT, representada pelo PDT, apoio a Aliança Democrática em sua marcha junto as mobilizações regionalistas no sentido de fortalecê-la. Tal mobilização da esquerda e da direita consegue eleger Tancredo Neves, é o fim da ditadura.
Com a morte “oportuna” de Tancredo Neves, os espaços ficam cada vez mais amplos para as articulações e condução do processo de transição democrática. Em princípio Sarney respeita os acordos previamente feitos com Ulisses Guimarães e desenvolvendo a grande expectativa da firmação de uma constituinte. Constituinte esta que previa a retirada de todo o “entulho autoritário”  que limitava o exercício pleno da cidadania e liberdade de expressão. Enquadra-se ainda dentro deste entulho o serviço público que, quase nepótico e clientelista, como aponta bem Nicolau Sevcenko em seu livro “A literatura como missão”, como apontado, também, no texto de Francisco Carlos Teixeira da Silva, era deficiente, viciado e historicamente despreparado. Argumento que poderia ser amplamente usado como reforço de uma política anti-estatista, reforçando assim a ideia de inserção de políticas externas e privatizações como solução para os problemas econômicos – Estado mínimo.
Com maior abertura de políticas sindicalistas e redemocratização das práticas políticas e liberdade de expressão, a classe média mais articulada e o “Novo Sindicalismo” se constituem como ponto de apoio para as bases de transformações mais significativas no cenário nacional. Com a criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), este movimento primário de solidariedade intra profissional começa a ganhar corpo. A ampla adesão à CUT reforça os ideais de cidadania e,  a fortiori, a crença na força representativa dos sindicatos.
Dentro desta conjuntura temos
Pela primeira vez na história do país, e atendendo às pressões das novas formas de representação, são aceitas emendas populares, propostas por petições encaminhadas por pelo menos três organizações da “sociedade civil” acompanhadas por 30 mil assinaturas. Campanhas variadas circulam o país em favor da incorporação de medidas institucionais em favor dos trabalhadores, de minorias raciais e sexuais, da mulher, da criança e do jovem, pelo meio ambiente, etc. (sic). (SILVA, 1990, p. 342 in: LINHARES, 1990)

Após aceitas boa parte destas reivindicações temos a mais democrática Constituição vigente com garantias plenas e com amplos ganhos em todos os seus segmentos discutidos. Em contrapartida, os conservadores com críticas a partir de suas bases tentavam minar a validade e aplicabilidade desta Constituição iniciando uma briga no campo ideológico em torno da Constituição e suas premissas.
No tocante aos embates entre esquerda e direita, a transição pactuada impedia a esquerda de imobilizar permanentemente a direita. Assim, vimos a anistia como revitalizador político da direita.
Apesar deste impasse, temos um sabor de vitória presente neste contexto, vitoria esta que logo saber-se-á efêmera e transitória diante das ações corrompidas e direitistas do presidente José Sarney que apresentara sua face clientelística e corrompida que aliou posteriormente seus projetos pessoais e interesses, “os interesses fisiológicos da representação política e o projeto conservador das elites nacionais” (SILVA, 1990, p. 345 in: LINHARES, 1990).
Seguindo a tendência idiossincrática e demagoga da atuação de José Sarney enquanto político, temos a economia nacional, de novo, nas mãos dos estrangeiros. Pagou-se um alto preço pela política de endividamento como política de estabilização econômica do país.
A reforma monetária proposta por Dilson Funaro criou uma imediata sensação de poder econômico rebaixando a inflação, valorizando a moeda, mas, em virtude da política de endividamento das gestões passadas e desta gestão limitava e condicionava o “Plano Cruzado” à um restrito campo de ação. Já com o “Plano Cruzado II” a realidade vem à tona. Os preços que antes congelados e controlados pela SUNAB disparam e a inflação retoma seu curso ascendente sem precedentes. Ações populares explodem no sentido de cobrar as promessas dantes feitas. Sarney se vê pressionado e sem apoio. O governo retoma práticas repressivas para convencimento da continuidade do trabalho das massas usando-se das Forças Armadas. Neste contexto temos o surgimento de Collor que liderará as denúncias de corrupção, mal uso dos recursos públicos e dos marajás.
Apoiado em suas denuncias, Collor irá se auto promover e se projetar como um político atuante e sério, contudo, sua principal característica, segundo o autor, é dual. Dual porque em primeiro momento aparece como ilusionista das demandas populares e segundo porque é afinado com solidamente com os interesses das elites nacionais no sentido de “desmontar os mecanismos distributivistas do Estado” (SILVA, 1990, p. 352 in: LINHARES, 1990). Com estes ataques ao governo deficiente e problemático e diante de uma população sequiosa de um político promissor, temos, àquela altura, o vislumbrar de um potencial presidente da república à altura dos anseios populares...
