sexta-feira, 26 de abril de 2013

Os Sofistas como Movimento Social em Prol da Transformação Educacional Grega


1-    Os Sofistas como um Movimento Socialmente Fenomênico

BADARÓ, Wilson Oliveira

“Do ponto de vista histórico, a sofística é um fenômeno tão importante como Sócrates ou Platão. Além disso, não é possível concebê-los sem ela” (JAEGER, 1994, p. 339).

2.1- O MOVIMENTO SOFISTA E SUAS IMPLICAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS: a internacionalização de atenas

Decerto um movimento desta magnitude, que toma notoriedade em meio às autoridades e incomoda tantas personalidades e pensadores destacados de seu contexto, deve ser analisado mais pormenorizadamente e levado ao patamar de fenômeno. Neste capítulo, veremos os detalhes deste movimento fenomênico e quais implicações materiais estão ligadas a ele.
Primeiro, seria interessante expor o que já fora comentado antes, mas de forma menos detida, que é o fato da notoriedade deste movimento como precursor da difusão de ideias e discussões que transformaram os rumos do pensar. Óbvio que o período de 450 a.C à 400 a.C foram de efervescência e inovações. Não é a primeira vez que a racionalidade toma corpo e espaço no âmbito da Grécia antiga, mas, é aqui que o saber, voltado para os mais variados objetos – como o homem e suas complexidades – se difundem em meio a todos os pensadores. Atenas conta com uma confluência de sofistas oriundos de vários pontos distintos do mundo Grego, tornando-a “por uns sessenta anos, (...) o verdadeiro centro do movimento sofista” (KERFERD, 1999, p. 31). Por isto, nesta cidade tão enriquecida pelas diversas influências e formas de ver e pensar o mundo, que:
(...) talvez o aparecimento de grandes individualidades espirituais e o conflito da sua apurada consciência pessoal não tivessem dado origem a um movimento educacional tão poderoso como o da sofística – que pela primeira vez estende a vários círculos e dá publicidade total à exigência de uma arete baseada no saber (...) (JAEGER, 1994, p. 339).
Estas individualidades a que se refere Jaeger são, justamente, estes sofistas que, vindos de todos os lugares, propiciaram um ambiente favorável ao desenvolvimento de novas ideias, resoluções e soluções para as novas problemáticas e necessidades surgidas desde a “internacionalização” de Atenas a partir das guerras que a cidade teve de travar. Estes sofistas que, partindo de uma percepção da necessidade de uma maior participação da população na tomada de decisões e atividades políticas, ofereceram, como vimos no capítulo anterior, um produto que permitia esta mobilidade e acessibilidade às esferas do poder na política da cidade – a educação. Embora Jaeger aponte os sofistas como educadores das bases elitistas, a educação, como ele mesmo afirma, era abrangente e disponível a todos que desejassem tê-la e, como ele mesmo enfatiza, os atenienses passavam por um momento de franca expansão econômica e cultural, em contato com os persas, viabilizando, deste modo, o acesso de todos (JAEGER, 1994, p. 339). Torna-se, realmente, importante tal mobilidade por vários fatores e razões e, dentre elas, a “econômica que tem sido descrita como uma passagem da economia de uma cidade-estado para a economia de um império” (KERFERD, 1999, p. 32).
Uma economia que, outrora, se encontrava em estado de funcionamento voltado para as questões internas, sofre uma drástica mudança, de forma mais efetiva, com as guerras, como nos revela Jaeger: “Esta necessidade se fez sentir mais desde a entrada de Atenas no mundo internacional, com a economia, o comércio e a política subsequentes às guerras contra os Persas” (JAEGER, 1994, p. 339). E, desde então, temos uma Grécia mais cosmopolita e abrangente em termos de formação de sua população e origens desta massa demográfica então em evidência.
Tais mudanças no acesso à educação propiciaram uma significativa e notória alteração nas relações políticas e na composição das esferas de poder e suas adjacências. O temor de uma possível dissolução da exclusividade do poder e cargos de destaque, que eram comumente divididos entre as camadas oligárquica, plutocrática e aristocrática, alijavam as camadas mais populares deste ambiente, fazendo com que vários personagens da história intelectual sofista fossem definitivamente expostos, alvejados e, por fim, martirizados. Eventualmente, tal processo requereu uma ferramenta – que foi a educação – que o movimento sofista veio a inserir e espraiar no seio da sociedade grega através de um movimento que surge, exatamente, a partir da consciência da existência desta carência na sociedade ateniense. Por isto, segundo investigação de Kerferd, “estava já suficientemente estabelecida outra função – a de treinar mais professores que deveriam, por sua vez, tornar-se sofistas profissionais” (1999, p. 35), pois, para um movimento amplo e revolucionário quanto este, os alcances deveriam ser expandidos e exauridos ao extremo, a partir da expansão da qualificação do profissional aqui em questão.
