terça-feira, 3 de setembro de 2013

Reflexões sobre a prática docente retratada no cinema

 Análise do filme "A Sociedade dos Poetas Mortos"


BADARÓ, Wilson Oliveira


         INTRODUÇÃO
            Acredito que uma breve introdução seja aqui necessária para descrever com maior precisão a minha abordagem à tão interessante provocação feita pela professora no sentido de estimular em nossa turma a verve filosófica indagadora, inquieta e sempre revisionista. Acredito que esta breve introdução trata tão somente de antecipar atitudes que tenho percebido em mim ao longo de minha trajetória acadêmica. Não consigo, ao menos com facilidade, falar de determinados assuntos sem envolver outros autores ou teóricos nas discussões. Em geral, ao final das atividades acadêmicas acabo dispondo de um artigo e, muito raramente de um ensaio. O que não é ruim, mas, muito me incomoda pois, gostaria, sinceramente, de ser capaz de redigir também um ensaio e, ao que parece, desta vez eu consegui. Embora, incial e particularmente, tenha maior apreço pelos ensaios, mas, a força das exigências acadêmicas acabam nos impelindo mais a produzir o artigo seguindo a tendência da CAPES. Assim sendo, gostaria de tratar de algumas ferramentas que utilizarei ao longo da produção. Acredito que, o conceito de posicionalidade[1] me ajudará a melhor compreender os fenômenos que cercam esta discussão.
            Também, vejo de forma cautelosa e reservada mas muito útil a noção de tradiciocentralizção que foi uma noção desenvolvida por mim mesmo à medida que comecei a discutir o assunto. Tal noção implica, em sintetizar o significado bastante amplo que gira em torno do ato pragmático de conduzir o trabalho e as relações sociais que nele se dão. Como a própria construção morfológica da palavra se dá no sentido de representar o fato notório das tentativas profissionais, a fortiori, em manter práticas clássicas, muitas vezes percebidas em vários segmentos da divisão social do trabalho no mundo. Como podemos ver, a manutenção, em muito pequena escala é verdade, mas muito pertinente, de práticas profissionais como a dos alfaiates, sapateiros artesãos, ornamentadores etc., ou ainda em maior escala como em profissões como a dos professores, – nosso caso particular nesta discussão – na prática de médicos que devem sempre seguir um procedimento padrão preestabelecido para obtenção de seus resultados, advogados que devem seguir um corpus de normas e comportamentos esperados pelos seus pares para que se obtenha aceitação e aprovação dos mesmos etc. Tudo isto observado mesmo em tempos onde a produção industrial aumenta cada dia mais e mais e as demandas por inovações e renovações das práticas profissionais e adequações às "novas ordens mundiais"[2] são pautas dia. Algo muito discutido também por Eric Hobsbawm e Terrence Ranger na obra "A Invenção das Tradições".
            Feitas as devidas apresentações e considerações das possibilidades visualizadas apriorísticamente, partamos para as discussões mais específicas.

         Respostas propostas para as indagações elaboradas

1)      Das visões sobre educação dos diferentes atores históricos representados no filme:
a)     Segundo a obra cinematográfica tratada – Dead Poets Society –, a visão do pai de Neil, Mr. Perry, sobre a educação, se direciona para uma educação de cunho meramente utilitário e finalista. Apenas escolheu esta instituição por uma questão de tradição[3] e não necessariamente pela questão da formação em si, mas, sobretudo, pelo know-how que esta – a instituição – tem em inserir seus pupilos em instituições de ensino superior consagradas. Dito isto podemos verificar tal tendência do Mr. Perry em, pelo menos, duas passagens como as que ele poda o seu filho de permanecer nas atividades de extensão/extracurricular relacionada à redação do "anuário" (WEIR, 1989) e, em seguida, aquela outra passagem de seu impedimento inicial em prosseguir na peça teatral. Ambas as atividades representavam ações de cunho formativo e extremamente prazerosas para Neil, e como sabemos, o envolvimento com o seu objeto de estudo é muito importante para um desenvolvimento salutar e profícuo do agente investigador.
            Ambos os impedimentos estiveram diretamente relacionados com a interpretação do pai sobre a utilidade da educação, como ela deveria ser conduzida, – de forma direcionada, especializada e objetivamente orientada – seu conseguinte desejo de realização em seu filho e, não atentando ele, o pai, às necessidades, inclinações e aspirações de seu rebento (WEIR, 1989). Detalhes que ao serem negligenciados levaram ao desfecho que observamos na obra e que, em definitivo, por muitas vezes, podem ser verificadas na vida real com maior ou menor grau de dramaticidade.