A candidatura da primeira eleição realmente democrática contou com uma série de recursos antes nunca vistos e justamente por isto, bastante problematizada pelo autor Francisco Silva. Ele apresenta todos os candidatos como sendo de centro-direita. Dificultando assim o trabalho de escolha da população que se distanciava muito objetivamente de políticos que tivessem alguma ligação com o antigo regime opressor vivido.
Diante de um quadro social sofrido com, pobreza e miséria em alta, problemas trabalhistas crônicos, os políticos, em sua grande maioria, encontravam-se desacreditados e em baixa na estima popular mais geral. Contudo, sobressaem dois, – Lula e Collor – como modelos distintos de possibilidades um por sua origem humilde e forma de vida dentro da sociedade e o outro, de certa forma, também, por sua origem, mas, sobretudo, por suas propostas e promessas de viabilização de um país mais moderno e consumista aliados à “Nova Ordem Mundial”.
Segundo o autor, o PT apostou numa estratégia ruim, o que levou ao insucesso de sua campanha no primeiro turno. Já no segundo turno, formadas as alianças partidárias, as estratégias não mudaram, e o ataque pessoal de Collor à pessoa de Lula foram decisivos para a sua derrocada nas urnas.
Eleito, Collor põe em ação o que mais tarde será denominado de “Plano Collor” que teve seu grande foco na derrubada da inflação como forma de apresentar resultados imediatos e uma prática de caça aos pretensos “marajás”, “Collor se eximia de enfrentar as verdadeiras causas da injustiça social” (SILVA, 1990, p. 358 in: LINHARES, 1990). Mas, como de fato se percebeu uma inundação de importados à disposição para a compra e utilizando-se destes mesmos importados como forma de combate aos preços abusivos do mercado interno tem-se a sensação de melhoria na economia, seguindo a tal “Nova Ordem Mundial”. De certa forma, era notória a orientação do neoliberalismo na política de Collor onde a livre iniciativa iria conduzir a economia à um neo “Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même”, porém, este alto individualismo pregado, em detrimento de uma maior ação comunal sempre apresenta limites e priorizará quem já está em vantagem. Neste contexto de aproveitamento pessoal constante, o que se preza é o individualismo e ganho pessoal sobretudo. Nesta passagem torna-se nítida a evidência desta tendência na sociedade capitalista e liberalista proposta: “A incorporação de tecnologia, com a melhora de qualidade dos produtos, e o aumento de produtividade são pouco considerados, ocorrendo frequentemente fraudes no peso ou nos componentes, como forma de aumentar os lucros.” (SILVA, 1990, p. 361 in: LINHARES, 1990).
Mais uma vez, vemos na história da jovem nação brasileira um plano econômico falhar e sucumbir diante das seqüelas historicamente construídas – dívida externa, inflação incontida, industrialização setorialmente focada e hibridizada – levam o plano a dar sinais de esgotamento também, uma vez que, “o perfil industrial do país era, e ainda é, atrasado” (SILVA, 1990, p. 361 in: LINHARES, 1990).
Assim, detectando-se tal mazela e entrave para o desenvolvimento, trata-se de resolver parcialmente tal problemática sendo que os bancos foram os primeiros a se lançarem na empresa de substituir a mão de obra por tecnologia seguindo as tendências mais atualizadas e alinhadas à “Nova Ordem Mundial”. (SILVA, 1990, p. 358 in: LINHARES, 1990).
Com estas ameaças rondando a garantia já baixa de emprego do cidadão brasileiro, a desconfiança começa a pairar sobre as ditas vantagens do Primeiro Mundo. Para completar o quadro de desilusões, desconfianças e temores da população nacional, escândalos, corrupção e falcatruas voltam a surgir no ideário político da nação brasileira. Agora, é a vez da Casa da Dinda, ou seja, a residência da família Collor. Expostas as ligações ilícitas e os feitos do presidente que manchavam e maculavam sua posição enquanto presidente, tem-se o início de um fenômeno que seria inédito nas práticas políticas democráticas de até então.
Tal fato reforça a decepção da sociedade brasileira e o autor se utiliza muito bem de músicas e da TV enquanto linguagens e fontes para enfatizar e desvelar o nível das mentalidades da sociedade daquele contexto histórico efervescente. Obviamente, o desfecho de tanta desilusão foi o impeachment do presidente Collor que quebrará uma cumplicidade estabelecida entre ele e a sua sociedade, segundo o autor. Cumplicidade esta que fora construída a partir de abordagens psicologizantes e apoiadas numa imagem desenvolvida para conquistar no nível mais mental e que se quebrou pelo romper da confiança com as polêmicas em que se envolveu a figura do presidente. O autor conclui que o impeachment foi obra do povo brasileiro.
Com a queda lastimável do presidente Collor, sobe ao poder o seu vice, Itamar Franco. Seu governo, em princípio é marcado por indefinições nas orientações da política econômica a ser tomada, ou seja, entre a estatização e a privatização.
