sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Contraposição das Ideologias: Sofistas e Filósofos


1-    Antípodas, mas mutuamente dependentes: Sofistas e Filósofos. A contribuição sofística na construção do pensamento ocidental

BADARÓ, Wilson Oliveira
(...) a sofística levou a uma ampliação dos domínios da ciência jônica nos aspectos ético e social, e abriu o caminho a uma verdadeira filosofia política e ética, ao lado e mesmo acima da ciência da natureza (JAEGER, 1994, p. 348).

3.1- O TEMOR DO OCIDENTE ANTIGO NA VOZ DOS SOCRÁTICO-PLATÔNICOS

Diríamos que estes renomados e sempre procurados mestres da retórica fizeram a sua sociedade despertar para a necessidade de aprimorar-se no sentido de expor, sempre que possível, tendência às discussões políticas e à superação do seu oponente, numa erística que, contrariando Platão, preocupava-se apenas com a vitória no debate, abandonando o compromisso com a verdade. Deste ponto de vista temos, então, uma sociedade apta a incutir diferentes opiniões e debater criticamente a situação da divisão social do trabalho e, sobretudo, a divisão social do poder na esfera política. Por isto é válido enaltecer, aqui a relevância do tão frutífero dissoi logoi (racionalidade relativista) silogístico, que traz um percurso potencialmente tricotômico, ante a verdade única e inquestionável que pregava a filosofia, baseada nos nomoi, que, por sua vez, apresentava ideias díspares à segunda, levando, assim, a novos conhecimentos ou forçando, ambos os lados, a se reelaborarem. Torna-se evidente que esta tendência crítica, cética e relativista da sociedade, incitada pelos sofistas, configura-se, para os opositores – “filósofos preferenciais” – desta corrente intelectual, ao menos, no maior foco de ameaça à “ordem” pretensamente universal.
Se fossemos analisar tais contraposições intelectuais em nossa atualidade, verificaríamos tal fato como um processo dialético e natural, se não tivéssemos uma tradição filosófica que prioriza e seleciona a partir de suas afinidades orientadoras, primárias e genéticas. No entanto, influenciados por esta "tradição filosófica", não admitem, por exemplo, a “possibilidade” da primazia factual do reflexo cognitivo instituído a priori por Protágoras – um sofista. Não perceberam, talvez, estes tradicionalistas, que os sofistas desejaram e lograram ensinar a virtude, enquanto logos, para um grande número de pessoas, colocando-a ao alcance de todos? Ou seria melhor ofuscar/redirecionar as doutrinas dos “mestres de retórica”, não apenas contrariando-as, mas, acima de tudo, ora deturpando-as com leituras distorcidas e visivelmente tendenciosas, ora atribuindo-as a outrem que não o seu real teorizador, como no caso da impossibilidade de “dizer coisas que são falsas”[1]? Não, parece que a disputa estava apenas no patamar das esferas de poder e de todos os instrumentos que pudessem levar qualquer um até ele; e como saber é poder, é importante vetar que ele se dissemine em meio às massas.
Obviamente, o grande temor por parte dos filósofos era que o excesso de ceticismo, probabilismo e relativismo fossem utilizados de forma “pouco produtiva” ou até “mal usados” em favor de uma temida anarquia, pelo efeito do endeusamento da physis, como regente natural e legítimo das demandas humanas, em detrimento do nomos regulador e mantenedor da “ordem” requerida. Desta forma, acreditava-se que a transvaloração ou relativização extrema dos posicionamentos – bem e mal – tornar-se-ia uma prática comum entre os adeptos deste relativismo pregado pelos sofistas, negando o bem defendido pelos filósofos, mantido e garantido pelas nomoi e coroando com louros a naturalidade e espontaneidade do subjetivismo probabilista da physis. Um risco real, existente, porém, nem por isto maior que o risco da manutenção de uma ordem segregacionista e tradicionalista que visasse historicamente exercer uma dominação contínua e protegida por um nomos imposto como oriundo da physis.