            Por fim, ao que parece, para Mr. Perry, a educação é apenas um meio para se alcançar um fim – a universidade – que levará ao status e à boa condição de vida almejados, e que deve ser o mais restrita possível para que esta finalidade não se perca em meio as outras possibilidades viabilizadas por qualquer outra atividade que os estudos objetivos das disciplinas ministradas ad hoc, não sendo ela, a educação, um instrumento, de fato, necessário à socialização em outra esfera, nem de formação do cidadão mais amplo e abrangente em termos de erudição e conhecimento das realidades múltiplas da sociedade também múltipla (WEIR, 1989).
b)     Já para o Mr. Keating, que tem como sua marca mais interessante a heterodoxia, provavelmente, o mais revolucionário dos professores que aparecem nesta obra – se não o único[4] –, a educação se resume em um jogo de perguntas e respostas onde a segurança – para ele enquanto professor e para o aluno – da resposta correta está mais na convicção do aluno em estar seguro do que faz, de fato, do que na normatividade não dialógica de uma resposta fria, previamente estabelecida e fundada nos alcances mnemônicos do seu alunado.
            Obviamente, em minhas leituras anteriores, fica evidente que o professor Keating tem grande influência de teóricos da educação, ou ao menos, realiza ações que foram teorizadas por eles. O professor Keating atua com a força da dodiscência[5] ao seu lado, compreendendo que o processo de ensino-aprendizagem deve acontecer de forma dialógica e não hierarquizada. Para isto o professor invoca atividades que, não necessariamente, envolvam atuações em espaços pedagógicos convencionais como sala de aula, bibliotecas, laboratórios ou similares, mas, por vezes, utiliza-se de outros espaços que provoquem outras atitudes e reações. Assim bem como as atividades propostas per se que, como Keating desenvolveu, ele intencionava resultados práticos hic et nunc em suas prováveis expectativas. A ideia de marcha ao agrado intrínseco de cada um buscando realçar as idiossincrasias, especificidades e características mais próprias de cada um dos seus alunos.
            Ele torna tangível para quem assiste uma tendência Vigotskiana quando demonstra que tem consciência dos aspectos relacionados à cognição e comportamento humanos como reflexos oriundos de respostas físicas sofridas concretamente no meio (BOCK, 2001, p. 113) ou seja, que agimos ou reagimos de acordo com estímulos que podem ser desencadeados também fora dos padrões normativos estabelecidos pela instituição e que, evidentemente, se queremos respostas diferentes de nossos alunos, temos que propor atividades diferentes, agir diferente, escolher espaços diferentes.
            Mr. Keating também aprofunda em seu relacionamento com o alunado, rompendo com o tradiciocentrismo, a ideia de um processo de ampliação e valoração da subjetividade e individualidade enquanto formadora das diversidades e especificidades que enriquecem os padrões do conhecimento humano (BOCK, 2001, p. 114) aproximando-se em muito às linhas de interpretação vigotskianas da Psicologia Sócio-Histórica no Brasil.
            Podemos ainda verificar em sua ação de propor uma mudança na posicionalidade de cada um dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem (aluno-professor) que subissem na mesa do mestre para que pudessem olhar as coisas diferentemente. (WEIR, 1989) Pareceu-me a princípio uma ação sem fundamento teórico algum ou meramente banal e vã, talvez até tenha achado a atitude um tanto vilanesca à primeira vista... Mas, após refletir diante das possibilidades de sua atitude, fiz um processo de alteridade pura e daí entendi, muito particularmente, que se eu estivesse lá, no lugar dos alunos, acreditaria que o fato de ser convidado formalmente a subir na mesa do professor após o próprio subir de forma – para os padrões institucionais – transgressora e incomum em sua própria mesa, ele propunha que qualquer um de nós poderia estar em seu lugar ou mais ainda, que todos nós estamos em seu lugar em todos os momentos. O fato dele se colocar como o capitão da jornada de aprendizagem-ensino apenas está relacionada a necessidade formal de se entender as posições que cada um ocupa dentro desta relação historicamente construída, sobretudo, menos por seu desejo imediato de liderar as iniciativas e mais pelas exigências institucionais de Welton que são, como já vimos desde o início desta discussão, tradiciocentradas.
            Sua abordagem no salão onde propõe duas formas de tratamento possíveis dos alunos para a sua pessoa demonstra uma nova possibilidade. Uma tradicional, usando diretamente seu sobrenome, já conhecida por muitos, que pode atender os que possam não se sentir confortáveis com a inovação. E a outra, Oh! Captain my captain!, (WEIR, 1989)propondo um outro nível de relacionamento entre aluno e professor, menos formal e rígido, mais flexível e sutil.
