quinta-feira, 9 de maio de 2013

A indústria cultural como fomentadora de dúvidas: Filmes anacrônicos e descuidados.

Análise conjunta do filme "O que É isto, companheiro?" E do livro "Versões e ficções: O sequestro da História".


BADARÓ, Wilson Oliveira


Introdução


Os autores, nesta obra, tratam de revelar uma crítica incisiva e, à medida do possível, construtiva, ao filme "O que É isto, companheiro?" apontando diversos fatores que se ausentaram na produção cinematográfica de autoria de Bruno Barreto, assim bem como elementos que foram inseridos indevidamente na opinião de maior parte dos autores incluídos na obra "Versões e ficções: O sequestro da História".
Dentro destas críticas, algumas são recorrentes e entram em consenso com as de outros autores, outras descambam para dimensões mais especificas e resgatam detalhes pouco perceptíveis à espectadores menos atentos ou iniciados nestas discussões. Por fim, uma obra indispensável para quem quer se apropriar de um conhecimento mais realista em relação aos fatos deste contexto histórico e suas diferentes versões e possibilidades.
Inicialmente, a maior concentração dos esforços dos autores no sentido de sua produção intelectual crítica se faz notória na leitura do filme, assim, o filme se configura em principal fonte para os autores. Em outros casos específicos, lançam mão da obra original, de autoria de Fernando Gabeira também chamado de "O que É isto, companheiro?", com o intuito de perceber discrepâncias em relação ao originalmente proposto pelo autor.

Apresentação do(s) autor(es)


            Por se tratar de uma obra de coletânea, ou seja, uma obra organizada, não temos um autor central responsável pelos créditos específicos da obra como um todo, assim sendo, faremos uma breve apresentação dos autores relacionados com a apresentação do conteúdo deste livro. São eles:
§  Alipio Freire: Jornalista e Artista Plástico. Militante da Ala Vermelha e esteve preso de 1969 a 1974.
§  Celso Horta: Jornalista. Militante da ALN, membro de um dos GTAs (Grupos Armados Táticos) e Testemunha da passagem de Jonas pelo cárcere da Operação bandeirantes (Oban)
§  César Benjamim: Editor da Editora Contraponto. Foi membro da Dissidência Comunista da Guanabara em 1969.
§  Consuelo Lins: Jornalista, professora de Cinema da Escola de Comunicação da UFRJ e doutora em cinema pela Universidade de Paris III.
§  Daniel Aarão Reis Filho: Professor Titular de História Contemporânea Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi membro da Dissidência Comunista da Guanabara em 1969.
§  Dulce Muniz: Atriz, diretora teatral e socialista.
§  Elio Gaspari: Jornalista.
§  Emir Sader: Professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
§  Franklin Martins: Jornalista. Foi membro da Dissidência Comunista da Guanabara em 1969.
§  Helena Salem: Socióloga, Jornalista e mestra em História da Cultura.
§  Idibal Piveta (César Vieira): Advogado militante dos direitos humanos e diretor do Teatro Popular União e Olho Vivo.
§  Izaías Almada: Escritor, dramaturgo e roteirista. Preso em 69 como militante da VPR.
§  Jorga Nahas: Médico, Ex-militante da Colina (Comando de Libertação Nacional) e da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Preso em 69.
§  Marcelo Ridenti: Professor-assistente doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
§  Paulo Moreira Leite: Jornalista e redator chefe da revista Veja.
§  Renato Tapajós: Escritor e cineasta. Foi militante da Ala Vermelha do PC do B.

Fontes

            Os autores abordam o objeto de estudo, que é explicitamente o de apontar as deficiências do tratamento histórico do filme em relação aos fatos, utilizando-se do filme criticado, enquanto linguagem de informação oriundo da indústria cultural, e, naturalmente, como fonte objetiva de extração dos dados e contraposições explicitadas em suas colocações.
            Também, verifica-se o uso de fontes orais como depoimentos e entrevistas, uma vez que, mesmo alguns dos escritores autores vivenciaram o contexto histórico abordado. Evidentemente que tal situação, mune os autores com argumentos e interpretações diferenciadas, auxiliando em suas leituras mais realísticas, mas, não menos subjetivas.
            Aparecem também como fontes, manifestos como o manifesto anexo da ANL e MR-8 que retrata os ideais e motivações dos opositores do sistema governamental vigente e, sobretudo, seus mecanismos de combate e manejos contra o governo. Materiais oriundos da indústria cultural como outros filmes que não o presente criticado, peças teatrais, música, artes plásticas, artísticas em geral.  Fontes impressas são também citadas como o Jornal "O Globo", os livros de Gabeira e Venturi. E por fim, os atos institucionais (as AI's).
Metodologia
            O método comparativo é amplamente e, obviamente utilizado à medida que os autores evidenciam outras possibilidades de descrição da realidade do contexto abordado comparando o posicionamento político, referencial bibliográfico, relatos e depoimentos e, até mesmo, cinematográfico dos autores do filme "O que É isso, companheiro?" com o de outros filmes que tratam da mesma temática. Estas comparações surgem como guias que poderiam haver dado uma outra roupagem e maior veracidade aos fatos expostos neste filme tão criticado em todos os ângulos possíveis. Os autores propõem ou um evidente desconhecimento ou uma intencionalidade ligada a interesses politicamente, socialmente e economicamente orientados. Pendendo mais para as inclinações políticas de uma corrente tratada ao longo da obra como "conciliadora" que tenta evitar a todo o custo o revanchismo e a naturalização ou absolvição da ditadura militar e toda a sua parafernália repressiva.
            Neste mesmo seguimento, a análise do discurso aparece como confirmadora das suspeitas dos autores na medida em que os discursos são trocados para favorecer a um personagem historicamente situado – caso Jonas –, causando, como por consequência o possível fenômeno nocivo da reversão dos fatos históricos para a sociedade espectadora que irá manter contato com esta produção. Obviamente, o fator nocivo está em como estes espectadores interpretarão o filme e como, depois, reproduzirão os fatos nele contidos. A análise do discurso é também útil para alguns autores que mapearam as falas dos autores do filme em diferentes momentos e expuseram isto na obra, aqui, entramos na questão da abordagem do filme, se fictícia ou histórica documental e relacionada com a realidade histórica de fato. Sendo também cabível, neste mesmo seguimento, incluir o processo hermenêutico de leitura e diferentes interpretações de um mesmo passado e a luta entre as diferentes partes envolvidas pela apropriação do passado e da memória. De um lado os autores deste livro que vivenciaram este passado e de outro aqueles que acessam e expõem este mesmo passado através do livro de Gabeira que, a posteriori, tornou-se este filme aqui discutido.
            O método de análise imagética, embora usado em menor escala em relação aos outros supramencionados está, também, intimamente ligado ao processo de crítica do filme pois, é justamente através destas imagens veiculadas no filme que os autores do livro "Versões e ficções: O seqüestro da História" se apoiarão para perceber intenções, gesticulações que reforçam uma fala, o panorama de um momento histórico retratado, que aliás, neste quesito, houve alguns elogios, relacionado à cena final com a atriz em cadeira de rodas.