É uma unanimidade entre os autores que trabalharam a temática dos sofistas, discutirem a questão da remuneração enquanto ponto negativo, do ponto de vista dos “filósofos preferenciais”. Mas, concordamos com Guthrie, quando ele expõe a assertória de Isócrates, considerando que, apesar de todos os ataques dos filósofos ao fator recepção material de recursos por parte dos sofistas, que sabemos nós ser, desde os tempos mais primórdios, uma necessidade à vida social, para eles “a melhor recompensa de um sofista, diz ele (Isócrates), é ver alguns de seus alunos se tornar cidadãos sábios e respeitados” (1995, p. 39). Por outro lado, é válido trazer à luz uma discussão que deve deixar o âmbito do geral para ser mais específica e direcionada, que é o caso do repúdio socrático-platônico ao pagamento efetuado aos sofistas por parte de quem queria recompensar seus serviços. Também, segundo Guthrie, “estamos acostumados a pensar o ensino como um modo mais respeitável de ganhar a vida, e não havia na Grécia nenhum preconceito contra ganhar a vida como tal” (GUTHRIE, 1995, p. 40).
Também, um detalhe que não pode ser esquecido, é lembrar os fatos isolados que propiciaram este crescente interesse na profissão e no serviço prestado pelo sofista neste período em Atenas:
1) Condições favoráveis para a sustentabilidade profissional e financeira de um sofista, haja vista que o que se ofertava por parte dos sofistas era altamente procurado e os pagamentos prometiam compensar os esforços.Também vale lembrar que o ambiente já bastante propício para a difusão intelectual era convidativo;
2) Um patronato forte e motivado dentro da categoria nobiliárquica, oligárquica e aristocrática que, assim como a sociedade, também estava dividida no tocante a suas opiniões quanto ao imaginário das benesses ou não, trazidas pelos sofistas. Temos como bons exemplos as atuações históricas de Péricles e Cálias, em relação aos sofistas;
3) A probabilidade de um sofista poder camuflar, se necessário fosse, a sua prática sofista, atribuindo-se outras atuações que não a de sofista per se. Em caso de problemas de interpretação de suas ações, um sofista poderia, habilmente, abdicar de sua posição de sofista em detrimento de uma ocupação mais aceitável por parte dos acusadores, pois, após as ações de alguns filósofos, após determinadas correlações, o termo sofista passou a ter conotações pejorativas[1].
Então, mais uma vez, de um fato aparentemente negativo como as perseguições e taxações pouco positivas, o caráter sofista se renova com fortes indícios de firmeza e autoafirmação pelo propósito maior que é a educação e a transformação da realidade social, em níveis político e cultural. Excluindo o que, naturalmente, ocorre em todos os seguimentos profissionais, já que sabemos, que assim como existiam maus filósofos, existiam também “maus sofistas, mas, os que fazem uso adequado da filosofia não devem ser culpados pelos poucos carneiros pretos” (GUTHRIE, 1995, p. 39). Após excluirmos um pequeno contingente de maus filósofos e sofistas, encontraremos, em afirmativas como a de Protágoras – que assumia seu posicionamento e orientação filosófica como sofista– mostrando que as consequências de suas escolhas devem ser claras e fundamentadas na manutenção de sua realidade profissional, dentro do sistema social vigente. Não é porque acham ruim ou indigno que determinada profissão seja executada que eu, por exemplo, enquanto ser executor desta profissão, deva me sentir mal por executá-la. Muito pelo contrário, devo permitir-me colher os louros do prazer de fazer o que me agrada, sem importa-me com os juízos de valor que fazem acerca de minhas ações. Devo, antes de tudo, ter em mente que minha opinião acerca da execução de meu labor esteja, de fato, conectada à utilidade pública e o fato de que sua execução não prejudica e nem prejudicará, posteriormente, a outrem em nenhuma circunstância. Preenchendo tais quesitos, como é o caso dos sofistas aqui tratados, as críticas externas tornar-se-ão, como estamos mostrando, lacônicas por si mesmas.