            A ideia de finitude da vida retomando um assunto há muito discutido e problematizado entre os estoicistas de Zenão e os epicuristas. Se não incorro em erro, os precursores desta discussão no mundo ocidental. Falamos assim da morte. Carpe diem disse Mr. Keating. (WEIR, 1989) Na verdade, é isto que a frase quer dizer para mim dentro do filme. Uma breve viagem filosófica entre a certeza da morte e as diversas possibilidades enquanto ela não nos abraça. Tal qual propunha a escola de Zenão e Epicuro na carta "Sobre a felicidade à Meneceu" por exemplo.
            Por fim, vários outros exemplos poderiam também ilustrar bem a posicionalidade diferenciada e comprometida de Keating no intuito de mudar significativa e libertariamente a sua relação com seus alunos. Citarei furtiva e superficialmente sua aversão à racionalização e formatação normativa da poética e das composições e métodos de se avaliar e produzir os poemas; sua crítica às construções intelectuais que muito se aproximam das produções em escala industrial que servem a padronizações pré-moldadas (algo até bastante atual no mundo acadêmico de hoje e as cobranças dos órgãos e agências fomentadoras relacionadas, indústria cultural, etc.); o estimulo à transgressão de normas vigentes e cristalizadoras da criatividade pelo fato de engessarem em uma única f(ô)orma possível todas as produções realmente "validáveis ou legitimáveis"; sua paixão pela criatividade imanente e eminentemente humanas em detrimento da padronização indiscriminada enfim, sua obsessão pela ontologia contingente antropológica (WEIR, 1989). Apenas para citar algumas.
            Ao meu ver funcionou sua intervenção diferenciada, pois, a "Sociedade dos Poetas Mortos" voltou a viver em Welton, e não somente isto, percebemos mudanças comportamentais nos alunos envolvidos e sem emitir juízos de valor sobre tais mudanças, restrinjo-me apenas a mencionar o seu acontecimento e não seus efeito qualitativos ou quantitativos de forma posicionalizada. Aqui é melhor que cada um tire suas conclusões.
c)      Já para a instituição, representada pelo diretor Mr. Nolan, a sua tendência fortemente tradicionalista firma e apresenta-se logo no início do filme com as assertivas que direcionam sua linha de raciocínio e cosmovisão para palavras-chaves como "luz do conhecimento" (WEIR, 1989) remetendo-nos às máximas do aufklärung filosófico kantiano priorizando métodos antigos – cientificistas e metodistas da escola metódica, por exemplo – mas, dentro das demandas de sua proposição, eficazes. Lembrando-nos ainda da interpretação socrático-platônica do saber e da falta dele no livro VII da república na passagem conhecida como a "alegoria das cavernas".
Ou então, ainda no início, os valorizados e tão protegidos "pilares da instituição" (WEIR, 1989) representados pelas palavras "tradition, honor, discipline and excellency" (WEIR, 1989) que apontam para a continuidade histórica de um formato institucional teleológico e finalista focado "nos princípios aqui ensinados" (WEIR, 1989) se referindo à academia Welton. Em outro momento do filme, onde o professor Keating em diálogo com outro professor, Mr. McAllister, tomavam os alunos como foco de sua discussão. Mr. McAllister que questionou os métodos de Keating tinha uma certa convicção da alta propensão à falha dos métodos heterodoxos de Keating e afirmava, assim como também o fizera em outro momento o diretor da escola, Mr. Nolan, que os alunos, na idade em que se encontravam, não reuniam condições para pensarem e nem criarem por si próprios, fazendo-nos entender o que eles, os tradicionalistas desta escola entendiam por "disciplina" (WEIR, 1989).
Os reflexos desta doutrina e a orientação fundada na premissa quatripartite da instituição educacional, a academia Welton, são notados com nitidez na pouca ou nenhuma nuança na prática docente entre os outros professores que, educam com uma posicionalidade voltada para a verticalização e, uma claramente estabelecida, estratificação institucional hierarquizada. No trecho do filme onde flashes das atuações de alguns membros do corpo docente de Welton são apresentados, um deles é bastante direto em sua aula com práticas de memorização (aula de latim) (WEIR, 1989). Um outro cobra de forma periódica relatórios para acompanhar o desenvolvimento da internalização dos conteúdos por parte dos alunos e também questionários sistematizados para sondagem (aulas práticas laboratoriais) (WEIR, 1989). Por último, mas, não menos tradicionalizante, o professor de trigonometria fecha o ciclo da prática docente hierarquizada e tradiciocentrada com a ameaça recorrente de professores que, por muitas vezes, ou temerosos de perderem o controle de sua turma ou, como forma de se impor autoritariamente diante dos alunos, utilizam-se da avaliação como ferramenta de coerção (WEIR, 1989).
