Da revolução de Trinta até FHC: Um breve resumo.
BADARÓ, Wilson Oliveira
A
"revolução de 30" se caracteriza por um acúmulo de ações
historicamente verificáveis como processo que culmina neste momento de
transformação mais significativas que acaba, por fim, por receber o status de "revolução", estando
diretamente ligada com estas mudanças políticas, sociais e econômicas que
verificaremos ao longo deste texto. Tal caracterização dá-se pela ruptura com o
antigo modelo de "democracia e liberalismo excludentes" (MENDONÇA,
1990, p. 252 in: LINHARES, 1990), a princípio, muito notórios na política dita
republicana do Brasil que perdurou, segundo a mesma autora, de 1889 até 1930.
Naturalmente, para corroborar com a queda deste modelo, além dos diversos
fatores apresentados pela autora, contamos com a ideia da crise dos anos 20,
que é especificamente uma crise sócio-econômica e política e, que está também
ligada com o declínio do coronelismo e a insatisfação ativista da burguesia
cafeeira movendo elementos que implicarão, mais tarde, nesta revolução. Sendo
que a ideia de declínio do coronelismo, sobretudo no nordeste do Brasil, está,
também, ligada à abolição da escravidão que enfraqueceu e desestabilizou as
bases produtivas do antigos donos de engenho do nordeste.
Segundo Sônia Regina de Mendonça, este período é
caracterizado por "uma crise de hegemonia em sentido estrito, na medida em
que nenhuma classe ou fração de classe lograra o controle inconteste do
aparelho de Estado" (MENDONÇA, 1990, p. 256 in: LINHARES, 1990). Neste
sentido, na falta de uma maior articulação política entre os estratos sociais
dominantes, temos a formação de uma estrutura regional de classes e,
obviamente, uma hierarquização e maior privilegio por parte de uns e prejuízos
de outros o que causa, como por consequência, oposições e rupturas dentro das próprias
classe dominantes (MENDONÇA, 1990, p. 256 in: LINHARES, 1990).
Neste quadro, temos uma ascensão
notória das classes médias urbanas na maior participação no processo de
produção e participação do crescimento econômico do país, apoiados na ideia de
liberalismo, e sentindo-se livres para direcionar críticas ao regime vigente,
contudo, sem um poder mais significativo de representatividade àquela altura
(MENDONÇA, 1990, p. 257 in: LINHARES, 1990) o que será, mais posteriormente, reforçado
pelos movimentos operários que, por sua vez, "ilhados", irão
apresentar um quadro em que a política vigente não mais poderia prosseguir. Ao
menos, não naquelas condições de exclusivismo político e classista, reforçados
pelo fenômeno do tenentismo – embora com toda a sua atuação, às vistas da
população, dual –, em que se encontravam.
Neste cenário de instabilidades
políticas, de práticas políticas excludentes, demagógicas e contradições a
Coluna Prestes aguardava apenas a "nova manifestação de crise
cafeeria" (MENDONÇA, 1990, p. 260 in: LINHARES, 1990) para mobilizar-se no
sentido de direcionar e insuflar novas demandas sociais. O que, naturalmente,
apareceria junto com a Aliança Liberal e os setores populares como reforço da
emergência de transformações na condução objetiva da política e economia
nacionais. Feita esta contextualização apresentando trechos do panorama
histórico vivido, abordemos a primeira questão central proposta.
A
"revolução de 30" foi um fenômeno político-social que implicou na
lateralização da oligarquia tradicional das esferas do poder e impediu que os
seus aliados políticos – setores socialmente articulados com esta oligarquia –
não conseguisse "nem legitimar o novo regime, nem, tampouco, de solucionar
a crise econômica" (MENDONÇA, 1990, p. 261 in: LINHARES, 1990). Isto faz
com que nenhuma das fragmentadas categorias constitutivas das esferas da elite
política conseguisse, efetivamente, tornar-se hegemônica, abrindo assim espaço
para uma reestruturação do aparelho do estado que tornou-se mais burocrático e
autônomo. Esta autonomia e burocratização, a longo prazo, irá significar formas
diferentes de acesso aos cargos públicos superando nitidamente os processos
coronelistas, por exemplo, o nepotismo político, e a ideia da reprodução das
classes dentro de seu próprio aparelho.
Nesta
altura, importa discutir rapidamente o debate historiográfico feito pela autora
que trata das tendências à uma leitura do caráter classista ou meramente
fenomenológico social da revolução. A autora mostra a tendência euroinfluênciada
de Sodré onde a revolução é um fenômeno guiado e motivado pela burguesia
industriaria sequiosa da queda dos agroexportadores contrapondo indústria –
enquanto modernidade – e agroexportação – enquanto antiguidade e atraso.