Não se quer, aqui, de forma alguma, inverter o que a tradição filosófica ortodoxa de orientação socrático-platônica tem feito aos sofistas, no sentido de negar-lhes o crédito e o reconhecimento de seus feitos. Muito pelo contrário, pois, é justamente por “(...) considerá-los um estágio da maior importância no desenvolvimento do humanismo, embora este só tenha encontrado a sua verdadeira e mais alta forma após a luta contra os sofistas (...) (JAEGER, 1994, p. 348), ainda que historicamente construído. Mas o que se pretende é fazer reconhecer a importância do movimento sofista como um todo, não apenas para a filosofia em si, mas, sobretudo, para a humanidade e a ciência.
A alta densidade da visão relativista sofista trata da inacessibilidade de um homem à subjetividade de outro, pautado em algo que a experiência material trata de explicar propriamente. Um determinado odor pode causar a sensação desagradável em muitas pessoas que, aparentemente, terão a mesma reação repulsiva, contudo, de fato, sentirão em diferentes proporções os mesmos efeitos derivados deste mesmo odor como náuseas, tonturas, dor de cabeça etc. Se solicitamos a descrição da sensação de cada um acerca deste forte odor, teremos diferentes relatos acerca de cada experiência com o mesmo agente gerador das sensações. Aqui, a discussão de causa e efeito está diretamente ligada ao logos e o logos diretamente ligado à subjetividade sensorial de cada um. Assim, teremos para diferentes pessoas, um cheiro forte nauseabundo ou um cheiro forte estonteante e, ainda, um cheiro forte que causa cefaléia, sem que, com isto, uma das características relacionadas aos diferentes logos sobre o cheiro forte seja mais verdadeiro que outro, pois, cada um relatou seu logos (razão guiada pela percepção) a partir de suas capacidades cognitivas e físicas. Por isto, colocar as opiniões de todos em nível de verdade, desde que assim lhe pareça com extrema veemência e sinceridade, causa temor nas camadas mais influentes da sociedade Grega antiga.
Quanto à existência da contradição, no quesito onde tudo tem dois logos contra, não é possível contradizer. A solução aparentemente se apresenta de forma fácil e, até certo ponto, óbvia. Embora se fale sobre um mesmo assunto e se tenha aparentes leituras distintas da mesma coisa, se estamos falando diferentes coisas sobre o mesmo objeto é porque não estamos falando da mesma coisa. Aparentemente é a mesma coisa. Retornando ao caso do cheiro forte. Como ele chega até um não é como ele é sentido por outro. O cheiro em si é indissoluvelmente o mesmo, mas o que o transformará será a subjetividade interpretativa de quem sente e traduz a sua sensação para si. Assim, “é necessário que se diga é que no nível verbal é possível a contradição, mas que isso não se aplica ao nível das coisas sobre as quais estamos falando (...) e se ambas as afirmações tem sentido será porque são sobre coisas diferentes, não sobre a mesma coisa” (KERFERD, 1999, p. 156).
Assim, estes que “foram os primeiros intérpretes metódicos[2] dos grandes poetas aos quais vincularam, com predileção, os seus ensinamentos” (JAEGER, 1994, p. 347), fizeram da educação uma arma de acesso geral às esferas de influência política e, consequentemente, ao poder da polis,criando uma expectativa na sociedade acerca das novas possibilidades de alcance da educação. Tal sociedade cria, a priori, que a educação cabível devesse ser considerada por todos como válida, pois, outrora, era familiarmente endógena e restrita às altas camadas dos estratos sociais de sua comunidade. Sendo assim, os sofistas “(...) criam uma atmosfera de educação multifacetada, (...)” que “(...) nem nos tempos de Pisístrato foi conhecida” (JAEGER, 1994, p. 347), difundindo a educação e contrariando Anito, que acreditava ser qualquer cidadão de camadas sociais mais influentes, melhor orientador educacional que os sofistas, confirmando as tendências prevalecentes da aristocracia tradicionalista, ameaçada quanto à prática sofista.

3.2- PEDAGOGIA E SOFÍSTICA: Ciência ou Arte? A quem serve tal discussão?