Um elemento interessante no filme e, de certa forma, repetitivo para mim, mas, esclarecedor ainda assim esclarecedor é o da forma em que se dá o ingresso em instituições educacionais nos EUA em relação ao Brasil. Lá, o ingresso tem, em maior parte das instituições conceituadas, como ponto decisivo a tradição da presença de determinada família no seio do histórico de benfeitoria da instituição – a questão das famílias benfeitoras doadoras de fundos permanentes como mantenedoras para a instituição,  além das anuidades escolares ou pagas às faculdades – diferentemente do Brasil onde, teoricamente, a questão é unicamente meritocrática...
É esclarecedor porque, apesar de muito ouvir em todos os meus anos no turismo como tal processo se dá neste país, EUA, o filme apresenta melhor os ingredientes constitutivos deste processo e seus pormenores. Assim sendo, o que pareceu-me deveras interessante, ao passo que também revelador, é a pressão que o diretor imprime nos alunos baseado na tradição da anterioridade da presença de seus pais ou outros membros da família do aluno alvejado. Algo que reforça e resgata a ideia que para mim chegava a ser quase inaceitável de como seria possível que fosse mais fácil para um aluno ser aceito em determinada universidade caso seu pai fosse um benfeitor em detrimento de seu mérito acadêmico final e, possivelmente, mais relevante. Enfim, ao fim, percebi que ambos os elementos – meritocracia e tradição – tem pesos bastante equilibrados, pois, se não o fosse, bastaria para os pais preocuparem-se em pagar as doações e deixar a educação básica a cargo das instituições públicas americanas que são muito pouco conceituadas em sua maioria (lembrei-me do Brasil aqui). Contudo, como pudemos ver no filme, não é isto o que ocorre. Temos um investimento duplo, ou apenas na primeira parte, ou seja, na educação de base. Não eliminando é claro as práticas puras anteriormente mencionadas de manter-se a benfeitoria à grandes instituições no sentido de manter em alta as chances de seu filho dispor de um vaga mais facilmente na instituição pretendida em virtude do histórico familiar criado com a instituição de apreço. Ou ainda, a prática de apenas focar na boa preparação de base para obter o melhor rendimento possível nos exames nacionais.
Voltando a tratar da pressão que deu início a esta discussão, nota-se que ela tem como ponto de partida e se funda na passagem bem sucedida dos antigos membros da família e se cria em torno do estudante calouro que ao ter como referência seu pai ou irmão mais velho como ex-estudante desta instituição, tem uma expectativa que ele pode apenas equiparar ou superar, nunca frustrar. Este fato aqui exposto fica notório no diálogo furtivo entre Neil, seu pai, Mr. Perry, e o Diretor, Mr. Nolan. (WEIR, 1989)
Como bem sabemos, tal leitura das capacidades cognitivas do aluno na relação ensino-aprendizagem vão contrariando todas as expectativas freireanas construídas e debatidas teórica e praticamente. E assim como o pai de Neil, parte das considerações, ambições e intenções da instituição, notamos que na fala do diretor e deste professor supramencionado que se opôs a Keating, Mr. McAllister, assim bem como os outros que seguem uma tendência mais conservadora na prática docente, estão mais voltados para a finalidade cabal desta instituição que é inserir seus estudantes nas grandes instituições de ensino superior e, evidentemente, aumentar os dados quantitativos de seu índice de aprovação. Esta preocupação e perceptivelmente maior do que com a formação crítica e intelectual de seus membros enquanto indivíduos críticos, formadores de ideias, ideais e opiniões. Dado este que não soa-me estranho e tampouco distante de realidades que vemos nos dias de hoje, ao menos no campo da educação mais mercantilizada...

2)      Qual o lugar dos alunos nesse contexto?