Em
seguida vemos a leitura de Santa Rosa sobre a revolução onde o tenentismo é
quem lidera os movimentos de transformação revolucionária legitimados pelos
anseios dos setores médios e demandas de modernização urbanística e industrial
do país e, sobretudo, como movimento moralizador da política corrompida e mal
formada, levando assim, ao desenvolvimento.
Depois,
Weffort e Fausto refutam as duas proposições anteriores acusando-as de
reducionistas e simplistas e propondo em seu lugar uma complexificação das
ações do novo regime – novo Estado – em detrimento das intenções outrora
enunciadas como finalidades, expectativas e anseios da classe média. Em outras
palavras, foi um acumulo de fatores externos ao estado como "cisão entre
as oligarquias, (...) movimento militar, (...) fraqueza política da burguesia
industrial" que levaram à um "vazio do poder" (MENDONÇA, 1990,
p. 262 in: LINHARES, 1990), significando aí que esta nova ordem não mais seria
a tradução ipsi litteris dos
desígnios e desejos de uma única classe.
Finalmente,
a última reflexão deste debate historiográfico, que, com De Decca, desloca o
foco das discussão do recorte temporal de 1929-1930 para 1928 onde de fato,
haveria ocorrido a "verdadeira revolução" incluindo na discussão a
participação ativa da hoje vista como atuação de esquerda do Bloco Operário e
Camponês com o Partido Comunista que vem a
ser subjugado facilmente pelas classes então dominantes – a Burguesia
Industriária.
Nesta
avalanche de teorias acerca da "revolução de 30", a autora conclui que
"o que definiu o período foi a disputa – ainda entre oligarquias – pelo
controle do Estado, não conquistado por nenhuma delas" (MENDONÇA, 1990, p.
263 in: LINHARES, 1990) e seguindo um caminho mais intrínseco e particular que
priorizou a descentralização e nacionalização dos mecanismos de controle e de
poder decisório evitando assim, as influências ora perceptíveis das diferentes
regiões em disputa pela hegemonia no aparelho do Estado. Consequências notórias
desta nova ordem política do Estado traduziu-se na "revolução
constitucionalista", nomeação de interventores escolhidos dentro do agora
sistema autônomo do Estado e a criação sistemática dos Institutos, conselhos e
comissões que discutiriam as novas tendências e necessidades da nação. Contudo,
a autora aponta para a questão de uma modernização apenas alcançada de forma
significativa no Estado Novo, mas, aqui, percebemos que as bases foram, de
fato, lançadas.
Muitas
outras medidas foram tomadas pelo Estado para garantir que seus progressos
fossem garantidos com maior esforço no sentido da centralização do poder no
governo federal como: controle mais ostensivo das elites políticas regionais;
despolitização e afastamento dos tenentes das forças armadas; criação do
Ministério do Trabalho; definição dos sindicatos tais quais "órgão de
colaboração do Estado" e por fim a repressão da Aliança Nacional
Libertadora – ANL.
A
ANL irá confluir em suas bases várias vertentes do comunismo nacional e
internacional, socialismo etc., no sentido de fazer frente ao autoritarismo com
as chamadas frentes populares, encontrando sérias resistências externas e,
sobretudo, internas em virtude de sua dualidade ideológica – ampliação da
aliança de classes e insurreição. Por ter a insurreição como maior foco, o que
gera uma derrota grande da ANL para o Estado, ocasionando fortes repressões aos
grupos que se aproximassem das vertentes comunistas. Dadas estas informações, temos uma
caracterização da estabilização do Estado autoritário que irá, a posteriori, ressurgir fortemente, no sentido
de suas formas de repressão, durante e após o golpe de 64.
2)
Após o pleno processo de modernização pelo qual passou o país na fase do
desenvolvimentismo que modificou as relações e situações nacionais nos
segmentos político, econômico e social, veremos como os processos se
desenvolveram para problematizar tal desenvolvimento e suas consequências.
No
campo das percepções das mudanças do panorama social, tratamos inicialmente de
perceber um fenômeno comum, já notado e descrito por vários teóricos das
ciências sociais – a mobilidade social e as transformações da paisagem urbana –
que são as migrações demográficas e de contingentes populacionais da área rural
– antiga zona de produção e desenvolvimento econômico no período das
oligarquias – para os centros urbanos, agora como centro catalisador da mão de
obra e das oportunidades de trabalho, causando um significativo e definitivo
aumento destes centros, em termos demográficos e econômicos e, um consequente
esvaziamento da área rural – o chamado êxodo rural.
