Teoria e História: a liberdade multirreferenciada dentro das possibilidades de consolidação teórica
Wilson Oliveira Badaró
Discutir um assunto tão remoto
quanto os próprios relatos da produtividade humana nos diferentes campos do
saber dentro da história é uma tarefa bastante complicada. Associar correntes
teóricas e metodologias, muitas vezes, díspares e anacrônicas – ainda que assim
aparentem em um primeiro momento – em relação a realidade historicamente
contextual de um objeto de estudos com tais implicações temporais é ainda mais
complexo. Como aproximar discussões, conceitos, noções e teorias dos últimos
dois séculos com qualquer sociedade histórica da antiguidade remota? Como
evitar que as impressões atuais sejam transplantadas do presente para um
passado tão singular e dinâmico em sua estrutura quanto o Egito Antigo? São
indagações e problemas como estes que os aspirantes a historiador encaram em
seus primeiros passos na produção acadêmica da pós-graduação.
A escola positivista, apesar de tida
e apresentada como obsoleta por muitos deve ser considerada pelo fato de haver
lançado a pedra fundamental de uma produção histórica organizada e pautada em
uma metodologia, ainda que problemática (aos nossos olhos hoje), bem definida e
delineada. Sua teoria do reflexo, tão propagada por Ranke, representou um
avanço para as escolas históricas de seu contexto e, o culto às fontes traz
consigo uma espécie de redenção cientificista para os historiadores de então. Acreditou-se,
dentro daquele momento da historiografia que “ao abandonar a influência da
filosofia e pretender assumir uma forma científica, o conhecimento histórico
aspira à objetividade” (REIS, 2004, p. 10).
Atualmente, podemos dizer que boa parte das tendências de produção historiográficas
não estão totalmente livres desta tendência pois, basta você propor a um
orientador uma pesquisa complicada que ouvirá em sequência a pergunta: “tem
fontes?”. E de certo modo, precisamos convir que, escrever história sem
referenciais materiais e documentais tangíveis transporta-nos quase que
imediatamente à uma revisão de literatura. Enfim, acredito que o positivismo,
neste sentido, ainda nos acompanha e se mantém altamente atual. Por isto,
muitos se conformam com a noção e rotulação de neo-positivismo. Em meu trabalho
sobre o Egito Antigo, dependi quase que exclusivamente de meus papiros para
desenvolver discussões realmente relevantes sobre o assunto.
Já na corrente marxista, as
considerações teóricas que identificam contradições nas construções sociais em
todo o mundo, sobretudo no mundo ocidental onde, a exploração do homem pelo
homem amplia as diferenças e apontam para uma constante luta de classes que
passou despercebida pelos positivistas que praticavam uma produção
historiográfica de “classe para si”.Em meu trabalho, em específico, vejo a
possibilidade de utilizar-me da noção de hegemonia e luta de classes do
marxismo para explorar os silêncios da historiografia ocidental acerca da
relevância das práticas de cura egípcias, assim como se propôs um saber
medicinal hegemônico do ocidente sobre o resto do mundo desconsiderando os
apontamentos de Gordon Childe[1]
sobre a transmissão de saberes do Oriente Próximo para o ocidente.
Uma leitura sobre as forças
produtivas poderá aparecer no sentido de apresentar um quadro funcional da
sociedade egípcia onde as atividades deem uma paisagem mais detalhada daquele
contexto histórico. Neste ponto, podemos convir, de acordo com as noções de
materialismo histórico e dialético do marxismo que dentro da ideia de
produzir, os homens se socializam e mudam com
consciência a natureza. O homem gera, pela produção, novas necessidades e,
consequentemente, o modo de consumo de seu produto, surgindo assim o seu
consumidor.O modo, o consumo, a quantidade e a forma de satisfazer a produção
são produtos históricos (QUINTANEIRO ET OLIVEIRA BARBOSA, 1995, p. 70; BADARÓ,
2010).
Tais verificações materialistas e
dialéticas entre homem e meio são fenômenos amplamente observados na lida das
práticas de cura do Egito Antigo. Deste modo, o materialismo histórico é
essencial para compreender processos sociais dentro das comunidades africanas
antigas.
A luta de classes aparece como forma de compreender o
não reconhecimento das potencialidades africanas no sentido de continuar
legitimando uma partilha que se travestiu de missão salvacionista e
progressista para um continente apresentado para o mundo como pecaminoso,
subdesenvolvido, incréu e apolítico. Ou seja, muitas dimensões do marxismo
podem dialogar amplamente com o meu trabalho, mas devo manter em foco as
renovações propostas por Edward Palmer Thompson para atualizar as discussões em
relação ao marxismo clássico.
A interdisciplinaridade e a história
problema fazem parte do meu projeto desde o princípio de sua concepção.
Dialogar com a espacialidade, territorialidade e as dimensões limítrofes dos
africanos em relação aos seus vizinhos internacionais – núbios, kushitas,
meroítas e napatas, por exemplo – é conhecer as benesses da inclusão de
discussões de outros campos de conhecimentos. Descrever esta territorialidade é
compreender a necessidade da História compreender as contribuições da
cartografia para uma apresentação histórica bem fundamentada. Braudel já
propunha esta aliança, dentro das convicções da escola dos Annalescomo solução plausível para a complementariedade da ótica
histórica acerca das complexidades que cercam as discussões das ciências ditas sociais.
Deste modo, a escolas de Annales
contribui poderosamente no sentido de ampliar as discussões pela proposição
acertada destes historiadores no sentido de rever as discussões, antes muito
endógenas entre os pares produtores de conhecimentos historiográficos, e
incluir em seus debates matérias de outros campos de conhecimentos.
Dentro desta corrente, vejo ainda a
leitura bastante contributiva da longa duração dos processos e intervenções de
cura dos egípcios, partindo dos pressupostos de Braudel. O pergaminho que me
conduz a esta discussão fora produzido por entre 2700 a.C e 2500 a. C, em
hieroglífico, contudo, a versão que disponho, em sua forma digitalizada, está
em hierático e pressupõe uma cópia para projeção dos conhecimentos, além de,
possivelmente, tratar-se de uma cópia de segurança visando a perpetuação destes
saberes.
Como se pode ver, todas as três
correntes contribuem efetivamente para a construção deste trabalho, no entanto,
nenhuma, isoladamente, terá impacto realmente significativo na produção. O
ideal é o uso consciente e ponderado dos referenciais, justificando suas
inclusões e usos para uma base realmente científica e verificável.
Bibliografia
CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo Fernandes.Introdução ao pensamento sociológico.18.
Ed. São Paulo, Centauro, 2005.
CHILDE, V. G.A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978.
OLIVEIRA BARBOSA, Maria Ligia deQUINTANEIRO, Tânia.Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e
Weber.Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995.
REIS, J. C. A História, entre a
Filosofia e a Ciência. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
[1]Para
maiores discussões e detalhes, veja: CHILDE, V. G.A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1978.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário contribuição, sugestão crítica e dúvidas. Agradecemos antecipadamente pela participação e auxílio na construção do saber que é de todos!