2.2- RETÓRICA, O CARRO-CHEFE DO MOVIMENTO SOFISTA

É exatamente nesta altura, para dimensionar com mais ênfase e precisão a grandiosidade do movimento aqui trabalhado, que devemos dirigir a nossa atenção para o grande diferencial dos sofistas na prática da construção do conhecimento. Segundo Górgias, citado por Guthrie, o conhecimento seria oriundo da “retórica que era a arte-mestra a que todas as outras devem acatar” (GUTHRIE, 1995, p. 40).
De um ponto de vista temporal destes coetâneos da filosofia socrático-platônica, a importância dada pelos seus concidadãos áticos à sua referida importância retórica, no tocante à techné (técnica/arte) discursiva dos sofistas, se equiparam (ou talvez, perpasse, quem saberá?) ao valor do logos (razão) da dúvida socrática.Isto é dito com base na aceitação da retórica como recurso de aprendizagem ante a condenação inicial do logos socrático, fundamentado em sua consciência. Assim, há de se considerar que,nos sofistas,“(...) os seus pressupostos pedagógicos eram tão justos como a dúvida racional de Sócrates. Na realidade, referiam-se a algo fundamentalmente distinto” (JAEGER, 1994, p. 341). Acreditava-se, por parte dos sofistas, que esta atitude de focar os esforços intelectuais para aretë da retórica forçaria, inevitavelmente, a busca pelo conhecimento não somente do bem falar, mas, sobretudo, do bem conhecer, para poder, então, com propriedade, de fato, falar. A opinião tem aqui uma dimensão completamente importante, pois exerce papel central no processo de apreensão do conhecimento (como vimos acima), porém, ela também se ocupava de vários outros assuntos a serem discutidos a partir das impressões primárias e concernentes à vida social citadina. Naturalmente, homens com aptidões para a discussão dialética, fundamentada nas habilidades do dissoi logoi (das discussões com dupla racionalidade e atenção às significâncias polares) estavam também aptos a exercer a política segundo os nomoi estabelecidos e “(...) tinham de criar as leis do Estado e, além da experiência da vida política, era-lhes indispensável uma intelecção universal da essência das coisas humanas (...)” (JAEGER, 1994, p. 339), por exemplo. Isto porque, neste exato contexto da história ateniense, os sofistas não apenas estavam preocupados com a educação, porém, acima de tudo, estavam voltados para os assuntos que traziam e faziam sentir pela “primeira vez que o aspecto intelectual do Homem se situava vigorosamente no centro. Foi daqui que brotou a tarefa educativa que os sofistas buscaram resolver” (JAEGER, 1994, p. 341).
A tarefa, dita educativa, que os sofistas primavam e buscaram exaustivamente fincar nas bases da sociedade grega, está claramente mesclada ao método que envolve a prática e desenvolvimento da oratória. Dito de outra maneira, “não é de surpreender que uma parte essencial da educação oferecida fosse treinar na arte do discurso persuasivo” (KERFERD, 1999, p. 35). Embora saibamos que Jaeger irá ampliar e afirmar que “deparamos nos sofistas com duas modalidades distintas de educação do espírito: a transmissão de um saber enciclopédico e a formação do espírito nos seus diversos campos” (JAEGER, 1994, p. 342).
Naturalmente, este postulado, por sua vez, está voltado para a reafirmação da importância da interpretação de cada ser, a partir de sua própria visão de mundo. Se não for demasiadamente anacrônico, ao menos será sensato perceber que, embora o conceito de subjetividade não tivesse aqui sua fundação institucionalizada, tem seu emprego garantido e difundido pelos sofistas que vão valorizar as “verdades”, enquanto tradução da realidade de todos como válidas e passíveis de análise e consideração, o que, para nós, historiadores da atualidade, seria uma visível alusão análoga às discussões e condições paradigmáticas da atualidade vigente, digo, pós-modernismo e tradição iluminista, ou ainda, em outras palavras, dentro da ciência historicamente fundada com atribuição aos sofistas – a pedagogia – a escola tradicional ante a escola progressiva.
Mas dentro deste cenário, havia também o fato negativo da perseguição aos inovadores e pensadores, como em todos os casos de iluminismos[2] das sociedades, através da história. Neste sentido, tanto filósofos quanto sofistas foram, em determinado momento e em certa medida, perseguidos por representarem perigo para a prática instituída no nomos (regra) comportamental – basicamente vinculado às leis humanas e divinas – que eram questionadas pelas novas proposições iluministas. É por isto que, neste período, o que se vê são fortes indícios “de que houve toda uma série de processos contra filósofos e outros em Atenas, na segunda metade do século V a.C., geralmente sob acusação de Asebeia ou impiedade (KERFERD, 1999, p. 41). Daí a célebre afirmação de Aristóteles, citada por Guthrie, que diz o quão perigosa é a atividade do sofista[3] que, por vezes, poderiam aliviar-se das tensões com a sensação do favorecimento político de Péricles[4], já que “(...) os sofistas foram considerados como as maiores celebridades do espírito grego de cada cidade (...).” (JAEGER, 1994, p. 347), sendo natural que fossem, assim, protegidos, de alguma forma, pelos amantes do saber.