Pensei exatamente em lançar mão do conceito de posicionalidade como usado por Jemima Pierre, justamente pelo fato de ser um conceito que se operacionalizaria muito bem para explicar mais especificamente esta questão. É óbvio que em uma instituição tradicional como um escola de ensino médio, as relações de poder sejam institucionalizadas e, guardadas as devidas proporções, legitimadas. A posição dos alunos é aqui subalterna e completamente passiva. Qualquer rompimento desta hierarquia é brutalmente combatida, repelida e penalizada como vimos no caso do aluno que ironizou Mr. Nolan e passou pelos castigos corporais que, segundo Foucault em sua obra "vigiar e Punir", são necessários para "adocicar" e "suavizar" os corpos como que adestrando e preparando humanos para uma socialização mais harmoniosa e regulamentada. (FOUCAULT, 1989)
Neste contexto, sua posição de subalternidade diante de seus superiores imediatos – os professores – encontram este grupo de alunos de Welton, uma possibilidade de ser minimizada tal subalternidade pela (re)criação da Sociedade que desempenhará para o grupo múltiplas funções. Libertadora, centro de criação, de reflexão, de discussão, espaço para fomento de ideias etc.
Mas, respondendo mais objetivamente a pergunta, a posição dos alunos dentro desta estrutura está ligada a sua condição de estudante, e assim sendo, ela, por força da tradição institucional, não pode e nem é horizontalizada, mas, completamente verticalizada, com exceção do relacionamento dos estudantes entre eles mesmo e com o professor substituto Mr. Keating.

3)      Qual a importância da sociedade dos poetas mortos?
Acho que a maior importância da Sociedade se consolida na continuidade que seus novos membros deram aos propósitos iniciais da primeira Sociedade. Difundir e manter a humanidade como centro das atenções intelectuais do homem, sua relação com a vida como um todo, enfatizar a consideração dos saberes em geral e da beleza deste saber revigorando a funcionalidade prática imediatamente verificada na palavra "philosophia" no sentido mais amplo dado pelos filósofos socrático-platônicos dentro do conceito de Kalokagathia (bom, belo e virtuoso), assim como suas relações com as produções humanas que primam pela beleza da contemplação e do desfrute da vida (conexão com a ideia de carpe diem). Produções como a poesia, a própria filosofia, a linguística etc., por fim, o simples fato de reconhecer o conceito de dasein puramente imediato, stricto sensu sem as discussões fatalistas, niilistas ou normativas que o conceito acaba trazendo consigo, ou quiçá, por que não com eles também? Já que ela é um somatório polissêmico de todos estes elementos onde cada um deve dar a sua parcela de contribuição na construção da sociedade ideal.
Para os membros desta nova Sociedade fundada, parece-me que as projeções e manutenção destes valores supramencionados acabaram dando novo fôlego e mais disposição aos membros, fazendo-lhes desejar desenvolver dons que até então já haviam quase esquecido serem capazes de desenvolver ou cultivar. A sociedade por fim trouxe aos membros, junto com as falas e provocações do Mr. Keating novos olhares e possibilidades desenvolvidas dentro de uma micro instituição criada – a sociedade – para a superestrutura social objetiva – a sociedade per se.
Por fim, a ideia central da Sociedade fora a de representar um lugar comum entre os membros dela que, aí, nos locais de reunião, podiam falar abertamente sobre tudo, discutir tudo, compor tudo. Haviam assim mudado sua posicionalidade na relação de poder estando ainda dentro de um sistema institucional regulador e coercitivo. Desta forma, rompendo os laços com as regras impostas e os efeitos reguladores do nomos (regra) institucional da Welton tradiciocentrada, estavam livres. Livres para criar, ser e poder, algo que se aproxima enormemente da "Utopia" de Morus com a repartição da alimentação entre todos, a divisão social do trabalho previamente acordada entre eles, permitindo que esta pequena instituição dos alunos funcione através da fiel opositora do nomos, a physis protagórica que é a representação mais pura das pulsões humanas enquanto reguladora social.
A sociedade dos poetas mortos é sem dúvida a válvula de escape, a partícula motivadora de novas ações, um elemento aglutinador e inspirador para todos os seus participantes em maior ou menor grau. Estas atribuições notadas dentro da sociedade proposta a priori por Mr. Keating faz com que os alunos percebam prazer e vida em cada coisa que façam, sejam elas coisas grandes e incomuns ou coisas simples e corriqueiras. Ativando assim, uma série de novos caminhos a se trilhar para os jovens membros da trama. Motivando por exemplo, Knox Overstreet a declarar-se para uma garota desejada, Ms. Chris Noel, utilizando-se da ferramenta mais tradicional conhecida para conquistar uma mulher, a poesia, fazendo assim valer, também nesta situação, a máxima carpe diem.
Apresentarei mais detalhes sobre estas atividades no bloco seguinte onde tais colocações são mais cabíveis pelo seu caráter de identificação de minha parte com os feitos da Sociedade do que necessariamente com a importância dela.