Fenômeno
este que é apontado pelo autor como "inversão da relação campo/cidade"
(SILVA, 1990, p. 301 in: LINHARES, 1990) e uma consequência imediatamente
percebida, também, é o reflexo que estas transformações terão para o quorum eleitoral baseado nas políticas
coronelistas de alguns partidos que nele se fundavam – caso do PSD, PTB e UDN –
o que mais tarde se verificará importante, enquanto processo, na culminância do
"golpe de 64".
Obviamente
tal fenômeno de mobilidade populacional gera o surgimento, mais forte ao menos,
de uma outra classe/categoria social, o operariado, oriundos dos mais
diversificados setores da produção industrial.
Contudo,
mesmo com o aumento substancial da classe operária que leva a uma
diversificação em cadeia das capacidades produtivas da própria indústria como
uma consequência direta de sua expansão, nota-se, segundo Silva, uma expansão
integrada e, talvez, complementar para subsistência da primeira, uma expansão
de micro negócios (oficinas e fabriquetas) e um aumento do contingente camponês
(SILVA, 1990, p. 303 in: LINHARES, 1990). Este hibridismo das formas de
produção – as não capitalizadas concomitantes às formas capitalizadas de
produção –, outrora apontada por Celso Furtado e Roberto Campos, é visto como
um entrave ao desenvolvimento pleno do capitalismo. Neste ponto, políticas de
desenvolvimento irão aumentar as tensões nas relações políticas dos diversos
partidos fazendo com que se comece a perceber no cenário político mais amplo as
articulações políticas dos militares no sentido de intervir contra o
trabalhismo e o próprio Vargas (SILVA, 1990, p. 306 in: LINHARES, 1990).
Este
"dualismo estrutural" que são resquícios de um sistema funcional
pautado em heranças feudalistas e coloniais aliado, forçosamente, por questão
de problemas nas políticas de um liberalismo restrito ao capitalismo
modernizado, remeteu o país a tomar medidas de inclusão e aproveitamento dessa
mão de obra retardatária. Diante destas crises e tensões político-econômicas,
eventualmente, pode-se dizer que diante das pressões internas e conspirações
que levaram o próprio presidente ao suicídio – Vargas – o caminho estava livre,
teoricamente para a ascensão da direita ao poder. Neste momento configura-se em
1955 o chamado golpe preventivo que atendia, parcialmente, àquela altura, as
expectativas e pretensões dos militares golpistas. Obviamente, estas
expectativas não foram suficientemente atendidas aos olhos dos militares. Deste
modo, os esforços dos militares em apresentar uma unidade aparente do governo
fica comprometida diante das crises apresentadas no governo de Kubitschek, o
que leva posteriormente Jânio Quadros ao poder junto ao seu opositor, Goulart .
Após
a renúncia precoce de Goulart, um período de tensões políticas se instala
irremediavelmente nas esferas do poder do Estado. Cientes da evolução e
provável vitória da esquerda nos moldes democráticos se viam na posição de
tomarem uma ofensiva para evitar o, democraticamente falando, inevitável. É
aqui que temos a retomada do "populismo", por parte da direita que
inclui as ações dos militares, como mecanismo passível de uso para garantir o
enfrentamento do reformismo da esquerda. Diante destes impasses e tensões, a
revolução parece uma opção desejável aos esquerdistas, mas, a heterogeneidade da esquerda podia apresentar-se como um
empecilho à revolução. Assim bem como as questões da reforma agrária no Brasil
era um outro ponto de pauta da esquerda que assombrava o bloco político da
direita e as elites agrárias remanescentes.
Dentro
deste clima tenso onde a direita junto aos militares Goulart convoca a
solicitação de retorno ao presidencialismo. Sob forte pressão americana no
governo de Kennedy para que o Brasil se juntasse ao bloqueio a cuba, não
encontrando no governo vigente brasileiro um posicionamento favorável ao seus
interesses, os americanos, por meio da "Aliança para o progresso"
tomam medidas drásticas que oscilavam entre a inteira caridade e a negligência
total e o incentivo à formação de institutos que se opusessem ao governo de
Goulart. Tudo isto para aumentar seu poder de ingerência na governabilidade do
Brasil.
Nesta
altura, além do bloqueio naval à cuba, o aumento das tensões da guerra fria
forçam os EUA a serem mais agressivos em suas práticas diplomáticas no Brasil
no sentido de aumentar sua influência junto à ONU atraindo o Brasil para o seu
lado "alinhando-o". Assim sendo, os americanos lançam mão de um
antigo investimento seu em terras brasileiras a Escola Superior de Guerra (ESG)
fundada para garantir o "desenvolvimento e segurança" nacionais,
sendo esta, apoiadora incondicional das políticas liberalistas e combatiam
abertamente o nacional desenvolvimentismo. A ESG, por questões políticas
internas, abandonou posteriormente as questões ligadas ao desenvolvimento
econômico do país.