Segundo Werner Wilhelm Jaeger, “ainda agora está por resolver a questão de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma arte (...)” (JAEGER, 1994, p. 349).E, ao que parece, hoje a pedagogia se constitui como uma ciência imprescindível para a perpetuação da reprodução do conhecimento crítico e bem formulado, com teorias de aplicação do ensino, fundamentações pedagógicas e didática progressista. Mas, como também é sabido, assim como na medicina que hoje se encontra completamente mudada em relação ao que foi quando, em tese[3], fundada por Hipócrates (a referência a Hipócrates diz respeito ao precursor da medicina no Ocidente), “os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação” (JAEGER, 1994, p. 348), transformando a realidade social de sua época através desta atividade intelectual que, então, não dispunha ainda de profissionais habilitados.
Como fundadores desta área do conhecimento humano, os sofista aqui tratados, se incumbiram de, a partir de observação e tratamento sério dos problemas que queriam abordar/solucionar, desenvolver uma metodologia, naturalmente inerente a cada profissional, que desse resultados positivos e satisfatórios para alcançar um dos objetivos de sua profissão, a saber, a transmissão do conhecimento. Como já fora supra mencionado, nem todos tiveram esta visão e tratamento sociológicos para o ato de sua intervenção profissional, porém, os que são abordados neste trabalho, de fato se enquadram nesta afirmação, a saber: Górgias, Hípias, Pródicos, Antifon, Crítias, Cálicles, Trasímaco.
Respondendo a inquietação que o próprio Werner Jaeger coloca, é com ele mesmo que pretendemos responder a polêmica indagação. Ele dirá que “esta transposição do conteúdo da poesia para a prosa é sinal de sua racionalização definitiva” ( JAEGER, 1994, p. 347), se há racionalização, há uma teorização para a transformação de um conhecimento em outra forma de conhecimento. Então, para que tenhamos aqui todos os pilares que sustentam o caráter científico de uma área do conhecimento, nos falta muito pouco. Já passamos pela “observação” do problema proposto, com a percepção das demandas sociais: “(...) os sofistas tratam de investigar as condições prévias de toda a educação, o problema das relações entre a “natureza” e o influxo educativo exercido conscientemente sobre o ser do Homem” (JAEGER, 1994, p. 356).
Agora, temos a “análise das partes” fracionadas com a separação do que é poesia e o que é paideia, neste processo educacional absorvido e projetado através do movimento sofista, naturalmente, com uma metodologia e teoria devidamente “racionalizadas”, como afirmou Jaeger. Um exemplo claro desta dita separação metódica fica visível quando Jaeger comenta que “a conversão da educação numa técnica é um caso particular da tendência geral do tempo a dividir a vida inteira numa série de compartimentos separados (...)” (JAEGER, 1994, p. 349). Verdade, mas, como tal processo fora conduzido requer minimamente uma séria reflexão. Quanto à indução de hipóteses acerca do problema/objeto abordado, cremos já havermos explorado muito estas que, por fim, nada mais são do que “opiniões primárias”, fundamentadas em uma realidade/fenômeno observada que se quer comprovar e que, no final, poderão confirmar-se, refutar-se ou modificar-se.