2.3- A RETÓRICA E O RELATIVISMO: quais novidades trouxeram?

Segundo Protágoras, Górgias, Antífon, Plutarco e tantos outros pensadores, a relação da retórica com a mente é da mesma proporção de cura ao corpo pela medicina. De volta à retórica que ditou o ritmo do desenvolvimento do movimento sofista, nota-se amplamente que é justamente quando Górgias afirma a supremacia da retórica sobre as outras artes e demonstra como a validade ideológica pode ser verbalmente realçada, manipulada, se bem usada, é que temos o auge do uso do logos como discurso. É deveras válido afirmar que a palavra dispõe de um poder que:
(...)tem a mesma relação com a mente que as drogas têm para com o corpo. Assim como as drogas eliminam diversos humores do corpo e algumas põem termo à doença e outras à vida, assim também as palavras podem induzir alegria ou tristeza, temor ou confiança, ou, de má persuasão, drogar e se apoderar da mente (GÓRGIAS, apud GUTHRIE, 1995, p. 159).
Assim como, através da palavra, Antífon aprendeu “a arte de consolar” usando o logos – verbalização retórica –, muitos outros sofistas e não sofistas perceberam que o recurso retórico serve a vários outros propósitos, o que posteriormente será atacado pela sua duplicidade utilitária[5] – bem e mal – do ponto de vista eleático. Mas, majoritariamente, será usado pelos sofistas para “semear” (GUTHRIE, 1995, p. 159) o conhecimento e a difusão dele. Para Jaeger, a retórica “reside antes de mais nada na judiciosa aptidão para proferir palavras decisivas e bem fundamentadas[6] (1994, p. 340), buscando sempre a produção de um ambiente favorável à todo o tipo de bom conhecimento que será apresentado por Kerferd como “mudança que estava se realizando” e “era, ao mesmo tempo, social e política, de um lado, e intelectual de outro” (KERFERD,1999, p. 44).
Após o uso consecutivo do logos, é necessário fazer, minimamente, uma alusão a sua significância e carga simbólica, que são bastante variadas, no tocante à interpretação e/ou leitura que se pode fazer desta palavra tão polissêmica. Esta polissemia pode ser traduzida com três diferentes alcances[7]: grosso modo, como discurso, forma de expressar linguístico; então, em seguida, como racionalidade e capacidades cognitivas em geral, possibilidade de, através desta capacidade, exprimir juízos e explanações; e, por fim, como complexos surgidos a partir de nossas cosmovisões conjunturais, representações etc.
Bem neste ponto, o relativismo, antes nunca exposto nas condições em que vimos nas passagens supramencionadas, toma conta dos logoi sofistas (discursos) e é a principal causa das disputas entre filósofos e sofistas, mas, por outro lado, como também já vimos, torna-se o foco das atenções por propor, muito fundamentadamente em alguns nomes como Protágoras e Górgias, novas ideias e traduções da realidade. Assim, dentro destas possibilidades, os diferentes logoi insinuar-se-ão para nós como o único meio formal de apreensão da realidade a partir de outro indivíduo. Sabemos, hoje, que a gesticulação serve de meio de comunicação, que a escrita idem e que uma gama ampla de símbolos podem substituir facilmente o discurso, do ponto de vista prático. Porém, vale lembrar que nem sempre foi assim. Que nem sempre o dom da fala esteve presente entre nós, mas é justamente aqui que temos o diferencial entre os outros animais.
No entanto, a retórica, como o logos (discurso) naturalmente dado a partir do conhecedor de determinado objeto, visando a transmissão do seu conhecimento para outrem, é de inestimável valor. E, dentro deste quesito, o domínio do logos pelos sofistas já foi mais que apresentado neste trabalho.
Então, teremos como grandes contributos dos sofistas, para além de todos que aqui já enumeramos, o probabilismo da interpretação logoíca e o caráter dual, constante, de toda e qualquer interpretação/tradução de uma dada realidade[8]. Seguindo esta linha de raciocínio, os questionamentos impostos pelos sofistas como: as organizações sociais normatizadas, ditas “dentro do esperado” (nomos), ante a naturalidade do comportamento instintivo e imanente do homem, concedido pela natureza (physis), por exemplo, fazem uma revolução intelectual. Esta contraposição de tendências de ambas as correntes – filósofos e sofistas –gerará uma profícua discussão sobre a realidade ante a aparência da realidade, a verdade frente ao simulacro.