É
justamente dentro deste contexto supramencionado e desenvolvido que o golpe
militar ocorre. Após a vitoria de Goulart em sua intenção de restaurar o
presidencialismo confirmam o prognóstico da direita acerca dos avanços da
esquerda no sentido de prevalecer dentro dos moldes democráticos. Com o
episódio do motim dos militares da aeronáutica que desejavam participação nos
processos eleitoreiros e melhores condições na tropa, Goulart se vê em um
impasse que fora contornado, contudo, ameaçado pelas tramas da direita,
sobretudo, da UDN com Carlos Lacerda mostravam o isolamento de Goulart no
tocante aos ministérios conduzidos em sua maioria pelos militares (SILVA, 1990,
p. 321 in: LINHARES, 1990).
Goulart
então apela para o apoio da esquerda e da mobilização popular com o intuito de
realizar as suas pretensas reformas de base encaminhando "uma série de
leis ao Congresso, entre elas a lei de Reforma Agrária, em 15 de março de
1964" (SILVA, 1990, p. 321 in: LINHARES, 1990). Novamente, um outro
"incidente militar" desta vez na marinha, impelindo e estimulando a
necessidade de se legar amplos poderes às forças armadas para atuação e
supressão de tais "incidentes". Enquanto isto, em Minas Gerais,
dava-se os últimos ajustes para o golpe que estava previsto para este mesmo mês
de março. Deste modo, para evitar maiores complicações, Goulart renuncia. Está
consumado o golpe militar que tomou o poder e legou à direita a supremacia
numérica no Estado.
A
partir deste ponto, notamos que o que deveria ser passageiro e apenas
transitório pode ser analisado como duradouro se considerarmos todas as
intervenções militares no campo político, sendo que estas, sempre se deram
favoráveis à direita. E neste seguimento, a repressão tendeu a recair sempre
sobre aqueles que desejavam ver realizadas as intenções anteriores da esquerda
como as realizações reformistas, trabalhistas com a perseguição e
desaparecimento de lideranças políticas e de movimentos sociais. Os expurgos se
tornaram uma constante.
Para
amenizar as possíveis leituras mais céticas do recém implantado regime, medidas
de transformação da realidade econômica são adotadas, medidas que, diretamente,
apenas afetaram as camadas mais baixas do estrato social daquele contexto como
o arrocho salarial para baratear os custos de produção interna melhorando
assim, como por consequencia, a competitividade dos produtos nacionais no
exterior. Roberto Campos é destacado por sua política de internacionalização e
tendência fortemente liberal e privatizadora
primando a diminuição da participação do Estado como formas de dinamizar
a economia. (SILVA, 1990, p. 324 in: LINHARES, 1990)
Medidas
estas que ao afetarem as camadas menos favorecidas geram insatisfação e,
conseguintemente, atividades mais ostensivas por parte dos sindicatos que vêem,
por sua vez, a repressão concentrar suas atenções às suas instituições mais
combativas.
Diante
das ações mais radicais do militarismo enaltecido no tecido governamental,
percebemos uma ruptura dos atores motivadores do golpe como Ademar de Barros e
Carlos Lacerda com as intenções militarísticas. Diante de tantas desconfianças
das possíveis intenções de perpetuação e de atuação mais incisiva dos militares
enquanto agentes interventores no governo federal, reforçado pelas ações do
CODI (Centro de Operações de Defesa Interna) e também do CCC (Comando de Caça
aos Comunistas) temos uma mobilização por parte dos antigos apoiadores da
"revolução" – Ademar de Barros e Carlos Lacerda por exemplo.
Daqui
para frente, a repressão é a vedete e carro chefe da condução formal do governo
do regime militar. Cinema, teatro, imprensa, músicas e muitos outros
seguimentos são censurados para garantir a legitimidade e não subversão dos
ideais nacionais propostos pelo regime. Uma onda ufanista e nacionalista irá
tomar conta das movimentações do governo.
Apesar
do "milagre econômico", o que se vê na prática é uma acentuação
exacerbada do abismo social entre ricos e pobres, o que leva à um processo
necessariamente emergencial de mudança estratégica, verificado na transição
econômica do II PND (SILVA, 1990, p. 332 in: LINHARES, 1990).
Após
fortes mudanças no quadro econômico mundial – 1973 – o último general
presidente concede anistias políticas (1979-1984) que vão desembocar na reforma
e restauração dos partidos políticos do Brasil. Com a fragmentação do MDB
veremos uma dança enxadrista de manobras entre líderes políticos para "transição
entre a ditadura e um regime representativo" (SILVA, 1990, p. 332 in:
LINHARES, 1990). Resistências contra a "diretas já" não faltaram,
contudo, mobilizações de instituições e das massas que viram em Paulo Maluf uma
continuidade duvidosa e indesejada do regime fazem recuar tais articulações.