Assim sendo, como os sofistas são os mestres da “opinião” e, não, da “verdade”, já estavam demasiado versados na proposição de hipóteses em suas duas diferentes fases, a saber, indução e experimentação (verificação das hipóteses). A questão da aplicação das leis gerais também fora confirmada por Werner Jaeger na seguinte passagem: “A ideia de natureza humana (...). Só por ela é possível uma verdadeira teoria da educação” (JAEGER, 1994, p. 357). Se não nos enganam os indícios, os educadores incontestáveis desta época eram os sofistas e, se houve uma teorização da educação, ela somente pôde ter sido constituída dentro dos círculos sofísticos.
Sabemos ainda que “(...) se os gregos tivessem partido da consciência universal do pecado e não do ideal de formação do Homem[4], jamais teriam chegado a criar uma pedagogia nem um ideal de cultura” (JAEGER, 1994, p. 358) que fossem amplamente compatíveis com os pressupostos do conhecimento que se pretende, de fato, científicos. Por fim, a possibilidade de apreensão do logos e da arete, antes restrita, agora, passa a constituir uma lei geral. Algo que foi negado pelos nomoi de uma sociedade tradicionalista, agora vê suas regras de transmissão da educação familiar e endogâmica rompidas pela oposição transformadora de profissionais inovadores e ousados. Não seria uma regra geral a assertória contrária à impossibilidade do ensino e, determinada de fazer valer o que fora dito em teoria, surgir confirmado pela prática? Sem contar as diversas outras observações, de variados sofistas, que se mantiveram pertinentes como leis gerais através do tempo, nas observações de Protágoras; e o dissoi logoi? Não seria a regra do duplo logos uma regra geral?
Por estas patentes evidências de cientificidade é que concordamos com Jaeger quando ele afirma que “a sua valorização não pode ficar sem crítica, precisamente porque aquilo que os sofistas pretenderam e realizaram ainda é indispensável nos nossos dias”(JAEGER, 1994, p. 358).E, muito naturalmente,discordaremos em parte com sua afirmação, embora bem intencionada de que “(...) a exigência que eles vêm satisfazer não é de ordem teórica e científica, mas sim de ordem estritamente prática” (JAEGER, 1994, p. 345). Assim, pois, cremos que, embora não tenha havido uma homogeneidade metodológica e teórica entre os integrantes deste movimento, não quer dizer que não tenham contribuído decisivamente para a constituição das sólidas bases que serviram para a fundação da ciência pedagógica. E obviamente, lançaram mão de utensílios que envolveram certo grau de teorização e cientificização de suas práticas que a posteriori pode ser repetida.
Assim como ocorreu com a história, uma vasta discussão acerca de sua cientificidade ou não cientificidade se deu entre os arautos das ciências ditas positivas e das pretensas ciências “não científicas”. Segundo o neopositivista Karl Popper, só nas ciências formais é possível provar-se com certeza integral algo, sendo que, acordando com este ponto de vista, as ciências factuais se opõem às formais, pois as formais são passíveis de refutação e as factuais, não (POPPER, apud CARDOSO, 1986, p. 07). Pelo visto, a discussão de Popper se reduz a sua interpretação do que é a ciência a partir de um postulado que aqui já foi discutido largamente – que é a relatividade e ambiguidade da verdade e sua utilidade prática.