4)      Com qual momento você mais se identificou? Por que?
            Obviamente houveram vários momentos no filme que muito me chamaram a atenção, como por exemplo, o fato de Keating observar antecipadamente o comportamento dos alunos antes de seu primeiro contato com eles e a partir daí fazer um movimento inesperado por eles e cooptar-lhes para uma nova proposta de relacionamento em meu ver, bastante sedutor e interessante retirando-lhes de seu lugar comum. A sala de aula.
            O mais interessante neste fato foi o impacto causado pelo professor nos alunos que ficam completamente atônitos com a ação do professor. As reações são diversas; incredulidade, ironia, incompreensão, ceticismo. Tudo visível nas expressões dos alunos.
            Também as abordagens comicizadas que Mr. Keating faz dos clássicos de Shakespeare dando à uma aula provavelmente redundante e enfadonha uma aparência renovada e atraente, mas, sem desmerecer a grandiosidade ou as utilidade e importância histórica das obras tratadas dada as leituras possíveis do contexto vivido através deste autor e de tantas outras obras.
            A atividade de citar e chutar a bola trouxe a meu ver uma carga de simbologia muito grande, uma afirmação e uma ação. As afirmações trazem ações comuns e incomuns, mas, todas fazendo parte do ideário humano geral, nenhuma sendo impossível de ser realizada. Faz imediatamente pensar que o propósito é estimular a associação entre teorização/racionalização de uma ambição/desejo externado e a sua consequente ação em busca da realização prática desta teorização/racionalização externada previamente. Um exercício interessante e necessário em caso muito comuns que podemos observar todos os dias ao nosso redor. Pessoas que tem grandes ideias mas nenhuma atitude, ou quiçá o contrário, pessoas com grande poder de ação e atitude mas, nenhuma racionalização/planejamento prévio para garantir a efetividade da ação. A ideia funcionou, o aluno que tomou a frase de tornar-se um deus, por exemplo, encarnou uma divindade: Charles Dalton tornou-se Nuwanda e este mesmo Charles desafiou o Mr. Noles convidando-o a atender a ligação de deus...

5)      Que paralelos podemos estabelecer entre o filme e a atualidade da educação?
Muitos eu diria, muitos paralelos podem ser apontados e relacionados com a realidade educacional não só americana, contexto na qual a obra foi produzida, mas, também com a educação brasileira, a qual eu conheço mais proximamente que qualquer outra no mundo. Como o que, eventualmente, mais nos interessa aqui é a educação nacional, vejamos quais as aproximações que podem ser feitas.
No caso do suicídio de Neil, sabemos que o motor de sua atitude foram as proibições sequenciais de seu pai as suas inclinações e motivações em detrimento de um desejo que lhe era exógeno, o desejo de seus pais, e sentindo-se impotente diante das expectativas de seus pais, as quais ele não queria frustrar, preferiu tirar sua vida e encerrar este conflito de uma vez por todas. Temos aqui, para sermos mais teóricos com este fato social, um misto dos tipos puros de suicídios apontados pelo Èmile Durheim, sendo eles o altruísta e o egoísta. Sabemos que muitos do maus profissionais que temos no mercado de trabalho são frutos destas imposições quando não resultam, também, em ações radicais e fatais tal qual a que arrebatou a vida do personagem Neil na trama. (médicos que matam)
Para além desta aproximação mais romanceada temos a mais tangíveis e reais aos nossos olhos. O fato da mercantilização da educação brasileira onde temos um fosso amplo em virtude da educação de base privada ser muito superior à pública e termos uma reversão do quadro no nível superior onde as instituições públicas são as melhores e cobra como forma de acesso a seus cursos um teste onde se mede a meritocracia dos seus pretendentes... Sabemos onde esta discussão sobre o conceito de meritocracia vai dar se considerarmos as reais condições de competições de quem estudou toda a vida em instituições de educação de base particulares e daqueles que estudaram nas públicas... Acho desnecessário discorrer sobre isto aqui, mas, a questão da meritocracia é bastante pertinente no Brasil, assim bem como entre norte-americanos brancos e negros.
Tal proposição nos faz pensar por que quem menos pode, por questões financeiras complicadas dadas as condições de competição no mercado de trabalho nas classes médias e menos favorecidas, mais paga e quem mais pode, por uma questão historicamente construída e favorecida por uma política excludente e perversa desde a fundação das bases coloniais, imperiais e republicanas, menos paga pelo elemento diferenciador da atual sociedade? Desejo de continuidade e perpetuação das diferenças e estratificação maldosa da sociedade brasileira? Inconformismo por parte dos tudo-tenentes em ceder um pouco das migalhas que possam sobejar de suas avarentas e soberbas bocas? Temor da profecia marxista de que quando as classes oprimidas cheguem ao poder passem também a oprimir? O que será? Enquanto não descobrimos, ficaremos nas conjecturas e hipotéticas criações.