Tancredo Neves e Sarney, em uma aliança salutar para ambas as reivindicações –
direita e esquerda – chegam ao poder.
Após
a morte prematura de Tancredo Neves, Sarney é quem ascende ao poder com a
incumbência de sanar pesadas cobranças historicamente construídas e socialmente
notórias.
3)
O processo de redemocratização do Brasil já fora descrito parcialmente na
questão anterior onde temos uma abordagem que contempla as discussões
introdutórias acerca desta redemocratização. Um dos grandes motivadores do
processo de redemocratização foi o esgotamento do modelo substituição de
importação e o processo gradual de desindustrialização verificado no contexto
dos anos 1980-82 em virtude do alto grau de dependência econômica atrelado ao
endividamento externo.
O
clima de transição entre o regime ditatorial e o de democracia representativa
se instalara, o autor apresenta-nos dois conceitos de O’Donnell – transição por
colapso e transição pactuada – mostrando que o segundo se mostra mais próximo
da realidade brasileira.
Diante
das crises notórias do regime ditatorial o clima de transição fica evidente no
lema “Muda Brasil” com forte adesão popular e mobilizações de partidos como o
PT. Partindo destas constatações, o autor apresenta-nos um quadro onde Tancredo
Neves é além de um antigo opositor do regime o personagem determinante na
conduta deste processo de transição “lenta, gradual e segura”.
Diante
das constantes tensões intra e extra partidárias temos o PT como ator de uma
leitura diferenciada dos outros partidos em relação a esta transição que se
mostrava bastante “conservadora e pactuada com o autoritarismo”, sobretudo,
desconfiava do real papel de Tancredo Neves neste contexto, desconfiança esta
que só aumentou com a candidatura de Maluf e Sarney. Perante os problemas na
presidência de Figueiredo, os movimentos das elites atestavam uma ansiedade em
garantir para si mesmas um status quo
equivalente ao de sempre, uma continuidade de sua condição diante da,
aparentemente, inevitável mudança. Falamos da mudança pois, o movimento
iniciado e refutado pelas esferas do poder da Ementa Dante de Oliveira já havia
sido incorporado e endossado pelas massas, mas justamente, cientes desta
negação porvir da Emenda, os políticos já faziam uma projeção das reações
futuras da população à esta negação.
Para
piorar, a fragmentação que vivia a extrema direita gerava um risco de
revanchismo e, com efeito, de cobrança das atrocidades e erros serem cobrados
após a dita transição, como ocorrera em outros países citados pelo autor, por
isto, a negociação emergencial entre oposição e a base governista era
necessária e assim foi feito.
A
solução foi habilmente negociada. Embora permanecendo no PDS votariam no
candidato do PMDB, Tancredo Neves, caso fosse garantida pela oposição uma
transição sob controle. A garantia de uma transição que não escapasse ao
controle das elites políticas do regime agonizante seria feita através da
incorporação do próprio Sarney como vice-presidente na chapa do PMDB, além da
indicação de alguns dos principais políticos do PDS para o futuro ministério
(...) (SILVA,
1990, p. 338-339 in: LINHARES, 1990).
Após
este acordo, assistimos a formação do PFL, que junto ao PMDB – Aliança
Democrática – são acusados de “peleguismo” junto ao conservadorismo. Assim, a
esquerda, sem o PT, representada pelo PDT, apoio a Aliança Democrática em sua
marcha junto as mobilizações regionalistas no sentido de fortalecê-la. Tal
mobilização da esquerda e da direita consegue eleger Tancredo Neves, é o fim da
ditadura.
Com
a morte “oportuna” de Tancredo Neves, os espaços ficam cada vez mais amplos
para as articulações e condução do processo de transição democrática. Em
princípio Sarney respeita os acordos previamente feitos com Ulisses Guimarães e
desenvolvendo a grande expectativa da firmação de uma constituinte.
Constituinte esta que previa a retirada de todo o “entulho autoritário” que limitava o exercício pleno da cidadania e
liberdade de expressão. Enquadra-se ainda dentro deste entulho o serviço
público que, quase nepótico e clientelista, como aponta bem Nicolau Sevcenko em
seu livro “A literatura como missão”, como apontado, também, no texto de
Francisco Carlos Teixeira da Silva, era deficiente, viciado e historicamente
despreparado. Argumento que poderia ser amplamente usado como reforço de uma
política anti-estatista, reforçando assim a ideia de inserção de políticas
externas e privatizações como solução para os problemas econômicos – Estado
mínimo.