3.3- O EFEITO POSITIVO DA SOFÍSITCA NA FORMAÇÃO DO HOMEM GREGO

Após sucessivas discussões sobre as benesses da atuação profissional dos sofistas, parece-nos que a sociedade grega respondeu positivamente aos estímulos e novas possibilidades ofertadas por estes profissionais. Justamente por isto, o Aufklarung tornou-se possível na Grécia. Havia aqueles que, por pouco disporem em termos financeiros, se contentavam com profissionais menos renomados, mas nem por isso menos capacitados. Já outros, numa
(…)sociedade competitiva da época, jovens ambiciosos, como Meno e Hipócrates (no Protágoras) queriam gastar fortunas com os sofistas que podiam comunicar o segredo, e a sugestão de que nenhum mestre podia comunicá-la era nos dias de Sócrates ataque a grandes interesses investidos (GUTHRIE, 1995, p. 239).
Como a maior parte dos estudiosos irá atribuir a capacidade de desenvolvimento e projeção da espécie humana a sua capacidade de cooperação mútua que, por sua vez, depende da organização política, para Kerferd, “o pensamento político começa com os gregos”, (KERFERD, 1999, p. 237) e quem liderou a difusão deste pensamento político articulado foram os sofistas, através do movimento e de seu principal propósito – a paideia. Sabemos segundo Jaeger, que “é com eles que a paideia, no sentido de uma ideia e de uma teoria consciente da educação, entra no mundo e recebe um fundamento racional” (JAEGER, 1994, p. 348). E com uma racionalidade mais aguda e voltada para uma crítica da “ordem” estabelecida, Protágoras, de acordo com Kerferd, percebe que “todos os homens de fato compartilham a justiça, e que essa participação é em grau desigual” (KERFERD, 1999, p. 245), sendo a origem desta desigualdade verificável e explicável e, o mais importante, passível de reformulação. Segundo Kerferd, é Protágoras quem lançará as bases da “democracia participativa”[5], desde que todos tenham acesso equânime à educação e, a partir daí, possam, mais ativamente, estar presente na vida política e usufruir das benesses oriundas desta participação.
Por isto,a maior parte dos sofistas, oriundos de outras cidades, são os mais indicados para perceberem as debilidades da cidade aqui tratada com maior proximidade – Atenas –, uma vez que, nesta discussão, cabe “outro tipo de relatividade: homens e sociedade diferem amplamente, e assim, portanto, também suas necessidades” (GUTHRIE, 1995, p. 176). E, no caso de Atenas, mais especificamente, a educação generalizada.
Diferentemente do que se disse, por parte de muitos estudiosos, os sofistas não corromperam moral, política ou eticamente os seus seguidores, “mas isto estava longe de seus pensamentos e a moral e a ordem foram salvas por esta curiosa doutrina, típica deste período, pela qual o padrão de verdade e falsidade é abandonado, mas substituído pelo padrão pragmático de melhor ou pior” (GUTHRIE, 1995, p. 177). Desta forma, gradualmente, os sofistas revelaram as brechas e falhas de um sistema social vigente que favorecia as camadas mais elevadas e bem-nascidas da sociedade em questão. Sempre fazendo tais revelações através da educação, temos a exploração constante de sua projeção social via aplicações de lições, já que “os sofistas são, com efeito, as individualidades mais representativas de uma época que, na sua totalidade, tende para o individualismo” (JAEGER, 1994, p. 347), onde os mais capazes são os que melhor se apresentam a partir de suas capacidades retóricas e, não, de suas qualidades geneticamente herdadas. Tais discussões políticas, iniciadas e alimentadas pelos sofistas em geral, visavam garantir, através da análise mais crítica, subjetiva e acessível ao maior número de pessoas, o direito isonômico com garantias de transparência em sua aplicação, para que o governo de muitos fosse uma verdade e, não, uma utopia velada atrás de uma democracia elitista.