Parece que toda esta verborragia e confluência de ideias foi só uma demonstração infrutífera de erudição e capacidade de verbalização acadêmica não é mesmo? Mas, façamos agora o exercício dialético de jogar estas problematizações dentro de nosso objeto de reflexão, a estrutura montada no filme, os detentores de poder contra os subalternizados e, em seguida transportemos as construções estratificadas desta estrutura escolar de Welton na sociedade real. Ricos diante de pobres, letrados e escolarizados contra "educossucateados" e "intelectossubestimados". Um pouco distante das relações de poder em Welton? Sim, verdade, mas, muito próximo da realidade dos pobres em relação ao seu acesso à máquina geradora de acesso ao poder de fato. A educação.
Como os estudantes de Welton, os destinados à educação pública neste país são tratados como incapazes de pensar por si próprios. Porém detecta-se uma vasta diferenças entre os de Welton e os Brasileiros. Os de Welton têm uma idade limite onde crê-se que não sejam capazes, enquanto que os daqui são tidos como incapazes por toda sua vida. Em partes eles tem razão, pois, não nos municiaram e nem nos proverão com educação necessária até que maiores providência radicais e desesperadas comessem a irromper na sociedade.
Se colocarmos o Mr. Nolan como um resumo do conjunto de nossos políticos veremos que não há de fato grande diferença entre a realidade brasileira contemporânea e a ficção hollywoodiana do fim da década de 1980. Mr. Nolan seleciona rigorosamente o que devem, podem e têm que aprender o alunos de Welton, por nosso turno, os nossos políticos a la Nolan também têm todo o cuidado, desde a ditadura de escolher criteriosamente o que devemos, podemos e temos que aprender. E para "melhorar" o quadro, que é diametralmente oposto em Welton, pagam com dificuldades os nossos profissionais da educação pública de base para que se tenha a certeza de que a missão de nos educar de acordo com as suas expectativas – dos políticos – não seja frustrada.
Após a morte de Neil, Mr. Nolan ainda buscará um bode expiatório para pagar pelo pecado de haver sacrificado uma vida com ideias revolucionárias fora do momento certo. Parece que no Brasil, o bode expiatório está muito bem distribuído entre uma gama quase infindável de outras prioridades que não a própria educação como: Copa do Mundo e seus belos estádios e estrutura exigida pela FIFA; promoção de atividades e programas culturais no formato "pão e circo" da antiga Roma tais quais novelas, seriados, filmes brasileiros tendenciosos, programas de TV que denigrem a imagem do povo das camadas mais necessitadas da sociedade e força-os a rirem de sua própria miséria e ignorância, e o mais visível de tudo, o pagamento constante de políticos caros, inoperantes e sempre a postos para corromperem-se constantemente seja por qual for o propósito, não agravando a todos.
Também, diferente de Welton, contudo, a partir dela é que tive a ideia de desenvolver tal analogia, os resumos de tudo o que lemos acima no Brasil não se dará com um simples culpado que servirá de mártir. No caso do filme o Mr. Keating. Aqui no Brasil os culpados serão, na interpretação de uma mídia vendia (ou comprada? difícil decisão) os "vândalos" que como previra Milton Santos, ao levantarem-se para reivindicarem seus direitos, por serem tão temidos "pelos que não dormem com medo dos que não comem", serão, estes últimos, condenados pelos seu atos "vis e atrozes" não condizentes com uma sociedade realmente "civilizada" que outrora "apenas" expropriava e humilhava alguns milhões de seus cidadãos em prol do privilégio de algumas unidades de milhar de sua elite parasitária e inconsciente.
A educação tradicionalista de Welton em muito se assemelha a sociedade de cortes perpetuada no Brasil. Quando temos um elemento transformador ele é sempre pintado de perigoso e "vândalo" e todos os veículos de informação; instrumentos e mecanismos governamentais ou não possíveis são acionados para legitimar a fala das elites "bem intencionadas" e demonizar os elementos potencialmente transformadores. Os nossos Mrs. Keatings, aqui no Brasil, são sempre mortos antes de maturar ou plantar suas sementes. Enquanto todos os senhores Nolans vivem livres, à solta, protegidos por um aparato forte, invisível e altamente articulado de forma a sempre obter a razão e aprovação pública e geral, mesmo a opinião pública não sabendo ao certo o que quer o Mr. Keating e já conhecendo, mesmo que por rumores, há séculos as características dos magistrados de Welton...