Com
maior abertura de políticas sindicalistas e redemocratização das práticas
políticas e liberdade de expressão, a classe média mais articulada e o “Novo
Sindicalismo” se constituem como ponto de apoio para as bases de transformações
mais significativas no cenário nacional. Com a criação da CUT (Central Única
dos Trabalhadores), este movimento primário de solidariedade intra profissional
começa a ganhar corpo. A ampla adesão à CUT reforça os ideais de cidadania e, a
fortiori, a crença na força representativa dos sindicatos.
Dentro
desta conjuntura temos
Pela primeira vez na história do país, e atendendo
às pressões das novas formas de representação, são aceitas emendas populares,
propostas por petições encaminhadas por pelo menos três organizações da
“sociedade civil” acompanhadas por 30 mil assinaturas. Campanhas variadas
circulam o país em favor da incorporação de medidas institucionais em favor dos
trabalhadores, de minorias raciais e sexuais, da mulher, da criança e do jovem,
pelo meio ambiente, etc. (sic). (SILVA, 1990, p. 342 in: LINHARES, 1990)
Após
aceitas boa parte destas reivindicações temos a mais democrática Constituição
vigente com garantias plenas e com amplos ganhos em todos os seus segmentos
discutidos. Em contrapartida, os conservadores com críticas a partir de suas
bases tentavam minar a validade e aplicabilidade desta Constituição iniciando
uma briga no campo ideológico em torno da Constituição e suas premissas.
No
tocante aos embates entre esquerda e direita, a transição pactuada impedia a esquerda de imobilizar permanentemente
a direita. Assim, vimos a anistia como revitalizador político da direita.
Apesar
deste impasse, temos um sabor de vitória presente neste contexto, vitoria esta
que logo saber-se-á efêmera e transitória diante das ações corrompidas e direitistas
do presidente José Sarney que apresentara sua face clientelística e corrompida
que aliou posteriormente seus projetos pessoais e interesses, “os interesses
fisiológicos da representação política e o projeto conservador das elites
nacionais” (SILVA, 1990, p. 345 in: LINHARES, 1990).
Seguindo
a tendência idiossincrática e demagoga da atuação de José Sarney enquanto
político, temos a economia nacional, de novo, nas mãos dos estrangeiros.
Pagou-se um alto preço pela política de endividamento como política de estabilização
econômica do país.
A
reforma monetária proposta por Dilson Funaro criou uma imediata sensação de
poder econômico rebaixando a inflação, valorizando a moeda, mas, em virtude da
política de endividamento das gestões passadas e desta gestão limitava e
condicionava o “Plano Cruzado” à um restrito campo de ação. Já com o “Plano
Cruzado II” a realidade vem à tona. Os preços que antes congelados e
controlados pela SUNAB disparam e a inflação retoma seu curso ascendente sem
precedentes. Ações populares explodem no sentido de cobrar as promessas dantes
feitas. Sarney se vê pressionado e sem apoio. O governo retoma práticas
repressivas para convencimento da continuidade do trabalho das massas usando-se
das Forças Armadas. Neste contexto temos o surgimento de Collor que liderará as
denúncias de corrupção, mal uso dos recursos públicos e dos marajás.
Apoiado
em suas denuncias, Collor irá se auto promover e se projetar como um político
atuante e sério, contudo, sua principal característica, segundo o autor, é
dual. Dual porque em primeiro momento aparece como ilusionista das demandas
populares e segundo porque é afinado com solidamente com os interesses das
elites nacionais no sentido de “desmontar os mecanismos distributivistas do
Estado” (SILVA, 1990, p. 352 in: LINHARES, 1990). Com estes ataques ao governo
deficiente e problemático e diante de uma população sequiosa de um político
promissor, temos, àquela altura, o vislumbrar de um potencial presidente da
república à altura dos anseios populares...
A
candidatura da primeira eleição realmente democrática contou com uma série de
recursos antes nunca vistos e justamente por isto, bastante problematizada pelo
autor Francisco Silva. Ele apresenta todos os candidatos como sendo de
centro-direita. Dificultando assim o trabalho de escolha da população que se
distanciava muito objetivamente de políticos que tivessem alguma ligação com o
antigo regime opressor vivido.
Diante
de um quadro social sofrido com, pobreza e miséria em alta, problemas
trabalhistas crônicos, os políticos, em sua grande maioria, encontravam-se
desacreditados e em baixa na estima popular mais geral. Contudo, sobressaem dois,
– Lula e Collor – como modelos distintos de possibilidades um por sua origem
humilde e forma de vida dentro da sociedade e o outro, de certa forma, também,
por sua origem, mas, sobretudo, por suas propostas e promessas de viabilização
de um país mais moderno e consumista aliados à “Nova Ordem Mundial”.