Objeto


            O objeto central do livro é a discussão da legitimidade histórica da reprodução cinematográfica  sobre o sequestro do embaixador norte americano e seu contexto histórico envolvendo personagens reais que ora a produção aparece, na fala do autor do filme, como fictícia e ora como reprodutora da realidade histórica dada. Assim sendo, os autores resolvem contar uma versão diferenciada e mais pautada em dados e fontes mais apropriadas para fazê-lo, uma vez que, maioria deles desconsidera a obra de Gabeira como uma obra historiográfica usável.
Ideias Centrais
            Antagonizar firmemente o filme pouco comprometido com a realidade histórica e sua possível tendência maniqueísta.
            Apresentar uma leitura alternativa e revisada a partir de uma carga de indícios históricos documentais e de revisão historiográfica em contraposição à tentativa de apropriação da memória de um dado momento do passado – caso do sequestro do embaixador  estadunidense – que fora, por sua vez, veiculada pelo cinema nacional.
            Mostrar, partindo da organização e execução do sequestro do embaixador como os grupos de esquerda estavam bem organizados para a feitura de suas atribuições e contrariar a ideia de uma imaturidade e irresponsabilidade do grupo – MR-8 e ANL – mostrada no filme. E por fim, o plano de viabilizar uma guerrilha a partir das áreas rurais.
            Apontar mais incisivamente a realidade política e social imposta pelo regime da ditadura militar, dados não muito claros no filme a partir da apresentação de detalhes sobre a tortura (recorrente em todos os artigos) enquanto aparato e política de estado amplamente utilizada neste contexto e denunciá-la devidamente em toda sua amplitude. Tal assunto foi minorizado e tangenciado pelo filme em questão. (Crueldade, brutalidade e perversidade). (Ideia de atos de tortura previamente racionalizados e preparados).
            Mostrar como a sociedade também compartilhava das ideias dos movimentos de resistência ao regime evidenciando o momento histórico (manifestações populares, operárias, estudantis, e sobretudo, artísticas e culturais em favor da resistência e oposição ao regime.
            Corrigir os vários erros históricos contido no filme e injustiças com atores históricos envolvidos na trama cinematográfica veiculada – caso Jonas e o torturador inversos. Caso transa de militante Renée com o chefe da segurança da embaixada. (Caso da redação do manifesto Gabeira por Franklin, da ideia de seqüestrar o embaixador, idem, do comportamento de Jonas etc.)
            Apontar a diferença entre realidade e ficção e situar o filme como intencionalmente produzido para atender determinadas demandas políticas antigas almejadas. (Ideal da conciliação)
            Expor o filme como uma visão unilateral e específica de um único narrador – Gabeira – que dispõe de forte carga de subjetividade e pode, naturalmente, ser passível de incongruências e erros no resgate de sua memória. Problema da tentativa de apropriação das imagens do passado.
            Resgatar o real teor dos personagens envolvidos na produção cinematográfica e histórica de fato, que no filme são caricaturais e não condizem com a realidade. E denunciar a não onisciência – crítica anacrônica, problema aliás, recorrente tanto no filme como em seu livro – de Gabeira atestada por ele em seu livro e reproduzido na obra. (Constante em todos os textos)
            Denunciar o perigo evidente de se aceitar este filme como fiel reprodutor da realidade e, também seu papel político no tocante a seu posicionamento e leitura desta realidade. Caso da intencionalidade da Indústria cultural brasileira politicamente dominada – caso globo de Roberto Marinho. E do lócus de onde falam os produtores.
            Denunciar a distorção do ator histórico de Jonas, talvez o mais injustiçado e afetado de todos.
            Propor constantemente a necessidade de um maior revisionismo e cuidado por parte dos produtores de filmes quando se tratar de resgatar a história.
            Equilibrar as desproporções feitas no filme ao retratar os personagens atores históricos do filme comparando-os, expondo-os a partir de suas leituras particulares ou revistas dentro de um revisão historiográfica e bibliográfica (caso das duas mortes de Jonas).

Bibliografia
REIS, Daniel Aarão et al. Versões e ficções: O sequestro da História. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe o seu comentário contribuição, sugestão crítica e dúvidas. Agradecemos antecipadamente pela participação e auxílio na construção do saber que é de todos!