Os sofistas trouxeram, em sua época, uma transformação que perpassa a expectativa de uma verdade imutável e generalizante que, de fato, não alcança nunca e nem nunca alcançaria a descrição completa da complexa realidade material dos objetos tratados. Sabemos que toda realidade tratada é sempre mais complexa e problemática na prática do que o que se apresenta em uma tentativa de explicação globalizante, fundada em teorias totalizantes. Por isto, as probabilidades sofistas, a nosso ver, aparecem como o mais próximo possível de uma realidade aceitável, pois, traduzem o ideal sempre parcial da ciência que é feita de verdades acumuladas e tinham sempre “o provável (ou aparente, plausível, eikota) em maior honra que o verdadeiro”, ou seja: “(...) descobriram que a probabilidade deve ser tida em maior apreço do que a verdade, pois só com os recursos da palavra fazem o pequeno parecer grande, e o inverso: o grande parecer pequeno (...)” (PLATÃO, 2007, p. 100 (267a-b)). Então, voltamos ao ponto da subjetividade aceita e respeitada, da perspectiva sofística.
Seguramente concordamos com Jaeger, quando ele afirma que estes contributos são mais notórios ainda se considerarmos a variedade das aplicações dos conhecimentos dos sofistas propriamente ditos. Estes não eram apenas exímios oradores e/ou sequiosos homens em busca do status quo da política de suas civitas, eram, também, indivíduos capazes de aplicar seus conhecimentos em prol da melhoria espiritual, busca pelo conhecimento adequado às distintas situações. Tal mescla de saberes e técnicas aplicadas, como nós já havíamos mencionado anteriormente, implica em ver a sofística em toda sua amplitude. Numa escala de apreensão da episteme (conhecimento metodizado), teríamos: Filosofia de um lado (Tese), do outro a Sofística (Antítese) e, por fim, a Educação, resultado científico deste embate dialético (Síntese). Se lembrarmos também as frases mais significativas deste autor, no que tange a sua avaliação do movimento sofista, ele nos dirá que “nunca podemos deixar de nos maravilhar diante da riqueza dos novos e perenes conhecimentos educativos que os sofistas trouxeram ao mundo” (JAEGER, 1994, p. 343). Contudo, direcionar esta afirmativa apenas à educação é demasiado reducionista e pouco justo com todas as vertentes exploradas pelos conhecimentos emanados deste movimento como um todo. Sendo assim,
(...) a nova educação, (...) ultrapassava o meramente formal e material e atacava os problemas mais profundos da moralidade e do Estado, se arriscava a cair em maiores parcialidades, caso não se fundamentasse numa investigação séria e num pensamento filosófico rigoroso (...) ( JAEGER, 1994, p. 343).
Foram tantos os nomes que perceberam a importância da relativização factual e cognitiva que, se formos elencá-los aqui, teríamos um número maior de páginas escritas destes relativistas do que de discussões e apresentações das características do movimento em questão. Em outras palavras, foi a relativização factual que permitiu a Marx reverter Hegel e chegar ao materialismo histórico e dialético, por exemplo, assim como a inversão das generalizações dos filósofos levaram a expansão do conhecimento no aufklärung grego com a intervenção sofista. Se não fosse assim, não nos teria chegado a afirmação de Sexto Empírico confirmando que “ a verdade é algo de relativo, porque tudo o que pareceu ou que foi crido por alguém[9] é de imediato real em relação a ele” (SEXTO EMPÍRICO, apud GUTHRIE, 1995, p. 159).Portanto, há de se reconhecer a importância e autoridade do relativismo sofístico, no limiar da história da Grécia antiga, como estágio de acesso ao conhecimento humano geral, pois“ (...) não podemos afirmar e admirar os novos estágios sem que neles estejam assumidos os primeiros”, e aqui, os primeiros foram, segundo Jaeger, os sofistas (1994, p. 355).