Segundo
o autor, o PT apostou numa estratégia ruim, o que levou ao insucesso de sua
campanha no primeiro turno. Já no segundo turno, formadas as alianças
partidárias, as estratégias não mudaram, e o ataque pessoal de Collor à pessoa
de Lula foram decisivos para a sua derrocada nas urnas.
Eleito,
Collor põe em ação o que mais tarde será denominado de “Plano Collor” que teve
seu grande foco na derrubada da inflação como forma de apresentar resultados
imediatos e uma prática de caça aos pretensos “marajás”, “Collor se eximia de enfrentar as verdadeiras causas da
injustiça social” (SILVA, 1990, p. 358 in: LINHARES, 1990). Mas, como de fato
se percebeu uma inundação de importados à disposição para a compra e
utilizando-se destes mesmos importados como forma de combate aos preços
abusivos do mercado interno tem-se a sensação de melhoria na economia, seguindo
a tal “Nova Ordem Mundial”. De certa forma, era notória a orientação do neoliberalismo
na política de Collor onde a livre iniciativa iria conduzir a economia à um neo
“Laissez-faire, laissez-passer,
le monde va de lui-même”, porém, este alto individualismo pregado, em
detrimento de uma maior ação comunal sempre apresenta limites e priorizará quem
já está em vantagem. Neste contexto de aproveitamento pessoal constante, o que
se preza é o individualismo e ganho pessoal sobretudo. Nesta passagem torna-se
nítida a evidência desta tendência na sociedade capitalista e liberalista proposta:
“A incorporação de tecnologia, com a melhora de qualidade dos produtos, e o
aumento de produtividade são pouco considerados, ocorrendo frequentemente
fraudes no peso ou nos componentes, como forma de aumentar os lucros.” (SILVA,
1990, p. 361 in: LINHARES, 1990).
Mais uma vez, vemos na história da jovem nação
brasileira um plano econômico falhar e sucumbir diante das seqüelas
historicamente construídas – dívida externa, inflação incontida,
industrialização setorialmente focada e hibridizada – levam o plano a dar
sinais de esgotamento também, uma vez que, “o perfil industrial do país era, e
ainda é, atrasado” (SILVA, 1990, p. 361 in: LINHARES,
1990).
Assim, detectando-se tal mazela e entrave para o
desenvolvimento, trata-se de resolver parcialmente tal problemática sendo que
os bancos foram os primeiros a se lançarem na empresa de substituir a mão de
obra por tecnologia seguindo as tendências mais atualizadas e alinhadas à “Nova
Ordem Mundial”. (SILVA, 1990, p. 358 in: LINHARES,
1990).
Com
estas ameaças rondando a garantia já baixa de emprego do cidadão brasileiro, a
desconfiança começa a pairar sobre as ditas vantagens do Primeiro Mundo. Para completar o quadro de desilusões,
desconfianças e temores da população nacional, escândalos, corrupção e falcatruas
voltam a surgir no ideário político da nação brasileira. Agora, é a vez da Casa da Dinda, ou seja, a residência da
família Collor. Expostas as ligações ilícitas e os feitos do presidente que
manchavam e maculavam sua posição enquanto presidente, tem-se o início de um
fenômeno que seria inédito nas práticas políticas democráticas de até então.
Tal
fato reforça a decepção da sociedade brasileira e o autor se utiliza muito bem
de músicas e da TV enquanto linguagens e fontes para enfatizar e desvelar o
nível das mentalidades da sociedade daquele contexto histórico efervescente.
Obviamente, o desfecho de tanta desilusão foi o impeachment do presidente Collor que quebrará uma cumplicidade
estabelecida entre ele e a sua sociedade, segundo o autor. Cumplicidade esta que
fora construída a partir de abordagens psicologizantes e apoiadas numa imagem
desenvolvida para conquistar no nível mais mental e que se quebrou pelo romper
da confiança com as polêmicas em que se envolveu a figura do presidente. O
autor conclui que o impeachment foi
obra do povo brasileiro.
Com
a queda lastimável do presidente Collor, sobe ao poder o seu vice, Itamar
Franco. Seu governo, em princípio é marcado por indefinições nas orientações da
política econômica a ser tomada, ou seja, entre a estatização e a privatização.
O
autor apontará como grande fenômeno deste momento histórico a ascensão do PSDB
como partido político – os modernizantes
– líder das ações políticas, e seu distanciamento do PMDB lhes aproximando do
PFL.
