terça-feira, 31 de maio de 2016

Teoria e História: a liberdade multirreferenciada dentro das possibilidades de consolidação teórica

Teoria e História: a liberdade multirreferenciada dentro das possibilidades de consolidação teórica


Wilson Oliveira Badaró


            Discutir um assunto tão remoto quanto os próprios relatos da produtividade humana nos diferentes campos do saber dentro da história é uma tarefa bastante complicada. Associar correntes teóricas e metodologias, muitas vezes, díspares e anacrônicas – ainda que assim aparentem em um primeiro momento – em relação a realidade historicamente contextual de um objeto de estudos com tais implicações temporais é ainda mais complexo. Como aproximar discussões, conceitos, noções e teorias dos últimos dois séculos com qualquer sociedade histórica da antiguidade remota? Como evitar que as impressões atuais sejam transplantadas do presente para um passado tão singular e dinâmico em sua estrutura quanto o Egito Antigo? São indagações e problemas como estes que os aspirantes a historiador encaram em seus primeiros passos na produção acadêmica da pós-graduação.
            A escola positivista, apesar de tida e apresentada como obsoleta por muitos deve ser considerada pelo fato de haver lançado a pedra fundamental de uma produção histórica organizada e pautada em uma metodologia, ainda que problemática (aos nossos olhos hoje), bem definida e delineada. Sua teoria do reflexo, tão propagada por Ranke, representou um avanço para as escolas históricas de seu contexto e, o culto às fontes traz consigo uma espécie de redenção cientificista para os historiadores de então. Acreditou-se, dentro daquele momento da historiografia que “ao abandonar a influência da filosofia e pretender assumir uma forma científica, o conhecimento histórico aspira à objetividade” (REIS, 2004, p. 10).  Atualmente, podemos dizer que boa parte das tendências de produção historiográficas não estão totalmente livres desta tendência pois, basta você propor a um orientador uma pesquisa complicada que ouvirá em sequência a pergunta: “tem fontes?”. E de certo modo, precisamos convir que, escrever história sem referenciais materiais e documentais tangíveis transporta-nos quase que imediatamente à uma revisão de literatura. Enfim, acredito que o positivismo, neste sentido, ainda nos acompanha e se mantém altamente atual. Por isto, muitos se conformam com a noção e rotulação de neo-positivismo. Em meu trabalho sobre o Egito Antigo, dependi quase que exclusivamente de meus papiros para desenvolver discussões realmente relevantes sobre o assunto.
            Já na corrente marxista, as considerações teóricas que identificam contradições nas construções sociais em todo o mundo, sobretudo no mundo ocidental onde, a exploração do homem pelo homem amplia as diferenças e apontam para uma constante luta de classes que passou despercebida pelos positivistas que praticavam uma produção historiográfica de “classe para si”.Em meu trabalho, em específico, vejo a possibilidade de utilizar-me da noção de hegemonia e luta de classes do marxismo para explorar os silêncios da historiografia ocidental acerca da relevância das práticas de cura egípcias, assim como se propôs um saber medicinal hegemônico do ocidente sobre o resto do mundo desconsiderando os apontamentos de Gordon Childe[1] sobre a transmissão de saberes do Oriente Próximo para o ocidente.
            Uma leitura sobre as forças produtivas poderá aparecer no sentido de apresentar um quadro funcional da sociedade egípcia onde as atividades deem uma paisagem mais detalhada daquele contexto histórico. Neste ponto, podemos convir, de acordo com as noções de materialismo histórico e dialético do marxismo que dentro da ideia de
produzir, os homens se socializam e mudam com consciência a natureza. O homem gera, pela produção, novas necessidades e, consequentemente, o modo de consumo de seu produto, surgindo assim o seu consumidor.O modo, o consumo, a quantidade e a forma de satisfazer a produção são produtos históricos (QUINTANEIRO ET OLIVEIRA BARBOSA, 1995, p. 70; BADARÓ, 2010).
            Tais verificações materialistas e dialéticas entre homem e meio são fenômenos amplamente observados na lida das práticas de cura do Egito Antigo. Deste modo, o materialismo histórico é essencial para compreender processos sociais dentro das comunidades africanas antigas.
A luta de classes aparece como forma de compreender o não reconhecimento das potencialidades africanas no sentido de continuar legitimando uma partilha que se travestiu de missão salvacionista e progressista para um continente apresentado para o mundo como pecaminoso, subdesenvolvido, incréu e apolítico. Ou seja, muitas dimensões do marxismo podem dialogar amplamente com o meu trabalho, mas devo manter em foco as renovações propostas por Edward Palmer Thompson para atualizar as discussões em relação ao marxismo clássico.
            A interdisciplinaridade e a história problema fazem parte do meu projeto desde o princípio de sua concepção. Dialogar com a espacialidade, territorialidade e as dimensões limítrofes dos africanos em relação aos seus vizinhos internacionais – núbios, kushitas, meroítas e napatas, por exemplo – é conhecer as benesses da inclusão de discussões de outros campos de conhecimentos. Descrever esta territorialidade é compreender a necessidade da História compreender as contribuições da cartografia para uma apresentação histórica bem fundamentada. Braudel já propunha esta aliança, dentro das convicções da escola dos Annalescomo solução plausível para a complementariedade da ótica histórica acerca das complexidades que cercam as discussões das ciências ditas sociais.
            Deste modo, a escolas de Annales contribui poderosamente no sentido de ampliar as discussões pela proposição acertada destes historiadores no sentido de rever as discussões, antes muito endógenas entre os pares produtores de conhecimentos historiográficos, e incluir em seus debates matérias de outros campos de conhecimentos.
            Dentro desta corrente, vejo ainda a leitura bastante contributiva da longa duração dos processos e intervenções de cura dos egípcios, partindo dos pressupostos de Braudel. O pergaminho que me conduz a esta discussão fora produzido por entre 2700 a.C e 2500 a. C, em hieroglífico, contudo, a versão que disponho, em sua forma digitalizada, está em hierático e pressupõe uma cópia para projeção dos conhecimentos, além de, possivelmente, tratar-se de uma cópia de segurança visando a perpetuação destes saberes.
            Como se pode ver, todas as três correntes contribuem efetivamente para a construção deste trabalho, no entanto, nenhuma, isoladamente, terá impacto realmente significativo na produção. O ideal é o uso consciente e ponderado dos referenciais, justificando suas inclusões e usos para uma base realmente científica e verificável.
Bibliografia
CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo Fernandes.Introdução ao pensamento sociológico.18. Ed. São Paulo, Centauro, 2005.
CHILDE, V. G.A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
OLIVEIRA BARBOSA, Maria Ligia deQUINTANEIRO, Tânia.Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber.Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995.
REIS, J. C. A História, entre a Filosofia e a Ciência. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.



[1]Para maiores discussões e detalhes, veja: CHILDE, V. G.A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.