O autor apontará como grande fenômeno deste momento histórico a ascensão do PSDB como partido político – os modernizantes – líder das ações políticas, e seu distanciamento do PMDB lhes aproximando do PFL.
Por fim o autor se concentrará em determinar como fenômenos constantes em seu texto o mal da corrupção quase que congênita na política nacional como um perigo para o futuro político do país, como por consequência,  este mal afastaria os eleitores das discussões políticas e seu interesse nela. Este fenômeno de ojeriza popular à política seria um somatório das desilusões e fatores de má condução da política nacional. Também como agravantes temos a histórica distribuição de renda desigual; condição de trabalho injusta; problemas da mão de obra e trabalho infantis que, por sua vez, implicam em problemas educacionais futuros; desigualdades sociais e raciais notórias desde 1988 pelo IBGE (sendo que sabemos ser mais antigo estes problemas). Tais fatos promovem uma deficiência futura nas relações de poder e acesso das massas e minorias subalternizadas à ocupações mais bem remuneradas em virtude de seu alijamento dos processos de formação e educação mais promissoras.
O autor aponta a criação do MERCOSUL como um dos adventos mais positivos do bloco dos países da América do Sul onde trocas produtivas ocorrem com maior intensidade e tende a aumentar a solidariedade entre estes países.
Nesta altura, começa por parte do autor uma discussão acerca das possíveis intervenções para maior democratização das possibilidades, ou seja, da redemocratização e melhor condição de vida e justeza social entre o Estado e a iniciativa privada. Ele aponta para as posições teóricas existentes e as discussões mais atuais acerca desta temática do ponto de vista político polarizado entre esquerda e direita suas propostas e resoluções.
Assim, apresenta-nos Francisco Silva o advento do “Plano Real” de autoria de Fernando Henrique Cardoso fundamentada em uma “gerência mais eficiente dos recursos monetários e no controle do déficit público” e não em planejamentos que previam o prejuízo intenso das classes menos favorecidas em detrimento de uma pretensa saúde econômica do país, ao menos, não diretamente no bolso destas classes. Entretanto, os cortes orçamentários incidem diretamente nos serviços básicos que são, em sua maioria, acessados pelas classes mais pobres – a saúde e a educação. Então, fenômenos recentes como vimos, em virtude de sua proximidade com a contemporaneidade, tais quais o fechamento de cursos profissionalizantes conjugados do ensino médio em lugar de uma pretensa “Formação Geral” que, constituída para melhorar o desempenho e acesso destas classes à universidade, tirou-lhe uma qualificação mais direcionada ao mercado e legou-lhes uma gama de cursos em nível técnico, porém, agora, todos da iniciativa privada e pagos, excetuando-se as IF’s.
O plano “emplaca”, mas, não credencia Itamar Franco a modernizar o Estado, em seu lugar, fica bastante cotado para tal modernização, o criador do “Plano Real”, Fernando Henrique Cardoso. Nas eleições de 1994, o erro da estratégia de Lula na campanha contra Collor se repete. O foco na oposição esquerda contra direita e o discurso de análise e recuperação da pobreza exacerbada, denominada pelo autor de estética da pobreza, falha diante do mesmo discurso de modernização dos direitistas liderados por FHC. Mais uma vez, a grande novidade estava fora do campo polar de discussão política deste ano. O autor aponta como grandemente notório a projeção de Enéas do PRONA.
Finalmente, Francisco Silva dirá que a população se vê altamente motivada a exercer o voto como “instrumento válido de representação” (SILVA, 1990, p. 376 in: LINHARES, 1990) face ao fio de esperança e surto de positividade levados em consideração pelo plano real.
Com a revisão da Era Vargas temos uma modificação mais significativa da postura governamental em relação aos modelos econômicos adotados. O modelo propõe um tripé que trata da importância de se ter um “grande capital”, um Estado forte e o “grande trabalho”. Onde a grande novidade mesmo, grosso modo, fica por conta do entendimento que sem um numero efetivo de consumidores não há um capitalismo forte. Embora, o autor note que tal implantação tardia no Brasil não foi completa, foi “no máximo, um fordismo periférico, excludente e seletivo (...) [gerando] ilhas de eficiência, de bem estar, quase sempre urbanas, [que] pontilhavam um oceano de pobreza” (SILVA, 1990, p. 378 in: LINHARES, 1990). Assim, constituído sobre uma série de acúmulos de desenganos políticos, econômicos e sociais que a nossa nação tem encarado sua construção histórica até os dias atuais.

Bibliografia

LINHARES, Maria Yedda (organizadora). História Geral do Brasil. 6ª Ed. – Rio de Janeiro: Campus, 1990.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 3ª Edição – São Paulo, 1989.
NAPOLITANO, Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. – São Paulo: Atual, 1998.

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