Referência bibliográfica:
BOCK, Ana Mercês Bahia, FURTADO, Odair e TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13ª ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
DEAD Poets Society. Direção: Peter Weir. Delaware: Touchstone Pictures, 1989. Arquivo no formato RMVB de 128 minutos e 45 segundos; legendado. Disponível em: <http://filmeshunter.com/drama/sociedade-dos-poetas-mortos-dead-poets-society/>. Acesso em: 13 de agosto de 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Tradução de Ligia M. Pondé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª Edição. – São Paulo, Paz e Terra, 2011.
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PIERRE, Jemima. Activist Groundings or Groundings for Activism? The Study of Racialization as a Site of Political Engagement. pp.  In: HALE, Charles R. Engaging Contradictions: Theory, Politics, and Methods of Activist Scholarship. Tradução: Wilson Oliveira Badaró. London, Berkley, Los Angeles and California: University of California Press, 2008. Disponível em: <http://historiabadaro.blogspot.com.br/2013/06/activist-groundings-or-groundings-for_6.html> acesso em 14 de agosto de 2013.
PLATÃO. “Fedro”. In: Diálogos. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2007.



[1] Conceito central no artigo de Jemima Pierre que trata do locus ocupado por diferentes atores históricos em sua tentativa de se fazerem reconhecidos e respeitados em sua subjetividade, participação política e discussões éticas e raciais, assim bem como as relações de poder que envolvem as relações socias como um todo, o que para nós serve de ponto chave para compreender detalhes deste filme. Para maiores detalhes ver: PIERRE, Jemima. Activist Groundings or Groundings for Activism? The Study of Racialization as a Site of Political Engagement. pp.  In: HALE, Charles R. Engaging Contradictions: Theory, Politics, and Methods of Activist Scholarship. Tradução: Wilson Oliveira Badaró. London, Berkley, Los Angeles and California: University of California Press, 2008. Disponível em: <http://historiabadaro.blogspot.com.br/2013/06/activist-groundings-or-groundings-for_6.html> acesso em 14 de agosto de 2013.
[2] Trato da nova ordem no plural pois, a teoria conspiratória, para mim ao menos, não se resume à dominação de países, derrubada de governos, unificações culturais, política e econômica, mas, na reformulação global do elemento chave para o sucesso destas premissas. As relações sociais gerais. A dominação e detenção de um modelo único comportamental que regerá as condutas e formas de seguir o famigerado "contrato social", reduzindo, por sua vez, a riqueza das circularidade cultural  a quase zero.
[3] Afirmo tal fator por ser, ainda hoje, fato preponderante na educação americana e por ser este fato também verificável no filme "Aprovados" dirigido por Steve Pink do ano de 2006, que é mais recente e atual e, notadamente, critica tal postura da sociedade americana em relação aos processos seletivos americanos dentro do seu sistema educacional que acabam sendo injustos senão nepóticos.
[4] Falo de modo contigente pelo fator de haver percebido que às redeas de ser afastado de seu cargo como professor substituto, temos uma cena onde o Mr. Keating observa pela janela de seu gabinete e vê o outrora professor opositor de seus métodos, Mr. McAllister, repetindo o que havia sido impulsinado muito provavelmente por ele. O Professor McAllister estava ministrando aulas em outro espaço pedagógico que não a sala de aula em si. Mr. McAllister estava no exterior do prédio com seus alunos ensinando e o rosto de Mr. Keating então, esboça um misto de satisfação e alegria que parece deixar-nos notar que, mesmo diante de todas as adversidades, sua missão transformacional fora bem sucedida, ainda que em pequena escala. A contingência em minha fala advém da forte tendencia meramente hermenêutica em minha leitura, não tendo assim, nenhum compromisso com uma assertiva axiomática. Fato este que revela em um integralidade bastante notoria para mim da posicionalidade escolhida por Mr Keating dentro do sistema em que ele estava inserido como predador e dominante mas preferiu a visão do predado e dominado para realizar um melhor trabalho.
[5] Conceito freireano que prega que a medida que o docente exerce a sua docência ele também é discente e vice-versa, ou seja, em outras palavras, o aluno enquanto aprende, também ensina, e este ato reflexivo, dialógico e baseado em reciprocidade é que ele irá chamar em "Pegagogia da Autonomia" de dodiscência.  Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª Edição. São Paulo, Paz e Terra, 2011. p. 30.