CONCLUSÃO

O movimento sofista, em toda sua amplitude, focou seus esforços no homem e nas transformações sociais, em prol das resoluções de seus problemas, incutindo na sociedade a ideia relativa da verdade, que deve ser sempre considerada a partir das várias visões propostas e, não, de uma visão central, autoritária e axiomática. As discussões sofistas trouxeram ainda a ideia contingente da opinião e o quão eficaz ela é, pois, é a partir desta contingência que se chega a uma hipótese satisfatória. E são justamente estas hipóteses contingentes e probabilistas que são ampliadas para o campo político pelos sofistas. Percebe-se, de forma patente, o que é muito comum na política: “(…) desde o início, o vigor da nova arte de discutir como arma nos combates oratórios. Está aqui, muito mais próximo da retórica que da lógica teórica e científica” (JAEGER, 1994, p. 367), dando uma ideia mais relativa das leis e das decisões nas esferas mais ostensivas da sociedade grega como um todo.
Ainda que se concorde, em parte, com a afirmativa de Jaeger no tocante à prática sofistica, quando ele diz que: “(...) a exigência que eles vêm satisfazer não é de ordem teórica e científica, mas sim de ordem estritamente prática” (JAEGER, 1994, p. 345), tem razão ao afirmar que a sua prática satisfaz. Satisfaz os anseios e demandas das camadas mais carentes de acesso à educação, confirma o caráter revolucionário e transformador das práticas educacionais sofistas e, sobretudo, revela que a história da educação formal, tal qual detemos hoje, e seguindo ainda os mesmos propósitos, tem sua origem nos sofistas. Dizemos isto, pois cremos que o propósito maior da educação não é informar meramente acerca de assuntos herméticos e seletos para discursos e práticas endogâmicas preestabelecidas, mas para formar cidadãos atuantes e que intervenham na realidade de sua sociedade conscientemente e democraticamente. E isto, sem dúvidas os sofistas fizeram com exímia precisão. Mudaram o curso da educação em seu tempo e motivaram e inspiraram várias outras correntes intelectuais a seguirem o mesmo caminho, legando para os nossos tempos a ciência da pedagogia, que tanto, de fato, necessitamos. Se não fosse real a evidente contribuição sofística para educação e ciência universais, o que justificaria que “alguns trabalhos científicos[6] dos sofistas estiveram em uso durante uma série de decênios” (JAEGER, 1994, p. 355)?
Concluímos, portanto, que a validade e pertinência do movimento sofista, enquanto um movimento de forte apelo social em sua época os levou a um patamar de fenômeno social que marcou uma época de transformações e efervescências incontestáveis. O alcance polivalente e diversificado dos sofistas na área do conhecimento possibilitou o enriquecimento intelectual não apenas deles – os sofistas – como também dos filósofos que, com eles, travaram disputas. Nestas disputas, quem mais ganhou, a nosso ver, foi a ciência. Um grande exemplo da magnitude, polivalência e abrangência inegável do fenomênico movimento sofista e o fato de que Protágoras abordou ao menos alguns dos temas que interessavam a Platão na República, fazendo perceber a dimensão das abordagens sofistas em vários campos do saber. Aqui nos é lícito concluir que se um dos maiores, senão o maior de todos os sofistas, tratou de assuntos que eram de interesse de um filósofo como Platão, quem garante que o contrário não é recíproco? E se assim o for, como fora dito anteriormente, só a ciência ganhou. E que novas fontes históricas nos tragam surpresas positivas neste sentido e que nossos anseios por maiores fontes de informações acerca deste formidável movimento surjam, para nosso deleite.
Por fim, foram expostas diversas contribuições neste trabalho que, juntamente com outras, apresentam um movimento constituído por homens que “foram considerados os fundadores da ciência da educação” (JAEGER, 1994, p 347), que ampliaram os conceitos de relatividade e verdade, deram os primeiros passos em direção ao respeito à subjetividade etc. Homens que sem maiores dificuldades, encararam todos os desafios da época quanto a validade de seu ofício, que se via contestado a todo momento pelos seus opositores: “antes dos sofistas não se falava de gramática, de retórica ou de dialética” (JAEGER, 1994, p. 366), e hoje, sua determinação nos permite falar consciente e substancialmente de todos estes segmentos do saber.



[1]Mais informações sobre esta questão podem ser encontradas na obra KERFERD, G. B. O movimento sofista. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 153.
[2] Grifo nosso.
[3] Ponho esta incógnita nesta fundação de campo do conhecimento por parte de Hipócrates, pois temos evidências sólidas da primazia de Imhotep no Egito antigo, há dois mil anos antes de Hipócrates atuando em área de medicina e segundo algumas teorias muito convincentes, como as de Gordon Childe, muito do conhecimento grego foi gradualmente absorvido do oriente próximo e nele se inclui o Egito.
[4] Grifo nosso.
[5]KERFERD, G. B. O movimento sofista. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 246.
[6]Grifo nosso.

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BIBLIOGRAFIA
BARROS, José D’Assunção. O projeto de pesquisa em história: da escolha do tema ao quadro teórico(3ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
CARDOSO, Ciro. Uma Introdução à História. Ed. Brasiliense, 1986, 6ª Edição.
CHILDE, V. G.A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão.Tradução de Ligia M. Pondé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1989.
GADDIS, John Lewis. Paisagens da história: como os historiadores mapeiam o passado. Tradução de (...).Rio de Janeiro: Campus, 2003.
GAY, Peter, The Enlightenment: an interpretation. Londres: Editora Weidenfeld& Nicholson, 1967.
GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. Tradução de João Rezende da Costa. São Paulo: Paulus, 1995.
JAEGER, Werner Wilhelm. Paideia: a formação do homem grego.Tradução de Arthur M. Parreira– 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1994.
KERFERD, G. B. O movimento sofista.Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
PLATÃO. “Fedro”. In: Diálogos. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2007.
_____. “O banquete”. In: Coleção Os Pensadores. Tradução de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
_____. “Protágoras”. In: Diálogos. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2002.
_____. “Sofista”. In: Coleção Os Pensadores. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

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