[1] O que é possível verificar nas afirmativas de GUTHRIE, W. K. C. na obra Os sofistas, 1995. III cap. pp. 33-55.
[2] Aqui me utilizo do sentido lato de iluminismo oriundo da orientação filosófica que lê as revoluções racionais de distintas sociedades baseadas no conceito alemão de Aufklärung.
[3] Para maiores detalhes sobre os perigos da profissão sofista ver: Guthrie, B. O movimento sofista,1999. p. 43.
[4] Id. Ibid.
[5] Para apoio sobre esta duplicidade da utilidade do logos veja GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas – São Paulo :Paulus, 1995. Ver também: JAEGER, Werner Wilhelm. Paideia : a formação do homem grego. – 3ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 1994. E por fim: KERFERD, G. B. O movimento sofista. São Paulo : Edições Loyola, 1999.
[6] Grifo nosso.
[7] Para tal abordagem veja KERFERD, G. B. O movimento sofista. São Paulo : Edições Loyola, 1999. p. 144.
[8]Encontram-se detalhes mais incisivos sobre esta questão em GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas, 1995. p. 169.
[9] Grifo mantido.
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BIBLIOGRAFIA
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CARDOSO, Ciro. Uma Introdução à História. Ed. Brasiliense, 1986, 6ª Edição.
CHILDE, V. G.A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão.Tradução de Ligia M. Pondé Vassallo. Petrópolis: Vozes, 1989.
GADDIS, John Lewis. Paisagens da história: como os historiadores mapeiam o passado. Tradução de (...).Rio de Janeiro: Campus, 2003.
GAY, Peter, The Enlightenment: an interpretation. Londres: Editora Weidenfeld& Nicholson, 1967.
GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. Tradução de João Rezende da Costa. São Paulo: Paulus, 1995.
JAEGER, Werner Wilhelm. Paideia: a formação do homem grego.Tradução de Arthur M. Parreira– 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1994.
KERFERD, G. B. O movimento sofista.Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
PLATÃO. “Fedro”. In: Diálogos. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2007.
_____. “O banquete”. In: Coleção Os Pensadores. Tradução de José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
_____. “Protágoras”. In: Diálogos. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2002.
_____. “Sofista”. In: Coleção Os Pensadores. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

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