Por
fim o autor se concentrará em determinar como fenômenos constantes em seu texto
o mal da corrupção quase que congênita na política nacional como um perigo para
o futuro político do país, como por consequência, este mal afastaria os eleitores das discussões
políticas e seu interesse nela. Este fenômeno de ojeriza popular à política
seria um somatório das desilusões e fatores de má condução da política
nacional. Também como agravantes temos a histórica distribuição de renda
desigual; condição de trabalho injusta; problemas da mão de obra e trabalho
infantis que, por sua vez, implicam em problemas educacionais futuros;
desigualdades sociais e raciais notórias desde 1988 pelo IBGE (sendo que
sabemos ser mais antigo estes problemas). Tais fatos promovem uma deficiência
futura nas relações de poder e acesso das massas e minorias subalternizadas à
ocupações mais bem remuneradas em virtude de seu alijamento dos processos de
formação e educação mais promissoras.
O
autor aponta a criação do MERCOSUL como um dos adventos mais positivos do bloco
dos países da América do Sul onde trocas produtivas ocorrem com maior
intensidade e tende a aumentar a solidariedade entre estes países.
Nesta
altura, começa por parte do autor uma discussão acerca das possíveis
intervenções para maior democratização das possibilidades, ou seja, da
redemocratização e melhor condição de vida e justeza social entre o Estado e a
iniciativa privada. Ele aponta para as posições teóricas existentes e as
discussões mais atuais acerca desta temática do ponto de vista político
polarizado entre esquerda e direita suas propostas e resoluções.
Assim,
apresenta-nos Francisco Silva o advento do “Plano Real” de autoria de Fernando
Henrique Cardoso fundamentada em uma “gerência mais eficiente dos recursos
monetários e no controle do déficit público” e não em planejamentos que previam
o prejuízo intenso das classes menos favorecidas em detrimento de uma pretensa
saúde econômica do país, ao menos, não diretamente no bolso destas classes.
Entretanto, os cortes orçamentários incidem diretamente nos serviços básicos
que são, em sua maioria, acessados pelas classes mais pobres – a saúde e a
educação. Então, fenômenos recentes como vimos, em virtude de sua proximidade
com a contemporaneidade, tais quais o fechamento de cursos profissionalizantes
conjugados do ensino médio em lugar de uma pretensa “Formação Geral” que,
constituída para melhorar o desempenho e acesso destas classes à universidade,
tirou-lhe uma qualificação mais direcionada ao mercado e legou-lhes uma gama de
cursos em nível técnico, porém, agora, todos da iniciativa privada e pagos,
excetuando-se as IF’s.
O
plano “emplaca”, mas, não credencia Itamar Franco a modernizar o Estado, em seu
lugar, fica bastante cotado para tal modernização, o criador do “Plano Real”,
Fernando Henrique Cardoso. Nas eleições de 1994, o erro da estratégia de Lula
na campanha contra Collor se repete. O foco na oposição esquerda contra direita
e o discurso de análise e recuperação da pobreza exacerbada, denominada pelo
autor de estética da pobreza, falha
diante do mesmo discurso de modernização
dos direitistas liderados por FHC. Mais uma vez, a grande novidade estava fora
do campo polar de discussão política deste ano. O autor aponta como grandemente
notório a projeção de Enéas do PRONA.
Finalmente,
Francisco Silva dirá que a população se vê altamente motivada a exercer o voto
como “instrumento válido de representação” (SILVA, 1990, p. 376 in: LINHARES,
1990) face ao fio de esperança e surto de positividade levados em consideração
pelo plano real.
Com
a revisão da Era Vargas temos uma
modificação mais significativa da postura governamental em relação aos modelos
econômicos adotados. O modelo propõe um tripé que trata da importância de se
ter um “grande capital”, um Estado forte e o “grande trabalho”. Onde a grande
novidade mesmo, grosso modo, fica por
conta do entendimento que sem um numero efetivo de consumidores não há um
capitalismo forte. Embora, o autor note que tal implantação tardia no Brasil
não foi completa, foi “no máximo, um fordismo periférico, excludente e seletivo
(...) [gerando] ilhas de eficiência, de bem estar, quase sempre urbanas, [que]
pontilhavam um oceano de pobreza” (SILVA, 1990, p. 378 in: LINHARES, 1990).
Assim, constituído sobre uma série de acúmulos de desenganos políticos, econômicos
e sociais que a nossa nação tem encarado sua construção histórica até os dias
atuais.
Bibliografia
LINHARES, Maria
Yedda (organizadora). História Geral do Brasil. 6ª Ed. –
Rio de Janeiro: Campus, 1990.
SEVCENKO,
Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. 3ª Edição – São Paulo, 1989.
NAPOLITANO,
Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. – São Paulo: Atual,
1998.
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